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RS: O braço midiático da fraude no Detran

Há uma informação na denúncia produzida pelo Ministério Público Federal contra os acusados de integrar a quadrilha que agia no Detran/RS que não vem recebendo a menor atenção por parte da mídia gaúcha. É compreensível o silêncio. E lamentável também, colocando sob suspeita um serviço de interesse público (informar a população). Esse silêncio diz respeito a seguinte passagem da página 56 da denúncia:

“Ao lado disso, os denunciados integrantes da quadrilha não descuidavam da imagem dos grupos familiares e empresariais, bem assim da vinculação com a imprensa. O grupo investia não apenas na imagem de seus integrantes, mas também na própria formação de uma opinião pública favorável aos seus interesses, ou seja, aos projetos que objetivavam desenvolver. A busca de proximidade com jornais estaduais, aportes financeiros destinados a controlar jornais de interesse regional, freqüentes contratações de agências de publicidade e mesmo a formação de empresas destinadas à publicidade são comportamentos periféricos adotados pela quadrilha para enuviar a opinião pública, dificultar o controle social e lhes conferir aparente imagem de lisura e idoneidade”.

A denúncia cita como exemplo de investimento da quadrilha “na formação de uma opinião pública favorável aos seus interesses” as inserções de reportagens que visavam promover a idéia da implementação de usinas de casca de arroz no Rio Grande do Sul. O documento do Ministério Público Federal não cita em que data e veículo de comunicação tais reportagens teriam sido veiculadas.

O Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul divulgou nota oficial, citando o artigo n° 11 do Código de Ética do Jornalista, segundo o qual “o profissional não pode divulgar informações visando interesse pessoal ou vantagem econômica”. Repudiando esse tipo de prática, o sindicato encaminhou a nota à CPI do Detran defendendo que o assunto seja investigado e sejam nominados os profissionais envolvidos em ilegalidades, “pois não é justo que toda a categoria seja colocada sob suspeição em uma denúncia generalizada”.

Já os representantes dos “jornais estaduais”, “jornais de interesse regional”, “agências de publicidade e empresas destinadas à publicidade” não se manifestaram até agora sobre o tema. A rigor, existem dois jornais de circulação estadual no Estado, Zero Hora e Correio do Povo. Os demais jornais de Porto Alegre, O Sul, Jornal do Comércio e Diário Gaúcho não circulam em todo o Estado.

Lobista tucano diz que esquema pagava colunistas

Além da referência a um braço midiático da quadrilha acusada de roubar o Detran, feita na denúncia do Ministério Público Federal, há uma outra menção ao pagamento de jornalistas para produzir matérias de interesse do grupo. Ela aparece na carta que o empresário e lobista tucano Lair Ferst escreveu à governadora Yeda Crusius para “denunciar” que estava sendo vítima de uma campanha difamatória por parte da quadrilha. Segundo as investigações da Polícia Federal e do MP federal tratava-se de uma disputa interna no grupo pelo controle das verbas do Detran. Na carta, Lair Ferst escreve:

“Este grupo é liderado pelo ex-professor da Universidade Federal de Santa Maria, José Antonio Fernandes, e dos seus sócios Barrionuevo e do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Sr. João Luiz Vargas. Conta também com uma série de colunistas de vários jornais que tem remuneração paga pelo Sr. José Fernandes para plantar notícias de seu interesse particular. Usam diversas pessoas para servir aos seus propósitos escusos sem aparecer e ficar impune e livre de qualquer acusação”.

Barrionuevo é José Barrionuevo, ex-colunista político do jornal Zero Hora. Após deixar o jornal, Barrionuevo passou a trabalhar como “consultor de imagem” e marqueteiro em campanhas políticas. Em 2006, Barrionuevo trabalhou como consultor para o Pacto pelo Rio Grande, uma iniciativa do então presidente da Assembléia Legislativa do RS, Luiz Fernando Zachia (PMDB).

O principal resultado concreto do Pacto foi o lançamento do livro “Pacto – Compromisso de todos – Jogo da Verdade – Crise estrutural e governabilidade do Rio Grande”, assinado pelo próprio Barrionuevo e por Cezar Busatto (do PPS, ex-chefe da Casa Civil do governo Yeda Crusius, demitido após a revelação de uma conversa explosiva com o vice-governador Paulo Feijó (DEM), onde admitia o uso de empresas públicas para financiar campanhas eleitorais do PMDB e do PP).

Na noite do lançamento do livro (13 de novembro de 2006), Barrionuevo deu o seguinte autógrafo para José Fernandes, dono da empresa Pensant, acusado de ser um dos chefes da quadrilha que roubou o Detran:

“Prezado José Fernandes, meu bruxo: este livro e o Pacto não existiriam sem o teu apoio e as tuas luzes. Vamos juntos nesta caminhada. Viva a Pensant”.

O autógrafo de Busatto para Fernandes não foi menos entusiasmado:

“Caríssimo José Fernandes, o Pacto tem uma marca indelével da tua competência, sabedoria, compromisso público! Obrigado por tudo! Vamos continuar trabalhando juntos pelas boas causas!”.

Barrionuevo repudiou as acusações de Lair Ferst, que trabalhou na campanha de Yeda Crusius em 2006 como “captador de recursos”, conforme confirmou dias atrás o vice-governador Paulo Feijó. O hoje “consultor de imagem” afirmou:

“No final da campanha do segundo turno de Yeda Crusius (em outubro de 2006), quando atuei como consultor, chamei atenção para os problemas do senhor Lair Ferst. Um coordenador, braço direito da candidata, me pediu informações sobre o empresário, em decorrência de nota publicada na Página 10 (coluna do jornal Zero Hora) naqueles dias. Mandei a ficha policial, que dispensa comentários. Soube que, a partir do meu relatório, foi solicitado que Lair não freqüentasse mais o comitê. Desconfio que atrapalhei seus planos”.

As afirmações de Barrionuevo comprometem a governadora Yeda Crusius que considera Lair Ferst um “companheiro” e “militante” do PSDB. Se ela teve acesso à “ficha policial” de Ferst durante a campanha, como permitiu que ele trabalhasse como captador de recursos para sua campanha? O ex-vice-governador do RS, Antonio Hohlfeldt (ex-PSDB, hoje no PMDB) também se referiu a Ferst de maneira nada elogiosa, dizendo que conhecia sua reputação e, por isso, jamais permitiu que ele entrasse em sua sala.

Por outro lado, o relato que o lobista tucano fez à governadora guarda grande semelhança com o que a denúncia do Ministério Público Federal afirma sobre as conexões midiáticas da quadrilha que roubou o Detran. Apesar de todas essas informações, a mídia gaúcha decidiu silenciar sobre o tema. Acusados, de forma generalizada, de ter recebido verbas publicitárias de integrantes da quadrilha, os jornais do Estado não publicam uma linha sequer sobre esse assunto espinhoso.

Neutralidade da rede em debate nos EUA

Um crescente movimento em prol da "neutralidade da Rede" — fator chave para preservar uma Internet livre e aberta — deu um passo significativo, no dia 13 de fevereiro, quando o representante democrata de Massachussets, Edward Markey, apresentou na Câmara de Representantes um projeto de lei destinado a impedir que os provedores de serviços de Internet de banda larga possam retardar o tráfego da Internet ou cobrar tarifas adicionais aos provedores de conteúdo para diferenciar a velocidade de acesso aos websites. O representante republicano Chip Pickering, do Missouri, é co-patrocinador do projeto de lei.

O "Internet Freedom Preservation Act" (projeto de lei de preservação da liberdade da Internet) seria uma emenda à Lei de Comunicações de 1934, que define o marco jurídico das telecomunicações norte-americanas. Segundo o resumo do projeto de lei: "O Internet Freedom Preservation Act tem como propósito avaliar e promover a liberdade da Internet para os consumidores e os provedores de conteúdos. A liberdade da Internet abrange, de modo geral, a noção de que os consumidores e os provedores de conteúdo deveriam ter a liberdade de enviar, receber, ter acesso e usar as aplicações legais, conteúdos, e serviços que eles escolham nas redes de banda larga… e que os produtores de conteúdo não tenham que pagar tarifas adicionais nem discriminatórias aos provedores de acesso de banda larga. Estes princípios gerais também são freqüentemente conhecidos como ' neutralidade da rede'".

O projeto de lei também dispõe que a Comissão Federal de Comunicações —FCC na sua sigla em inglês— convoque pelo menos oito "cúpulas de banda larga" em todo o país. Timothy Karr, de Free Press, comenta: "Este projeto de lei leva o tema para fora de Washington —e longe das influências corruptoras do lobby das telecomunicações— e permite envolver comunidades do país que desejam usufruir das enormes vantagens econômicas e sociais de uma Internet aberta".

A neutralidade da Rede remete ao princípio de que todo o tráfego da Internet deve ser tratado com igualdade, descartando que os provedores de Internet possam interferir ou discriminar o tráfego na Web por critérios como origem, destinatário, conteúdo ou propriedade. O movimento pela neutralidade da Rede é liderado pela coalizão Save the Internet (Salvar a Internet), coordenada pelo grupo de direitos midiáticos Free Press. Save the Internet argumenta que "com a neutralidade da internet, a única função da rede é movimentar dados e não escolher quais dados são privilegiados com um serviço de mais alta qualidade".

As grandes empresas de cabo e telecomunicações querem se transformar em guardiãs que gravam com um “imposto” os provedores de conteúdos (por exemplo, websites, ou seu blog) para garantir uma conexão rápida para seus dados. Também querem acelerar o acesso dos seus próprios websites e atrasar o acesso de seus concorrentes. De acordo com Save the Internet, elas têm um novo enfoque sobre a auto-estrada da informação: "desejam reservar as vias rápidas para seus próprios conteúdos e serviços —ou para as grandes corporações, que podem se permitir o luxo de pagar os caros pedágios— deixando o resto de nós em um precário caminho de pedras".

Save the Internet é uma coalizão composta por uma surpreendente gama de organizações e setores, que vão desde o ACLU (União Americana de Liberdades Civis) até a Coalizão Cristã —profundamente conservadora; desde sindicatos como SEIU e Teamsters até associações de jogadores na Internet. A coalizão também incorpora grupos progressistas —feministas, ambientalistas e grupos de direitos civis ou de educação.

O trabalho organizativo de Save the Internet e de outros grupos de consumidores conseguiu, inclusive, introduzir o tema da neutralidade da Rede na campanha presidencial. A maioria dos democratas apóia a proposta e a maioria dos republicanos opõe-se a qualquer nova "regulamentação governamental", como gostam de chamá-la. Barack Obama é quem mais claramente apóia a neutralidade da Rede e já ofereceu dar ao tema uma alta prioridade em sua administração.

Os grandes grupos empresariais que se opõem à neutralidade da Rede argumentam que Save the Internet e outros tentam "regulamentar" a Internet. Os defensores respondem que são as empresas como Comcast e outras gigantes da banda larga que estão tentando controlar a Internet e que tentam operar uma reengenharia da atual “arquitetura aberta” da Internet, para transformar este meio em um feudo privado de acesso rápido. Segundo Save the Internet, "apesar de todo o seu discurso sobre a “desregulamentação”, os gigantes do cabo e das telecomunicações não desejam uma concorrência real. Desejam regras especiais escritas a seu favor".

Um sistema escalonado não é nenhuma eventualidade longínqua. O Washington Post aponta: "William L. Smith, chefe de tecnologia da BellSouth Corp., com sede em Atlanta, disse a jornalistas e analistas que um provedor de serviços de Internet, tal como sua empresa, deveria poder, por exemplo, cobrar mais do Yahoo Inc. pela oportunidade de que seu website de buscas seja carregado mais rapidamente que o do Google Inc." Mais do que isso, dado que grande parte do tráfego mundial da Internet passa pelos EUA, os consumidores de todo o mundo também sofreriam as conseqüências de um sistema escalonado.

Para lutar contra a neutralidade da Rede, as empresas de cabo e telecomunicações vêm investindo milhões de dólares em esforços de lobby no Congresso e, inclusive, criaram e financiaram organizações "Astroturf" (ou seja, grupos de "base" artificiais, financiados por grupos industriais), como Hands Off the Internet (Mãos Fora da Internet) e NetCompetition.org. Scott Cleland, representante deste último e consultor em telecomunicações, apresentou recentemente o estranho argumento de que os defensores da neutralidade da Rede são "antipropriedade": "Todo o mundo se vangloria da palavra 'aberto'; dizem que o que é aberto é maravilhoso. Mas 'aberto' significa comunitário. Significa sem proprietários". Cleland não explicou por que as grandes empresas de cabo e telecomunicações deveriam ter um controle exclusivo sobre uma propriedade que durante muito tempo esteve em mãos de pessoas, no mundo todo.

Uma Internet de “velocidade paga” teria um impacto particularmente negativo para as organizações políticas de base, muitas das quais aproveitam a Internet para difundir suas mensagens. Segundo Save the Internet, “aumentarão rapidamente os custos para colocar e compartilhar vídeos e clips de áudio; seriam silenciados os bloggers e cresceriam as grandes empresas midiáticas. As atividades de organização política poderiam ser dilatadas, devido ao punhado de provedores dominantes de Internet que pedem aos grupos promotores dos candidatos o pagamento de uma tarifa para utilizar a 'via rápida'".

Outra notícia relacionada, é que os defensores dos consumidores já arquivaram queixas contra Comcast, diante da FCC, alegando que este gigante da banda larga provoca atrasos ou bloqueia certos tipos de conteúdo, como a troca de arquivos "peer-to-peer" (entre pares). Em seus comentários à FCC, na terça-feira passada (12), Comcast argumenta que o manejo do tráfego da rede exige certas ações razoáveis, para garantir que os usuários de programas de troca de arquivos, como BitTorrent, não retardem o acesso de outros usuários. As políticas da FCC apóiam a neutralidade da Rede, mas este será o primeiro caso que ponha a prova sua atuação na matéria. Sendo que a maioria dos votos na FCC está em mãos de republicanos designados por Bush, este caso estará na mira, tanto dos partidários, quanto dos opositores da neutralidade da Rede.

Em conjunto, a lei proposta e a queixa apresentada à FCC são um indicador de que o movimento pela neutralidade da Rede tomou a ofensiva. Mas para que ele tenha sucesso, todos aqueles nos beneficiamos de uma Internet livre precisamos estar unidos e fazer ouvir nossas vozes. 

* Daniel Denvir é jornalista norte-americano e colaborador de ALAI

* Para mais informação: http://savetheinternet.com/=act 

 

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores

TV Pública e TV Mercantil

A polarização imposta pelo neoliberalismo – estatal x privado – como acontece com quem reparte, fica com a melhor parte – a esfera privada –, mas para isso tem que fazer desaparecer o essencial – a esfera pública. A primeira armadilha montada pelo neoliberalismo é a camuflagem do verdadeiro sentido da esfera de que eles promovem a hegemonia : a esfera mercantil. Afinal de contas, esse é o objetivo das suas políticas: transformar tudo em mercadoria – direitos, água, empresas, informação. Privatizar é submeter ao mercado, mercantilizar.

Por outro lado, o pólo oposto ao mercantil não é o estatal. O Estado pode ser dominado por interesses mercantis – como costuma acontecer – ou representar interesses públicos. Portanto, a esfera estatal, em si mesma, não tem uma determinação precisa. O que se contrapõe à esfera mercantil é a esfera pública, aquela que, ao contrario da mercantil, expressa os interesses gerais, enquanto a mercantil reflete sempre interesses particulares – de empresas, de indivíduos, de capitais. Os maiores embates contemporâneos ocorrem entre a esfera mercantil e a esfera pública. Quanto à esfera estatal permanece espaço de disputa entre as duas.

Quando tratamos de mídia – e, no caso específico do Brasil, hoje – de TV, a mesma polarização se reproduz, sob formas específicas. Um dos pólos foi ocupado pela TV mercantil, que se orienta por critérios comerciais, suportada pelas agências de publicidade – intermediárias do seu financiamento pelas empresas privadas – e voltada para a conquista de audiência – suporte da publicidade. Esta tv se dirige aos consumidores que, em grande parte, ela mesma produz. É formada por empresas que visam o lucro, que se financiam através da publicidade. São empresas que competem entre si em busca de mais espectadores, mais publicidade, mais lucros.

No outro pólo está a mídia pública – neste caso, a TV pública – que se apóia na esfera estatal, que lhe dá o suporte fundamental, procura defender os interesses gerais da maioria, especialmente aqueles que não estão no cerne da mídia mercantil. Sua audiência é dada pela grande maioria que não é visada pelos critérios comerciais da mídia. São espectadores interpelados – e, de certa forma, constituídos – como cidadãos e não como consumidores.

Hoje, uma TV pública precisa lutar contra o pensamento único da mídia mercantil, monocórdia, repetitiva, cinzenta, mera reprodutora das pautas da imprensa produzidas nos grandes centros da globalização. Cada jornal parece repetir os demais e cada articulista quase se limita a oferecer uma nova versão aos editoriais do mesmo jornal. As grandes idéias, os grandes debates, os grandes temas contemporâneos não estão nessa mídia ou só aparecem para serem desqualificados. É uma mídia antidemocrática, propriedade de algumas famílias, cuja direção não é eleita, mas herdada por critérios de transmissão familiar, da qual os jornalistas são assalariados, contratados e descontratados segundo as decisões de uma direção que se sucede de geração a geração.

É uma mídia antidemocrática porque se dirige ao seleto grupo da alta esfera do mercado, aos assinantes e leitores de grande poder aquisitivo, que as agências de publicidade querem atingir. Seus temas são aqueles da agenda desta elite. O tema principal é o da suposta carga excessiva dos impostos. Setores que não usam educação pública, nem saúde pública, nem segurança pública, nem transporte público, são os que preferem pagar menos impostos para poder gastar mais nos serviços privados, para ampliar seu consumo conspícuo e crescentemente escandaloso, para suas viagens ao exterior, etc. Desprovidos de qualquer sentimento de solidariedade social com as grandes maiorias – no pais mais injusto do mundo – , pouco lhes importa que uma parte da carga fiscal esteja destinada às despesas sociais

A mídia mercantil, ou seja, fundada no mercado, demoniza o Estado e, com ele, as despesas através das quais o Estado atende, ou deveria atender – e o mercado, certamente não atende, não quer e nem poderia atender – às muitas dezenas de milhões de pessoas que precisam da educação pública, da saúde pública, de saneamento básico, de transporte público, de cultura pública. Em suma, a mídia mercantil privilegia os consumidores e o seu poder de compra. A mídia pública precisa privilegiar os cidadãos e seus direitos.

Para isso, ela necessita quebrar a visão totalitária que desqualifica o Estado em função do mercado, cujos interesses representa. Precisa produzir um outro discurso segundo o qual não cabe ao Estado subsidiar o grande capital privado – que já goza de tantos privilégios -, mas universalizar direitos. Um discurso que privilegia a democratização da sociedade e não incentivar o mercado, que só concentra renda e patrimônio. A TV pública precisa ser o instrumento intransigente da democratização da sociedade e do Estado brasileiro. E só há um caminho: conseguir quebrar o reinado do pensamento único na mídia mercantil brasileira.

É necessário enfatizar as diferenças existentes entre a TV pública e a TV estatal. Em primeiro lugar, é preciso dizer que um governo, eleito e reeleito pela maioria dos brasileiros, tem a necessidade e a obrigação de se dirigir constantemente aos cidadãos, para informar suas políticas, explicá-las, debatê-las. Mais do que qualquer pesquisa de audiência – esta que a mídia mercantil utiliza para manter privilégios da publicidade governamental -, a mais ampla e democrática pesquisa é aquela das próprias eleições e elas deram ao governo um mandato pelo qual está obrigado a responder cotidianamente diante da cidadania. Portanto, não é crime, mas sua obrigação utilizar todos os espaços possíveis para informar, explicar e debater com os cidadãos. Aliás, a mídia mercantil se comporta como se fosse sua propriedade um espaço que, de fato, é concessão do Estado.

Por outro lado, mais do que se diferenciar de uma TV estatal, a TV pública precisa se distinguir das TVs mercantis. Elas estão submetidas a lógicas diferentes, e até contraditoras, Graças a esta diferença substantiva, seus horizontes são diversos: uma visa o lucro e, a outra, quer a democracia.

TV Brasil deve ser expressão de política pública de comunicação

Salvador – A TV pública, veículo que, por definição, tem o papel de servir ao interesse público de forma independente dos projetos econômicos e políticos do mercado e dos governos, é uma velha conhecida dos telespectadores europeus. Tem desempenhado uma função extremamente relevante no universo midiático de países como Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Portugal, Holanda e outros, mas no Brasil o conceito é uma novidade que está lutando para fincar raízes entre produtores de conteúdo, telespectadores e políticos.

Alguns questionamentos mais comuns acerca da TV Brasil, o projeto nacional de TV pública em implantação, tocam em pontos delicados, como o grau de interferência (ou atrelamento) do Governo na sua gestão política e no seu conteúdo, a capacidade de responder ao desafio de produzir material de qualidade que atenda as expectativas de um público acostumado ao padrão dos canais privados, a capacidade de levar o sinal a todas as regiões do país sem exceção, entre outros.

Um dos temas centrais do Fórum Nacional Mídia, Poder e Democracia, evento que ocorre em Salvador até este dia 14 e que reúne renomados especialistas brasileiros e internacionais em comunicação, o projeto brasileiro de TV pública foi abordado em todos os seus aspectos tanto por profissionais que estão na dianteira do processo, como a jornalista Tereza Cruvinel, indicada para dirigir o projeto, e Beth Carmona, atualmente à frente da fundação Roquette Pinto e da TVE/RJ, quanto especialistas no tema, como o professor Laurindo Leal Filho, da USP, e produtoresde conteúdo independente.

De acordo com Leal Filho, no Brasil, onde desde o início a TV foi privada (apesar de usufruir de concessões públicas), a principal dificuldade da população é entender o 'pra que uma TV pública, se o que a Globo produz é tão bom'. No país não há história nem acúmulo de conhecimento e discussão sobre este modelo de televisão, ao contrário da Europa, onde a radiodifusão nasceu pública na maioria dos casos, avalia o professor. Ou seja, é preciso difundir o conceito de comunicação televisiva como um serviço público prestado pelo Estado, nos moldes dos serviços de educação, saúde, transporte etc.

Para garantir que a gestão da TV pública tenha como foco exclusivo o interesse maior da população, sem interferência dos governos e das forças políticas que os ocupam, foram criados diversos modelos. Em países como Inglaterra, Suécia e Japão, por exemplo, os conselhos gestores do canal público são indicados pela sociedade a partir de critérios objetivos. Já na Alemanha e na Bélgica, os conselhos são compostos de representantes dos diversos partidos e organizações nacionais da sociedade civil, paragarantir a pluralidade e fomentar o debate das divergências.

No Brasil, segundo Tereza Cruvinel o conselho da TV pública será indicado pelo chefe de Estado, representante eleito do povo. O conselho curador será composto por 15 membros da sociedade civil, um representante dos funcionários e quatro representantes do governo. O objetivo central do projeto é romper o direcionamento e o estreitamento dos conteúdos da TV privada, formando uma rede com emissoras publicas e estatais nos estados 'a começar pela TVE/RJ, TVE/MA e TV Cultura/SP' para possibilitar a pluralidade e a regionalização da produção de conteúdo e dar espaço para os diversos setores da sociedade brasileira. Quanto à autonomia do TV Brasil, Cruvinel afirma que o governo manterá um programa próprio através da NBR.

Na mesma direção, Beth Carmona acredita que a TV Brasil terá um papelfundamental no processo de desenvolvimento e educação do país, e seu estilo e conteúdo deverão se desenvolver ao longo do tempo, adequando-se às demandas que surgirão do público. Segundo ela, apesar de não se pautar pelos índices de audiência, a qualidade de sua produção deverá prevera aceitação do público.

Redator-chefe de Veja perde ação contra Emir Sader e Carta Maior

Mário Sabino, Redator-chefe de Veja, perdeu em primeira instância a ação indenizatória por danos morais movida contra o professor Emir Sader e a Carta Maior, pela publicação de comentários sobre sua resenha do livro de memórias de FHC. Acusação recorre.

No dia 30 de março de 2006 o professor e nosso colaborador Emir Sader publicou nesta página comentário sobre a resenha do livro “A arte da política: a História que vivi”, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, feita pelo Redator-chefe de Veja, Mário Sabino.

A resenha, claramente laudatória do livro de FHC, ocupava páginas e páginas da revista. Em seu comentário (“O mundo pelo avesso: nem veja, nem leia”), o professor Emir Sader fez severas restrições ao livro, que faz uma defesa sempre acalorada ou calorosa de todo o ideário conservador, com críticas sempre ácidas, quando não cítricas, de qualquer pensamento à esquerda no espectro brasileiro, latino-americano e mundial.

Sentindo-se ofendido, o autor da resenha moveu processo de ação indenizatória por ofensas morais e à sua honra. Na justificativa, seus advogados, Lourival J. Santos e Alexandre Fidalgo, destacaram a seguinte passagem do artigo como particularmente ofensiva:

“Se você quiser saber dos vínculos sorrateiros de Veja com o ex-presidente, que deram – na única resenha na imprensa – capa do seu livro, apresentado por um escriba de plantão (…)”.

O autor da resenha considerou-se ofendido por considerar que o artigo do professor, além de usar a palavra “sorrateira”, considerava sua resenha “parcial” e “mentirosa”. Também sentiu-se ofendido pela expressão “escriba de plantão”, que o situaria como um “jornalista menor”. A indenização pedida era de 10 mil reais. O professor era apontado como réu e a Carta Maior como co-ré.

O interessante é que para valorizar o agravo e a indenização, a peça acusatória tecia vários elogios ao professor Emir e também à Carta Maior. O professor era considerado portador de um “nome ilustrado”, “profissional de destaque na atividade jornalística”, portador de “credibilidade”, e chamado de “competente formador de opinião”.

Já a Carta Maior era reconhecida como um “veículo de comunicação eletrônica de grande penetração”, tendo “matérias amplamente reproduzidas”.

Em sua sentença, o juiz Dimitrios Zarvos Varellis acolheu a tese da defesa, de “improcedência da ação”, não reconhecendo intenção de ofensa no artigo do professor à pessoa do Redator-chefe de Veja, ressaltando que “a única pessoa referida na matéria é a pessoa jurídica da revista antes mencionada e apenas esta, em tese, tem condições para questionar o texto da matéria jornalística”. Ao considerar a ação improcedente o juiz condenou o autor do processo ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, arbitrados em 2 mil reais.

Os acusadores recorreram da sentença em instância superior. De momento, Carta Maior agradece os elogios feitos pela acusação tanto à página quanto ao professor Emir que, de fato, é ilustre, é profissional competente e destacado, que honra qualquer publicação que o acolha.