Oito anos atrás, Maria Aparecida Barzaghi recebeu pela primeira vez uma proposta que se repetiria nos anos seguintes, de diferentes interessados. Na carta, deixada na portaria do Edifício Esther, no Jardim Paulistano, um bairro nobre de São Paulo, a operadora Claro pedia permissão para instalar no telhado do prédio – de 18 andares e hoje com 40 anos de construção – uma antena de telefonia móvel, ou estação radiobase (ERB), como os técnicos chamam as torres.
"Estranhei o pedido e fizemos uma assembleia geral com os condôminos para avaliar a proposta", conta Maria Aparecida, síndica do edifício. Depois de muita discussão – sobre os riscos das ondas eletromagnéticas à saúde dos moradores e a possibilidade de a antena abalar a estrutura do prédio -, a autorização foi concedida. Desde então, uma antena da Oi foi admitida, em 2007, e um pedido de outra operadora, feito há três meses, está em fase de avaliação.
O assédio das teles ao edifício de Maria Aparecida, uma pedagoga aposentada de 68 anos, mostra o quanto elas estão preocupadas em achar espaço para estabelecer suas antenas – seja em terrenos desocupados ou no alto dos prédios.
Para as operadoras, trata-se de uma necessidade tanto comercial quanto técnica. A antena é necessária para captar as ondas eletromagnéticas do ar e transformá-las, com a ajuda de um dispositivo, em sinais para os celulares. Quando muita gente fala ao mesmo tempo em uma determinada região, a área de cobertura da antena diminui para dar conta da demanda. Se não houver outra antena com capacidade disponível por perto, o usuário pode simplesmente ficar sem sinal. É por isso que se tornou imperativo espalhar mais e mais torres nos grandes centros urbanos. Sem elas, é maior o risco de desagradar o cliente e, eventualmente, perdê-lo para a concorrência.
O problema é que cidades como São Paulo estão entupidas de antenas, o que faz com que as teles disputem a tapa os espaços disponíveis. Existem 4.040 equipamentos no município, de um total de 13.926 no Estado. E a situação só tende a piorar.
A quarta geração de telefonia móvel (4G), cujas frequências foram leiloadas na semana passada, vai permitir velocidades de transmissão de dados muito mais rápidas que as existentes atualmente, na terceira geração. A 4G promete conexões de até 100 megabits por segundo (Mbps), embora as operadoras não estimem em que prazo essa velocidade poderá ser atingida, enquanto a média atual entregue por elas é de 1 Mbps.
Essa rapidez implica um custo de infraestrutura. Com 4G, para que as ondas de rádio sejam transmitidas mais rapidamente, serão necessárias de três a cinco vezes mais antenas que na tecnologia atual, informou uma operadora ao Valor.
Dados da consultoria Teleco indicam que para cada faixa adquirida no leilão serão necessárias de 1,2 mil a 2 mil ERBs. É difícil fazer a conta de quantas novas torres serão necessárias. Há quem fale em 50 mil delas, mas o total pode ser maior. "Para dar conta de toda a demanda que a rede 4G seriam necessárias cerca de 250 mil antenas", afirmou Lourenço Coelho, diretor de estratégia da Ericsson, uma das fabricantes de estações radiobase.
Há mais de 240 diferentes tipos de legislações nos municípios brasileiros, o que dificulta instalação
É um custo alto, mesmo para as operadoras de telecomunicações, acostumadas a gastar bastante com infraestrutura. O custo médio para instalação de uma única antena, segundo profissionais do setor, varia de R$ 300 mil a R$ 500 mil. Nesse caso, o investimento poderia variar de R$ 7,5 bilhões a R$ 12,5 bilhões.
O que surpreende é que, apesar da ocupação ostensiva dos espaços pelas teles, o número de torres no Brasil é relativamente pequeno frente ao de outros países. Segundo estimativas do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e Serviço Móvel (SindiTelebrasil), há aproximadamente 53 mil antenas em funcionamento no país, o mesmo número da Itália, que tem um território muito menor.
Para muitos condomínios, alugar espaço tornou-se uma importante complementação de receita. O edifício Esther recebe R$ 6,2 mil mensais da Claro. O mesmo valor é pago pela Oi. Com a receita extra que recebe há oito anos, o condomínio já renovou fachada, estrutura interna, pilares e garagem. "E ainda estamos todo esse tempo sem aumentar o condomínio", contou a síndica. O orçamento pode engordar ainda mais se o prédio aceitar o pedido da terceira operadora, cujo nome não é revelado porque o contrato não está fechado. "Eles propuseram R$ 7 mil", disse Maria Aparecida.
Convencer condomínios, porém, não é nada perto do trabalho que dá para obter aprovação das prefeituras, reclamam as operadoras. O problema principal é a diversidade das leis municipais que regem a instalação das antenas. Entre os 5.566 municípios brasileiros – dos quais 2.856 têm cobertura em banda larga 3G – há cerca de 240 legislações diferentes sobre a colocação das ERBs.
Um dos pontos polêmicos é a distância que as antenas devem guardar de grandes concentrações de habitantes. Em São Paulo, a distância mínima permitida entre a base de sustentação da antena e os imóveis vizinhos é de 15 metros. Já em Piracicaba, no interior do Estado, essa distância aumenta para 100 metros.
Além da distância, há uma profusão de outras regras. A lei vigente em Curitiba especifica em quais áreas da cidade é permitido instalar o equipamento. Em Campinas (SP), é preciso obter uma autorização escrita de 60% dos donos de imóveis situados em um raio de 200 metros da antena.
A quem cabe o papel de regular o tema é uma questão polêmica. "Os municípios têm ultrapassado os limites de suas competências, e legislando sobre uma questão da União, que é o serviço de telecomunicações", avaliou o advogado Aldo de Paula Junior, do escritório Azevedo Sette.
As prefeituras dizem que é papel das autoridades municipais definir limites. A Prefeitura do Rio de Janeiro estuda propor uma lei que obrigue as operadoras não só a instalar novas ERBs sem prejudicar a paisagem, como a reformar as antigas. "O principal ativo do Rio é a paisagem urbana. Essas antenas sujam a paisagem e são colocadas indiscriminadamente", disse o secretário municipal de conservação e serviços públicos do Rio de Janeiro, Carlos Roberto Osorio.
A burocracia, segundo as teles, é outro entrave. Em um município na região Norte, a Nokia Siemens precisou submeter o projeto de instalação de ERBs a 36 órgãos públicos diferentes, disse Wilson Cardoso, diretor de tecnologia da informação da companhia. Esse tipo de procedimento, afirmou o executivo, costuma responder por 50% do custo do projeto.
Segundo Eduardo Levy, diretor-executivo do SindiTelebrasil, as licenças demoram, em média, oito meses para sair. "Nesse período, as empresas já poderiam ter instalado 40% a mais de antenas". Do ponto de vista técnico, é possível instalar uma ERB completa em uma semana, disse o executivo.
Para contornar as dificuldades, muitas instalações acabam simplesmente fugindo às regras. As operadoras não gostam de falar sobre isso, mas o cálculo é de que 90% das antenas instaladas no país estão, de alguma forma, em situação irregular, segundo um executivo do setor, que preferiu não se identificar. Em maio, a prefeitura paulista retirou mais de 2 mil antenas irregulares. Procurada, a prefeitura não se pronunciou.