Resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), publicada na terça-feira (29), mudará a publicidade de produtos com grande quantidade de açúcar, gordura saturada ou trans e sódio, e bebidas com baixo valor nutricional. Em até 180 dias, as peças publicitárias de produtos desse tipo deverão trazer a informação de que contêm "quantidades excessivas" destas substâncias e informar a população de seus prováveis riscos à saúde. Para justificar a decisão, a Anvisa afirma que a resolução visa coibir "práticas excessivas que levem o público, em especial o público infantil, a padrões de consumo incompatíveis com a saúde e que violem seu direito à alimentação adequada".
Apesar da inclusão de informações reveladoras nas propagandas serem um avanço para tratar do problema de saúde pública que é a obesidade, o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU) é menos restritivo que a proposta inicial, por deixar de fora algumas questões, como a publicidade direcionada ao público infantil, e a questão de amostras grátis e outros tipos de promoções. Segundo Tamara Gonçalves, advogada do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, o texto anterior tratava melhor da questão infantil, e esse não tem artigos específicos. “A versão anterior tratava a questão de publicidade infantil, sem no entanto proibir. Esse texto publicado agora é bem mais simples: autoriza a publicidade desde que siga a mesma norma de adultos”, exemplifica.
Para Tamara, a nova norma é insuficiente em relação a este tema, porque a publicidade não deveria ser direcionada a crianças. “apesar da resolução ser benéfica, não previne esse problema da obesidade”, disse. Além disso, a advogada lembra que a resolução da Anvisa não atende a manifestação de diversas entidades, que tinham aprovado o texto anterior em consulta pública.
A resolução dessa semana é consequência da Consulta Pública nº 71 de 2006, que pedia a participação da sociedade na elaboração de Regulamento Técnico relativo à publicidade de produtos ricos em açúcar, gorduras e sal, associados a altas taxas de obesidade. Após a etapa de contribuições, foi realizada uma audiência pública e consolidada uma versão do documento em novembro de 2009. Da audiência, participaram representantes de empresas, Estado e sociedade civil.
Porém, em março daquele ano, em uma reunião, a diretoria da Anvisa apresentou uma nova proposta de resolução a ser publicada. Segundo informações contidas no site do projeto Criança e Consumo, haviam sido excluídos os títulos II e III ("Requisitos para propaganda, publicidade ou promoção destinada às crianças" e "Requisitos para distribuição de amostras grátis, cupons de desconto, patrocínio e outras atividades promocionais", respectivamente), presentes na versão original e na versão apresentada na Audiência Pública de 2009. [Todo o processo jurídico e documentos estão disponíveis no site do Projeto Criança e Consumo]
Reações
A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), lamentou a resolução em nota oficial, e informou que recorrerá à Justiça. Para a associação, a medida apresenta impropriedades constitucionais e técnicas. O argumento mais utilizado é o que questiona a autoridade do órgão para definir regras para publicidades. A Abia afirma que os alimentos ricos em açúcar, gorduras e sódio não fazem parte da lista de produtos que, definida pela Constituição Federal, devem ter advertência. A lista inclui alimentos e bebidas alcoólicas, medicamentos, agrotóxicos e tabaco.
Além disso, a associação considera as novas regras ineficazes, “pois não irão inibir o consumo excessivo de alimentos que tragam riscos à saúde”, sendo “muito mais reflexo dos hábitos alimentares da população do que da composição dos produtos industrializados”. E embora a resolução atual tenha assimilado diversas demandas da indústria da alimentação e da propaganda, ao fim da nota, a Abia assume um tom de ameaça: “Com esse ato inócuo e unilateral, a Anvisa compromete, em certa medida, o diálogo estabelecido entre o setor de alimentos e o governo para a busca de ações conjuntas em prol do consumidor e da sociedade.”
“Inconstitucional é toda norma jurídica que esteja em desconforme com a Constituição, mas dependendo de com quais óculos se olhe para uma norma, sempre pode ou não ser inconstitucional”, afirmou Tamara, que já previa a reação da indústria e das representações do setor de publicidade. O Alana acredita que a Anvisa tem competência para regrar a publicidade, uma vez que a resolução gera impactos na saúde pública, especialmente sobre crianças. “Foi aprovado na Organização Mundial de Saúde que os Estados passem a aprovar regulação de alimentos, então a resolução estaria de acordo com as diretrizes internacionais”, lembra.
Outro argumento que pode ser utilizado, acredita a advogada, é a de que a publicidade é uma forma de manifestação de pensamento, e a restrição a ela, é também à liberdade de expressão. “Mas um ato comercial não é uma livre manifestação do pensamento. Publicidade tem esse intuito de venda, de serviço, e por isso está tratada em outro capitulo da Constituição.”