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Mulheres querem instrumentos de controle social da mídia

Já é conhecido pelas mulheres o histórico de exclusão, sub-representação e violação de direitos pela mídia, bem como a contribuição disso para a perpetuação das opressões de gênero. Da constatação agora elas passaram à ação, com a união de organizações da sociedade civil, movimentos e lideranças feministas para dar início a uma série de iniciativas de controle público da mídia.

Importante passo para isso foi a realização no dia 6 do Seminário a Imagem da Mulher na Mídia, ocorrido na sede nacional da CUT em São Paulo. O seminário reuniu cerca de 80 lideranças feministas para discutir a representação da mulher na mídia e as possibilidades de ação de controle público da comunicação. No evento, as organizações feministas lembraram que, para além das iniciativas pontuais de questionamento sobre o conteúdo sexista veiculado em emissoras, é preciso debater de maneira mais profunda mudanças no sistema de comunicação brasileiro.

"Precisamos discutir as violações dos nossos direitos na mídia, mas também a TV pública que está sendo criada no Brasil, as concessões públicas e participar do processo de construção de uma conferência nacional de comunicações", resumiu Rachel Moreno, do Observatório da Mulher. Para isso, acrescenta, é fundamental que as entidades feministas pensem possíveis sinergias com aquelas organizações envolvidas na luta pelo direito à comunicação. A representante do Observatório da Mulher apresentou às presentes o caótico quadro sobre representação na mulher na mídia e os motivos pelos quais elas precisam intervir neste cenário.

A importância da discussão foi destacada pelo presidente nacional da CUT, Artur Henrique dos Santos.  "É louvável esta iniciativa, pois mostra a necessidade de mudarmos esta situação. Caso contrário, a mídia seguirá contribuindo para a perpetuação do quadro histórico de opressão das mulheres".

No encontro, as lideranças feministas e as presentes cobraram de representantes da Secretaria de Comunicação Social e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres mecanismos e políticas que permitam às mulheres intervir nesta realidade. A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir), também se comprometeu, como integrante do governo e representante de uma das classes mais vitimizadas pelo preconceito na televisão – a mulher negra -, a encaminhar o debate junto ao governo Lula.

"É preciso extrapolar a idéia de liberdade de expressão e direito à informação e exigir o direito à comunicação das mulheres. O direito de ter voz e espaço e de não ser julgada pelos meios de comunicação e além disso, o direito de fazer comunicação e de participar de espaços de tomada de decisão política das comunicações, que é central para a mudança de modelo", afirma Michelle Prazeres, integrante do Intervozes.

Rosane Bertotti, secretária de Comunicação da CUT, afirmou que é preciso sair da inércia diante deste quadro. "Não podemos mais deixar as concessões ficarem nas mãos de políticos, não podemos deixar o processo de renovação ser feito de forma tão pouco transparente, não podemos deixar a comunicação sem uma conferência e não podemos deixar que a TV pública seja gerida por um conselho de notáveis. As mulheres trabalhadoras não são notáveis e certamente não estarão neste conselho", ironizou.

"A sociedade civil precisa reivindicar a participação neste espaços, pressionar o governo, exigir desde já que sejam levadas em conta todas estas questões no debate da gestão e programação da TV Pública. Do contrário, será preterida", afirmou o professor da USP, Laurindo Leal Filho, o Lalo, que esteve presente no seminário como representante do Grupo de Trabalho da Secretaria de Comunicação Social que está analisando as possibilidades de gestão, financiamento e formação de rede para a TV pública.

Ao final do seminário, as mulheres presentes discutiram a inserção do tema da comunicação na Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que será realizada este mês em Brasília. Outro resultado do encontro foi a ampliação da Articulação Mulher e Mídia, promotora do evento e iniciativa que pretende dar continuidade às ações debatidas na atividade.

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Ação do MPF defende mais democracia na radiodifusão

A centralização e concentração de propriedade dos meios de comunicação de massa é o centro problemático da gestão do espectro radioelétrico, resultado de políticas de comunicação que datam do início do século XX. Após o naufrágio do Titanic, em 1912, licenças para o tráfego nas ondas eletromagnéticas tornaram-se necessárias e foi no mesmo ano, nos Estados Unidos, que foi aprovado o U.S. Radio Act. O início da história da regulação da radiodifusão mostra como o espectro tem sido considerado um bem escasso, com regras que determinam que haja lugar apenas para alguns.

Tratando-se de um bem público, cabe ao Estado dizer então quem pode ou quem não pode falar. João Brant, co-autor do recém-lançado livro Comunicação Digital e a Construção dos Commons – Redes Virais, Espectro Aberto e as Novas Possibilidades de Regulação (Editora Fundação Perseu Abramo – veja mais sobre o livro aqui), afirma que não existem parâmetros técnicos para definir qual emissora de rádio ou tevê deve receber a concessão de um canal. “A decisão passa a ser necessariamente sustentada por critérios políticos e econômicos. Se pluralidade e diversidade de conteúdo são condições indispensáveis à realização da democracia, a política para uso do espectro é uma variável que interfere diretamente na democracia de cada país”, pontua.

A problemática da suposta escassez do espectro, no entanto, cai por água com a digitalização dos meios e com a convergência das tecnologias. Há espaço para todos. O que o movimento que defende o espectro aberto, ou seja, ondas compartilhadas e auto-reguláveis, questiona é como as políticas de administração do espectro deveriam se adaptar a esse novo cenário?

“O potencial democratizante possibilitado pela evolução tecnológica tem esbarrado em interesses comerciais. Os interesses privados buscam criar novos gargalos para manter a escassez. A implantação da tevê digital no Brasil deixa isso evidente. A possibilidade da ampliação do número de emissoras foi deixada de lado. Cada uma das velhas emissoras que já ocupam o espectro na transmissão analógica recebeu a consignação de um espaço que poderia abrigar o mais do mesmo e mais cinco emissoras dentro de cada canal da freqüência aberta”, explica João Brant.

Brant acrescenta ainda que, de fato, políticas públicas são feitas sob medida para um serviço específico: radiodifusão, telefonia fixa e móvel, TV a cabo, por exemplo, até hoje estão sujeitas a regulações diferentes, enquanto os meios fundem-se na tecnologia digital. “A convergência digital acentua essas contradições e já indica a perda de rentabilidade e de faturamento de velhos modelos de negócios”, destaca Sérgio Amadeu de Souza, também no livro Comunicação Digital e a Construção dos Commons.

Vôo Livre
Foram notícia na grande imprensa as “interferências” provocadas por sinais de rádios supostamente “clandestinas” que operam nas áreas próximas aos aeroportos do Brasil. A Anatel alega que esses transmissores, antenas e decodificadores de baixa freqüência que operam próximos das antenas dos controladores de vôos causam interferências no sistema operacional. As novas tecnologias, segundo os defensores do espectro aberto, poderiam resolver tais interferências e mais sinais decodificados trafegarem por um mesmo espaço.

Policiais Federais em conjunto com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ligada hoje aos interesses dos grandes radio difusores, encerraram as transmissões de mais 28 rádios sem licença para funcionar na região do Bairro Nova Pampulha, onde fica o aeroporto de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A ação, que faz parte da Operação Vôo Livre, recolheu todos os transmissores, receptores e equipamentos de som.

Em matéria publicada no jornal Estado de Minas, o gerente regional da Anatel, José Dias Coelho Neto, declarou que aproximadamente 100 emissoras clandestinas foram desativadas apenas neste ano na região metropolitana da capital mineira. Embora não dispusesse de dados oficiais, informou que as estimativas são que existam 800 rádios que ele denomina como “piratas” em funcionamento no estado. Outras ações continuam se espalhando pelo país.

Interesse Público em Ação
“A radiodifusão poderia ser o mais fantástico meio de comunicação imaginável na vida pública. Quer dizer: isto se não somente fosse capaz de emitir, como também de receber. Irrealizáveis na presente ordem social, porém realizáveis em outras, essas propostas, que são simplesmente a consequência natural do desenvolvimento técnico, constituem um instrumento para a propagação e formação de uma outra ordem social”, já apontava Enzensberger, em 1979, inspirado na Teoria do Rádio de Bertold Brecht, que denunciou já em 1932 que o uso da radiodifusão estava limitado tecnologicamente à ordem social vigente.

Adotar pluralidade e diversidade de conteúdo como objetivos de um sistema de comunicação significa assumir que este sistema deve estar a serviço do interesse público, considera Brant: “Sendo a comunicação muito mais do que uma atividade comercial, ela não pode ser sujeita apenas à regulação econômica. É no campo da comunicação, com base em seus objetivos sociais, culturais e políticos, que devem estar situados os principais objetivos da política para o espectro”.

Assim, o Ministério Público Federal, depois de dois anos de pesquisas, e cinco organizações da sociedade civil ingressaram no fim de maio, em São Paulo, com Ação Civil Pública pleiteando que a União e a Anatel permitam o funcionamento provisório das rádios comunitárias cujas associações aguardam há mais 18 meses a autorização de uso de uma faixa de freqüência. De acordo com os autores da ação, a iniciativa jurídica busca defender o direito à comunicação de milhares de associações comunitárias, negligenciado pela União.

O MPF, o Sindicato das entidades mantenedoras do sistema de radiodifusão comunitária do estado de São Paulo – SINERC, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC, e a Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias investigaram a situação do serviço de outorga de radiodifusão comunitária prestado pelo Ministério das Comunicações. Eles concluíram que tanto a União quanto a Anatel postergam, para muito além do prazo razoável exigido pela Lei, a apreciação dos pedidos de autorização de funcionamento dessas rádios. Apesar da ação se basear na situação paulista, o pedido reivindica que os efeitos se estendam a todo o país.

Conforme o processo, há mais de duas centenas de requerimentos aguardando há quase uma década a manifestação da União. O prazo médio de conclusão do processo administrativo é de 3,5 anos. No Estado de São Paulo, 145 municípios jamais foram contemplados com o Aviso de Habilitação, ato necessário ao início do processo de outorga. Em todo o Brasil, são mais de 3.300 Municípios sem uma única rádio comunitária.

O governo justifica a morosidade nos processos de aprovação das rádios comunitárias como ineficiência do estado em atender às demandas na Justiça. O procurador da República Sérgio Suiama avalia que o governo federal não pode alegar que não possui recursos humanos para fazer o trabalho de avaliação e expedição dos avisos de habilitação. “O papel do Estado não é justificar a não efetivação de um direito, mas garanti-lo. No momento em que se reconhece que a comunicação é um direito, afirma-se que é dever do Estado provê-lo e não é razoável que se espere de quatro a cinco anos para obter uma outorga”.

Para o procurador, a ação não pede uma multa ou punição à União, apenas propõe que, enquanto o Estado não toma uma decisão, as rádios funcionem de maneira provisória. Eduardo Ariente, um dos advogados das organizações parcerias do MPF na ação, defende que os direitos precisam ter concretude, ser úteis à população, "caso contrário eles de nada servem", afirma. "O direito à comunicação não pode ser compreendido como uma mera liberdade formal, mediante a qual somente quem possui dinheiro e influência perante os poderes oficiais pode prevalecer”, pontua o advogado.

Eficiência Repressiva
Outro aspecto levantado pela ação é que a ineficiência do serviço de autorização de funcionamento de rádios comunitárias contrasta com a eficiência com que é feita a repressão às rádios não autorizadas. Entre 2002 e 2006, 9.449 rádios de baixa potência (com freqüência inferior a 25 watts), foram fechadas por agentes da Anatel, em todo o Brasil. Somente no primeiro semestre de 2006, foram fechadas, em média, 10 rádios comunitárias por dia, totalizando 1.800 lacres de janeiro a junho deste ano. Emissoras cujo trabalho social é referência em todo o Brasil – como as rádios Laúza (BA), Novo Ar (RJ), Heliópolis (SP) e Alternativa (RN) – foram fechadas de forma arbitrária e truculenta, com suas lideranças sendo vítimas de perseguição política, materializada na forma de processos judiciais que criminalizam aqueles que se dispõem a exercer, na prática, o direito à comunicação.

Com a Ação Civil Pública, o Ministério Público Federal pretende estender os efeitos das decisões individuais do STJ a todas as associações comunitárias que formularam requerimento ao Ministério das Comunicações e que aguardam resposta há mais de 18 meses, garantindo o funcionamento das rádios até a conclusão definitiva dos respectivos processos administrativos. A elaboração da Ação não se restringiu aos MPF e aos demais autores da ação. Outras instituições que colaboraram com o processo, como a Amarc (Associação Mundial de Rádios Comunitárias) e a Oboré, além de alguns parlamentares paulistas, não assinaram o texto por especificidades legais exigidas nesse tipo de ação.

A ação é subscrita pelos procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama (PR-SP) e Fernando de Almeida Martins (PR-MG), ambos integrantes do GT de Comunicação Social do Ministério Público Federal. Para acessar o texto completo da Ação Civil Pública, clique aqui.

 

* Com informações da Assessoria do Ministério Público Federal e do Observatório do Direito à Comunicação.


 

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