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As lições de Pirituba para a observação da mídia

O deprimente episódio envolvendo o prefeito da maior cidade do país e um paulistano, na recente inauguração de um posto de saúde em Pirituba, constitui um exemplo emblemático do histórico comportamento autoritário e conservador de parte de nossa elite política. Apesar disso, a sua cobertura midiática revela um conjunto precioso de lições e permite observações importantes sobre a grande mídia, em particular, da televisão.

Numerosas análises já foram feitas sobre o episódio e sua cobertura pela mídia, inclusive neste Observatório. Mesmo assim gostaria de chamar a atenção para alguns pontos.

Primeiro, é interessante observar o leque de adjetivos que foi utilizado nas reportagens para identificar e qualificar o senhor Kaiser Celestino da Silva – o "vagabundo" – segundo os berros do prefeito Gilberto Kassab. Na mídia ele foi desde "um homem", "morador", "manifestante", "usuário da rede pública de saúde", "contribuinte", "cidadão" até "microempresário" e "empresário". Por que uma narrativa comum é tão difícil para a grande mídia quando ela se refere ao cidadão simples, isto é, a um anônimo membro da imensa maioria da população?

Em segundo lugar, em tempos de jornalismo editorializado e da partidarização com que boa parte da cobertura da política e dos políticos vem sendo feita, é curioso observar como não se estenderam ao PFL – partido do prefeito – as inevitáveis conotações negativas do episódio. Teria sido semelhante a esse o comportamento da grande mídia se o prefeito fosse filiado ao partido do presidente Lula?

Absurdo óbvio

A longa matéria de 2 minutos e 32 segundos do Jornal Nacional na noite do episódio de Pirituba (segunda-feira, 5/2) ilustra ainda um terceiro aspecto, totalmente distinto. Diz respeito às dificuldades metodológicas que são enfrentadas por aqueles que se arriscam a fazer a análise do conteúdo da televisão.

Como encontrar critérios e instrumentos adequados para a correta análise do telejornalismo, isto é, de textos + imagens?

A chamada da matéria no JN foi "Prefeito de São Paulo se descontrola durante inauguração de posto de saúde". O corpo da matéria mostrava a expulsão do senhor Kaiser da Silva do posto de saúde por um transtornado prefeito que gritava de dedo em riste "vagabundo, vagabundo", e que logo depois, incrivelmente, conseguia dizer ao repórter: "Não agredi ninguém fisicamente. Só pedi a ele que se retirasse".

A matéria repercutiu o episódio com representantes dos dois principais partidos da Câmara Municipal – PT e PSDB – e ouviu também um representante do PFL. Só faltou mencionar que o filho menor de Kaiser, de apenas 7 anos, estava com ele no local do incidente.

Ao final da matéria, o âncora Bonner leu a seguinte frase:

"A Secretaria de Negócios Jurídicos da prefeitura anunciou que vai estudar que medidas tomar contra o cidadão Kaiser Celestino da Silva".

Quem ler essa última frase sem ter visto as imagens do telejornal não poderá avaliar a indisfarçável ironia nela contida pelo absurdo óbvio da situação: a possibilidade de um cidadão comum agredido ser processado por seu poderoso agressor (autoridade política maior da cidade). Esse "sentido" (significado) da frase foi explicitado na entonação com que a leitura foi feita, na expressão facial e na posição corporal de Bonner.

Episódio lamentável

Como captar essa riqueza de significação que a imagem expressa e que uma simples frase escrita dificilmente teria?

Comentando o fato com um colega pesquisador ele sugeriu: "Faça o seu comentário e coloque um link para o JN. Quem ler a sua observação poderá verificar ele próprio o `sentido´ que o Bonner quis dar à frase". Não deixa de ser uma possibilidade nestes tempos de internet quando se pode acessar o portal da Globo e lá conferir as edições do Jornal Nacional.

Mas a questão metodológica é outra. Qual instrumento analítico permite captar o "sentido" da mensagem (imagem + texto) de tal forma que em situações semelhantes ele possa ser utilizado pelo pesquisador com o mesmo resultado e, dessa forma, informar "corretamente" a análise?

Além disso, existiria alguma garantia de que a leitura deste "sentido" seria a mesma para todos aqueles que vissem o telejornal? Pergunto e respondo: não. Não há qualquer garantia. As mensagens da televisão (imagens + textos), apesar de um "sentido" hegemônico, trazem sempre em si a possibilidade de leituras polissêmicas.

Como se vê, um episódio lamentável de todos os pontos de vista serve ao menos para que dele se tirem algumas lições preciosas e observações importantes.

Triste consolo.

 Sample Image

 

A imprensa, entre o iluminismo e o pós-modernismo

Faz pouca ou essencial diferença, para os destinos da imprensa tradicional, a colheita de bons indicadores anunciada recentemente pela Associação Mundial de Jornais, dando conta de que a circulação de diários impressos cresceu 9,95% no mundo entre 2001 e 2005, e, especificamente entre nós, o anúncio da Associação Nacional de Jornais, de que a circulação cresceu 6,5% no Brasil, em 2006.

A análise dos números, embora auspiciosa, não circunscreve todo o espectro da crise que, na primeira década da internet, provocou intensos terremotos no setor. O crescimento da circulação se deve a fatores pontuais, como o período de crescimento econômico estável sobre um painel de crises agudas e sucessivas nas áreas política, social e ambiental. Eventos de grande repercussão, amplificados pelos novos meios eletrônicos, ajudam a aumentar o interesse pela mídia em geral – o atentado, ou o escândalo, noticiado o dia inteiro na televisão, induz à busca da informação consolidada e da imagem estática impressa em papel.

Nesse período, em países como o Brasil, Índia, China, África do Sul, Rússia e antigos satélites soviéticos houve uma ampliação das classes médias, embora num padrão de renda um pouco inferior ao da década anterior. Essa classe emergente de antigos bolsões de pobreza passou a se interessar por algo mais do que a própria sobrevivência. E as informações que ajudam a consolidar seu novo status social, apesar de tudo, ainda são encontradas nos jornais diários.

Onde a coisa pega

Esses indicadores podem fazer pouca ou nenhuma diferença se, como parece estar acontecendo, a imprensa simplesmente partir para as comemorações mantendo as mesmas estratégias dos últimos anos. Essas estratégias, como regra geral, se limitam aos aspectos mercadológicos do produto jornal. Só muito raramente, por exemplo, os diários lançam mão de algo mais do que os fóruns online como atrativo complementar para preservar o interesse dos leitores. As ações de marketing são tímidas e conservadoras, comparando-se, por exemplo, com o que faz a indústria de entretenimento, para não sair do ambiente midiático.

Mas os mesmos indicadores podem se revelar cruciais para a geração de estratégias sustentáveis, capazes de oferecer suporte para uma retomada de posicionamento da imprensa na disputa pelo tempo e pelo interesse dos cidadãos. Em primeiro lugar, é preciso devolver às redações a importância que historicamente tiveram nos melhores momentos dos jornais. Sem investir em talentos, e mantendo as redações à beira do colapso, nenhum jornal terá fôlego no longo prazo para aproveitar a boa maré e nadar até a margem.

Há uma enorme variedade de oportunidades de melhoria em todos os campos da gestão das empresas de comunicação. E, de todos os sub-setores, o dos jornais é claramente aquele que mais carece de um choque de inovação.

Mas não é apenas na gestão que a coisa pega. A linguagem, o desenho, a relação com os meios eletrônicos, a captação da evolução de interesses e necessidades do leitor, o relacionamento institucional e a geração interna e externa de conhecimento são outros elementos essenciais nessa busca da sustentabilidade.

Mudar a visão

No entanto, creio que a mudança mais visceral e mais necessária está na alma dos jornais. Trata-se do desenvolvimento de uma visão de mundo mais abrangente, compatível com os tempos que vivemos e que se tornam cada vez mais claramente um período de rupturas.

Os jornais – a mídia em geral, mas os jornais mais evidentemente – estão emparedados entre duas visões de mundo obsoletas e incapazes de oferecer instrumentos para a interpretação adequada do mundo em que vivemos. Os jornais estão limitados, de um lado, pelo iluminismo, e de outro, pelo pós-modernismo.

De um lado, em geral nos níveis mais elevados de decisão, os jornais são dominados pelo espírito "iluminista" que, transposto do ambiente acadêmico, encontra na mídia a atmosfera de poder que conduz àquilo que alguns estudiosos chamam de "fundamentalismo racionalista". De outro lado, em geral nos domínios de repórteres, editores e críticos, predomina o viés pós-modernista, típica construção cultural que representa a mais pobre interpretação do mundo globalizado.

O "iluminismo" é que define a tentação manipuladora e reducionista da mídia. O pós-modernismo é a causa da evidente falta de compromisso com a História e com a responsabilidade social – no sentido do engajamento do indivíduo no complexo de relações com a diversidade cultural e política na qual está (mas nem sempre se sente) imerso.

Ambas as visões de mundo são conservadoras e inadequadas para uma interpretação aceitável do mundo em transição em que vivemos. Elas representam empecilhos para que os jornais, aproveitando o bom momento de mercado, venham a se consolidar como instituições relevantes e a se beneficiar, por longo prazo, da confiança da sociedade. Manifestações recentes de freqüentadores deste Observatório sugerem que muitas pessoas esperam da imprensa uma visão de mundo mais abrangente, mais desafiadora e inovadora.

Que falem os leitores.

O ensino do jornalismo na contramão da evolução da comunicação

Esta semana eu fiz uma exposição sobre a Web para professores de uma faculdade de jornalismo e no final um dos participantes saiu-se com uma observação surpreendente: "Poxa, nós estamos indo na contramão deste processo".

O desabafo é um reflexo da confusão que toma conta de muitos professores de jornalismo a partir do momento em que entram em contato mais direto e amplo com as mudanças de valores, rotinas e percepções que a internet está provocando no dia a dia da imprensa.

A ficha caiu apenas para um reduzido número de professores que já se deram conta que o jornalismo é, entre todas as áreas da comunicação, a que foi mais afetada pela avalancha de inovações tecnológicas e de informação, nos últimos 15 anos.

A grande maioria de nossas faculdades ainda encara a Web como uma espécie de moda passageira, quase um brinquedo sofisticado, e não como uma ferramenta de ampliação dos fluxos de informação. Ainda estão deslumbradas pelas novidades tecnológicas sem levar em conta que elas estão mudando radicalmente o ambiente de trabalho, as rotinas e normas da atividade jornalística.

É fácil perceber um nítido desconforto de muitos professores quando constatam que é cada vez maior o número de alunos que tem mais intimidade com a internet do que os responsáveis pela disciplina. Isto aumenta a distância entre alunos e professores, diminuindo enormemente a eficiência do ensino.

Há faculdades que ainda ensinam diagramação de jornais usando papel reticulado quando quase todos os jornais já usam programas como o PageMaker. Nota-se claramente que permanece forte entre os professores o apego à rotinas e processos tradicionais no jornalismo impresso.

Há muitas dúvidas sobre o ensino do jornalismo online. Será que as faculdades devem ensinar os alunos a usar softwares de edição, publicação e interatividade? Ou será que devem concentrar-se em questões teóricas sobre a comunicação na Web? O jornalismo online é uma disciplina isolada ou deve ser incorporado às demais? Qual o melhor estilo de aula para jornalismo online: aulas expositivas ou em laboratório? Qual o grau de liberdade que deve ser dado aos alunos no uso da Web em sala de aula?

Tudo indica que está se aproximando rapidamente o momento em que as escolas de jornalismo terão que rever seus métodos, disciplinas e ementas (conteúdo das aulas) para não correr o risco de formar profissionais para o desemprego.

Mas não é só isto que está em jogo. A universidade tem uma função experimental insubstituível na questão da comunicação online porque, nas atuais circunstâncias do país, é a única instituição capaz de pesquisar a interface humana e social das inovações tecnológicas, especialmente na área da informação.

Algumas poucas faculdades já se deram conta da mudança e estão adaptando a sua grade curricular aos novos tempos. Mas na maioria dos casos a atualização está emperrada porque o ritmo das mudanças é muito mais rápido que os processos burocráticos da academia.

Conversa com os leitores

O tema que acabei de abordar é altamente polêmico, o que é muito bom, porque no ensino do jornalismo online não há verdades estabelecidas e nem modelos a serem seguidos. Tudo indica que a melhor maneira de avançarmos nesta área é através da conversa, do debate, da troca de opiniões e da recombinação de idéias. Todas as opiniões são necessárias desde que focadas no tema. O Código está aberto para este debate porque vocês tem tanto direito quanto eu de ter dúvidas sobre a questão do ensino do jornalismo na era da internet.

Escolhido o padrão japonês e agora?

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