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Classificação Indicativa: desinformação também é censura

O debate acerca da classificação indicativa do Ministério da Justiça, informando a faixa etária recomendada para recepção de dados conteúdos culturais, poderia tornar-se uma importante oportunidade para a sociedade discutir seriamente os processos midiáticos. No entanto, mais uma vez a questão não tem sido apresentada pelos meios de comunicação em toda a sua complexidade, como um tema que envolve, no mínimo, dois lados, duas concepções de mundo. A Rede Globo vem se destacando na distorção dos fatos, apresentando-os, na essência, como censura, notadamente em espaços como o Fantástico e o Programa do Jô, o que confunde o telespectador e nada esclarece. 

Comparar censura e controle público da mídia (ínfimo, diga-se de passagem) é uma confusão proposital provocada pelas indústrias culturais, que, para isso, não têm poupado esforços em justapor fases históricas e motivações diferentes em uma mesma edição, comparando o momento atual, de plenitude democrática, com períodos de exceção, como o da longa ditadura militar brasileira, a qual, por sinal, teve o apoio da mídia hegemônica.  

O direito da sociedade, através do Estado, analisar e classificar o que vai assistir, visando a proteger especialmente a infância, tem como mote o interesse público. Esse procedimento em muito diverge de uma censura estabelecida para a perpetuação de uma elite no poder, tendo em vista interesses privados, como ocorreu no passado recente brasileiro ou via de regra acontece nas decisões corporativas (atuais e pretéritas). 

Por que autoridades e profissionais do Ministério da Justiça pouco têm sido procurados pela mídia para aprofundar o assunto? É de se ressaltar que a regra mais básica do jornalismo consiste em ouvir todas as partes, isto é, todos os lados envolvidos na história. As emissoras de televisão ocupam um grande papel na sociedade contemporânea, tanto na divulgação e apuração de problemas nacionais, quanto na educação e formação de valores sócio-culturais, constituindo a principal fonte de informação e sociabilidade para a maioria da população. Uma função de tamanho destaque social deve ser praticada com responsabilidade superior e nível de controle maior do que aquele fortemente exercido pelas famílias que dominam tais negócios. 

Visão única 

Quando um tema é abordado por um meio, provoca uma reflexão no telespectador, sendo aí que começa o problema central. Ao deparar com tais mensagens, o telespectador agrega apenas dados e informações de um lado da história, relacionando as informações veiculadas às suas próprias mediações, é claro, mas num jogo em que é determinante o posicionamento da emissora, que logicamente tem interesses próprios em disputa. Por isso, a necessidade de haver uma maior responsabilidade na informação noticiada, pois, embora não haja uma influência direta, certamente os elementos fornecidos pela mídia são decisivos para a formação da convicção do público, pois de outra forma este não tem acesso à realidade social. 

Desta forma, é equivocada a postura das grandes emissoras, em especial a Rede Globo, pois tratam a midiatização como assunto privado, sobre o qual caberia só a seus proprietários decidir o que veicular e aos sujeitos adultos, individualmente, o que assistir. A TV dita moda e comportamento, ao mesmo tempo em que destrói valores e cria estereótipos.  

O tema classificação indicativa é de tal grandeza que deveria receber um tratamento específico, uma abordagem séria em programas como Globo Repórter ou SBT Realidade. Ao contrário, tem prevalecido a desinformação. Se há censura, não é oficial, mas de muitas organizações midiáticas, que desinformam seu público ao reduzirem os fenômenos à sua própria visão, pelo menos naquilo que consideram prioritário e não abrem mão de editorializar.

 

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Imprensa discute o futuro, dez anos depois

O 60º congresso anual da Associação Mundial de Jornais (WAN, na sigla em inglês) terminou na quarta-feira (6/6), com um sabor de antiguidade: as recomendações sobre inovações estratégicas e gestão inovadora repetem, com mudanças sutis, tudo o que vem sendo dito nos encontros internacionais da mídia impressa há dez anos. Além disso, foi divulgado o resultado de uma pesquisa que "revela" um fato conhecido desde antes do estouro da "bolha" da internet – que a rede mundial de computadores se consolida como o principal meio de informação.

No sumário executivo do estudo intitulado "Moldando o futuro dos jornais", o capítulo dedicado à chamada mídia digital começa afirmando que, para os consumidores de informações, as novas tecnologias expandiram as opções dos meios tradicionais como publicações, rádio e televisão para uma ampla variedade de escolhas, como a internet, podcasts (que permitem a qualquer pessoa publicar áudio e vídeo na rede, atualizando constantemente o conteúdo), blogs, TV interativa, mensagens curtas de texto e multimídia pelo celular, pelo computador ou por telas outdoor internas, nos trens do metrô e nos elevadores, rádio digital e outros meios ainda em fase de experimentação.

O documento observa que o cenário da mídia mudou para sempre, lembrando que os jornais agora não competem apenas com outros jornais locais, o que também não é novidade há mais de dez anos. O estudo divulgado no encontro de 2007, na Cidade do Cabo, África do Sul, acrescenta ao que já se sabia que os jornais enfrentam não apenas seus concorrentes tradicionais, mas também outros protagonistas, como sites de empresas e de outras instituições, além de portais de internet locais e internacionais, como o Yahoo! e Google. Segundo o estudo realizado para a Associação Mundial de Jornais, a mídia tradicional está perdendo a luta pela atenção do leitor, agora acumulando funções de espectador, ouvinte e eventualmente autor.

Mais do mesmo

As conclusões do estudo sobre tendências da mídia digital indicam a conveniência de os jornais buscarem um posicionamento que lhes permita atender as múltiplas demandas do público, oferecendo seu conteúdo em distintos formatos, para acompanhar o leitor em suas diversas necessidades ou conveniências. O problema é que esse cenário já estava descrito na última década do século passado. Os jornais não se mexeram, e o espaço foi ocupado por concorrentes de outros setores.

Também foi discutida durante o encontro da Associação Mundial de Jornais a necessidade de estratégias inovadoras para enfrentar o longo período de perdas. No entanto, uma análise das recomendações sobre mudanças na gestão indicam que os jornais, em praticamente todo o mundo, estão somente agora despertando para ferramentas de gestão que são comuns em outros setores da economia que lidam com consumo massivo.

Como exemplo, o trabalho aponta o caso de um jornal americano que circula numa região cuja população é formada em 53% por hispânicos, e que descobriu que apenas 3% das fotos e das citações que publica se referem a indivíduos de origem hispânica. O estudo recomenda que, antes de expandir seu conteúdo para outros meios, os jornais procurem conhecer melhor seus públicos. Obviamente.

Ao contrário do tom apresentado pelos jornais que cobriram ou reproduziram relatos das agências de notícias sobre o encontro mundial de diretores da imprensa mundial, a perspectiva não é otimista. As análises são muito parecidas com o que resultava de conferências semelhantes, dez anos atrás.

Um levantamento realizado pela Harris Interactive, empresa de pesquisa e consultoria que acompanha há anos o mercado de mídia, em conjunto com a consultoria Innovation, afirma que as fontes de informações online vão superar as redes de televisão como mídia preferencial nos próximos cinco anos, e que os jornais podem recuperar posição se conseguirem integrar a distribuição online de informações como parte do que oferecem ao público.

No entanto, a maioria das inovações apresentadas durante a conferência se referia a redesenho, websites, jornalismo cívico, infográficos, suplementos e revistas temáticas. Ou seja, mais do mesmo que vem sendo feito há pelo menos uma década, sem resultados a comemorar.

Falta de tempo

Em termos de gestão editorial, especialidade da Innovation, as recomendações beiram a candura. Diz o estudo que os jornais devem "melhorar significativamente seu produto impresso tradicional aumentando a objetividade das coberturas, com reportagens e análises mais profundas e mais informações que sejam diretamente relevantes para a vida de seus leitores, desenho mais elaborado e mais `visual´ e texto mais envolvente".

A empresa de consultoria apenas não explica como fazer esse jornal dos sonhos com jornalistas mal pagos, submetidos a regimes insanos de trabalho, sem a mínima perspectiva de carreira e com investimentos ridículos em qualificação.

A consulta da Harris, feita a 8.749 adultos em sete países – Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Espanha, Austrália e Inglaterra – mostra que para 35% a 39% deles o noticiário de televisão em canais abertos ou a cabo é a fonte primária de informações, com um grande crescimento da preferência pelo noticiário online. Apenas na Espanha os jornais ainda têm competitividade.

Questionados sobre suas previsões para os próximos cinco anos, os entrevistados apresentaram a perspectiva de substituição da TV pela internet como fonte primária de informações, desenhando um cenário ainda mais desalentador para os jornais.

Mas há quem veja otimismo na realidade apontada pelo estudo. Douglas Griffen, que trabalha para a Harris e a Innovation, comentou que "apesar do declínio na circulação, os editores de jornais devem vislumbrar um desafio e uma oportunidade em estender suas marcas online". A mesma frase foi dita anos atrás pelo diretor-geral da Associação Mundial de Jornais, Thimoty Balding. Questionados por que não lêem jornais diariamente, cerca de 50% dos entrevistados afirmaram que não têm tempo e que essa função é substituída pela maior facilidade de acesso ao noticiário online.

Modelo oposto

Na interpretação do otimista Douglas Griffen, os editores e donos de jornais precisam aumentar a credibilidade da imprensa e associar a suas extensões online a importância que os leitores ainda dão aos jornais. No entanto, as recomendações que acompanham as conclusões do encontro parecem ir na contramão de seu apelo.

Mário Garcia, o designer que simbiliza a transformação da maioria dos jornais latino-americanos em clones do USA Today, resume o desafio dos jornais à velha toada que vem sendo seguida há duas décadas, e que tem afastado das redações os melhores redatores e os mais qualificados analistas. Para Garcia, "continuamos a lidar com um importante fator: tempo. Quantas coisas uma pessoa normal pode fazer durante o curso de 24 horas? Esse é o nosso desafio", acrescenta, claramente defendendo seu modelo de reportagens curtas, cheias de infográficos e com textos objetivos e sucintos.

Citado entre as personalidades da Conferência da Associação Mundial de Jornais, Garcia parece apontar para um modelo oposto ao que defende Griffen. Pretendendo projetar o futuro, os jornais dão a impressão de que estão presos num círculo do tempo.

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A luta renhida pela diversidade cultural na América Latina

Os problemas históricos de desigualdade e exclusão na América Latina refletem-se nos campos da comunicação e da cultura de modo semelhante e perverso: um pequeno número de megagrupos, quase sempre em alianças com conglomerados transnacionais, controla, de maneira oligopólica, expressiva parcela da produção e da circulação de dados, sons e imagens. Os titãs buscam rentabilidade a qualquer preço, beneficiando-se das desregulamentações neoliberais, das omissões deliberadas dos poderes públicos e dos desníveis tecnológicos entre países ricos e periféricos. Em função de seus interesses mercantis, boa parte da produção simbólica não leva na devida conta identidades, tradições e anseios socioculturais dos povos. O que prevalece, geralmente, são apelos convulsivos ao consumo, elevado à condição de instância máxima de organização societária. 

A ascensão do espanhol como segundo idioma da globalização, o atrativo de um continente com 560 milhões de habitantes, a carência por tecnologias avançadas e a ausência de legislações antioligopólicas têm levado conglomerados de infotelecomunicações – principalmente norte-americanos – a incrementarem seus negócios. Isso acontece por meio de aplicações diretas ou acordos e joint ventures com empresas e investidores locais.

Trata-se de uma das regiões mais rentáveis ao escoamento de bens e serviços multimídias. As projeções da consultoria Price Waterhouse Coopers para o quadriênio 2004-2008 indicam expansão de 6,3% nas receitas de informação e entretenimento. Não é casual que a taxa de expansão da publicidade latino-americana supere os índices dos produtos internos brutos da maioria dos países. Enquanto o PIB subiu, na média, 5,3% em 2006, os investimentos publicitários cresceram em torno de 8%.

Entendamos bem o cenário adverso com que nos deparamos. As corporações de mídia qualificam-se como atores de primeira linha no processo de reprodução do capital em dimensão planetária. Elas apóiam-se em tecnologias de ponta, poderio financeiro, know-how gerencial, influência política, capacidade industrial, suporte logístico e esquemas globais de distribuição. Do ponto de vista ideológico, fixam as premissas do discurso neoliberal, que transfere para o mercado a regulação das aspirações sociais ao mesmo tempo em que desqualifica ou neutraliza contestações ao status quo. A mídia, assim, atua tanto por adesão à globalização capitalista quanto por deter a capacidade única de interconectar o planeta, através de satélites e redes infoeletrônicas.

Lógicas comerciais

A concentração patrimonial e tecnoprodutiva é particularmente grave na América Latina, onde players internacionais (News Corporation, Viacom, Time Warner, Disney, Bertelsmann, Sony-Columbia) têm alianças estratégicas com grupos multimídias regionais, vários deles controlados por dinastias familiares. Com as desregulamentações e privatizações na década de 1990, dinamizou-se essa junção de atores nacionais – sobretudo do Brasil, da Argentina e do México – e internacionais. As diretrizes de regionalizalização traduzem-se em coleções de joint ventures, aquisições, fusões, repartições acionárias e acordos operacionais, geralmente concebidos e implementados por holdings transnacionais (particularmente norte-americanas).

As quatro maiores empresas nas áreas de mídia e entretenimento retêm 60% do faturamento total dos mercados e das audiências. Se compararmos o desempenho sofrível da maioria dos países latino-americanos no comércio internacional com o que os gigantes midiáticos arrecadam no nosso continente, concluiremos que o grosso do faturamento é sugado por potências estrangeiras. Os Estados Unidos ficam com 55% das rendas mundiais geradas por bens culturais e comunicacionais; a União Européia, com 25%; Japão e Ásia, com 15%; e a América Latina, com apenas 5%.

Os principais grupos de comunicação da região (Globo do Brasil; Televisa do México; Cisneros da Venezuela; Clarín da Argentina) têm parcerias com grupos transnacionais para explorar, sinergeticamente, os setores tornados convergentes pela digitalização: televisão aberta e paga, rádio, mídia impressa, internet, celulares, filmes, vídeos, DVDs, CDs, livros, jogos eletrônicos, softwares, seriados e desenhos animados, etc. Com isso, além de monopolizar os mercados nacionais, racionalizam custos e obtêm mais-valia em ramos conexos e na economia de escala.

A dependência aos cartéis acentua-se em face dos insuficientes investimentos dos governos em tecnologias e produção cultural. Um dado eloqüente: embora o acesso à internet na América Latina cresça, semestralmente, a uma taxa média de 25%, somente 6% da população estão conectados. O descompasso nas apropriações e nos usufrutos tecnológicos constitui um paradoxo frente ao caráter estratégico da comunicação, seja para a formação de opinião pública, seja para o consolidação do mercado interno (mais serviços, receitas e empregos), ou para o desenvolvimento do audiovisual nacional, ou ainda para as condições de competitividade no plano externo.

A prevalência das lógicas comerciais na mídia latino-americana manifesta-se no reduzido mosaico interpretativo dos fenômenos sociais; na escassa variedade argumentativa, em razão de enfoques que reiteram temas e ângulos de abordagem; na supremacia de gêneros sustentados por altos índices de audiência e patrocínios (telenovelas, telejornais, reality shows); nas baixas influências públicas nas linhas de programação; no desapreço pelos movimentos sociais nas pautas e coberturas; na incontornável disparidade entre o volume de enlatados adquiridos nos Estados Unidos e a produção audiovisual nacional.

Diversificação simbólica

Os mais indulgentes diriam que, apesar dos pesares, aumentou a oferta multimídia e há recepções diferenciadas. De fato, seria miopia enxergar apenas manipulações no que a mídia difunde, ou supor que todas as audiências submergem na passividade crônica. Entretanto, devemos examinar atentamente importantes os lados da questão: a) os usos dependem de acessos e capacidades de discernimento marcadamente desiguais; b) quem comanda a disseminação dos bens simbólicos? c) quem define o que vai ser produzido e divulgado? d) como acreditar no valor absoluto da liberdade de escolha quando verificamos que 85,5% das importações audiovisuais da América Latina provêm dos Estados Unidos? Se duas dezenas de corporações respondem por dois terços das informações e dos entretenimentos mundiais, evidentemente a descentralização se inscreve mais na órbita das exigências mercadológicas do que propriamente nas diferenças qualitativas de conteúdos.

Em face da concentração monopólica e transnacional das indústrias culturais, a possibilidade de interferência do público (ou de frações dele) nas programações depende não somente da capacidade criativa e reativa dos indivíduos, como também de direitos coletivos e controles sociais sobre o desmedido poder da mídia.

De que adianta pôr em relevo os downloads grátis de filmes e vídeos na web ignorando-se que a avalanche imagética tem procedência definida: as produções de Hollywood detêm 85% do mercado cinematográfico global e 77% das programações televisivas da América Latina. Portanto, a diversificação simbólica guarda estreita proximidade com a comercialização em grandes quantidades lucrativas.

Vislumbrando horizontes

Fica claro que diversidade nada tem a ver com os prazeres sensoriais proporcionados pela Disney ou com o gáudio da Sony ao anunciar o lançamento de cinco mil itens por ano. Muito menos com modismos compulsivos. Diversidade pressupõe revitalizar manifestações do contraditório, confrontar pontos de vista, debater as interseções entre progresso, técnicas e tecnologias. Diversidade se assegura com intercâmbio e cooperação horizontal entre as culturas de povos, cidades e países. Diversidade se alcança com o acesso do conjunto da sociedade a múltiplas abordagens sobre acontecimentos e informações de interesse coletivo.

Entre as medidas ao alcance de governos comprometidos com a democratização da comunicação, estão:  

** legislações que impeçam a oligopolização;  

** revisão de normas para concessão ou renovação de canais de rádio e TV, pois as licenças pertencem ao patrimônio público e não a grupos privados;  

** mecanismos democráticos de fiscalização das empresas concessionárias;  

** ampliação da cota obrigatória de programação nacional, regional, comunitária e educativa nas emissoras de TV;  

** à semelhança do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) existente no Brasil, estipular um percentual de taxação sobre o lucro das concessionárias de rádio e TV, a fim de criar um fundo para programas de incentivo ao audiovisual nacional;  

** patrocínios a novas mídias, rádios e televisões comunitárias e projetos de comunicação popular (como na Bolívia de Evo Morales e na Venezuela de Hugo Chávez);  

** políticas específicas para a comunicação virtual sem fins mercantis, em sintonia com medidas que favoreçam a universalização dos acessos a tecnologias, através de desenvolvimento de infra-estruturas de rede em banda larga, do barateamento de custos teleinformáticos, da multiplicação de telecentros e pontos de acessos em comunidades carentes e de formação educacional condizente.

Tais intervenções englobam regulamentações favoráveis a veículos alternativos e comunitários (como no Chile de Michelle Bachelet e na Venezuela de Chávez); leis de incentivo à produção cinematográfica nacional (como na Argentina de Néstor Kirchner); e linhas de apoio à geração de conteúdos voltados à defesa da cidadania e à preservação de tradições culturais (como no Equador de Rafael Correa e na Nicarágua de Daniel Ortega).

São viáveis ações conjugadas de órgãos estatais de fomento no âmbito de blocos regionais (Mercosul, Pacto Andino). Isso poderá influir na formação de novos eixos para projetos compartilhados de comunicação e difusão cultural. É o que se observa nos recentes acordos de cooperação audiovisual firmados pelos governos de Chile, Argentina, Bolívia, Venezuela, Equador e Nicarágua – todos vedam financiamentos a grandes empresas, que são lucrativas e devem recorrer a bancos privados (ou então que paguem juros de mercado nos empréstimos obtidos em agências governamentais).

Pressões organizadas

Ao definirem novas políticas de comunicação, os governos progressistas da América Latina devem estar cientes de que marcos regulatórios das concessões de rádio e TV são tão indispensáveis quanto a inclusão dos sistemas de comunicação e das indústrias culturais nos eixos estratégicos de desenvolvimento e na agenda dos acordos de integração regional.

O processo de mudanças ainda está se desenhando; por certo haverá tensões, dificuldades e obstáculos. Os conglomerados resistirão a perder áreas de influência ou a se submeter a sanções legais. Basta ver a operação de guerra desencadeada contra o governo Chávez por não renovar, dentro da lei venezuelana, a licença da RCTV, que apoiou abertamente o fracassado golpe de estado em 2002. A grande mídia revidará toda vez que tentarmos salientar, como fez lucidamente o economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Carta Capital, junho de 2007), que "os titulares do direito à informação e à livre manifestação do pensamento são os cidadãos em geral e não as empresas de comunicação e seus proprietários".

Os governos eleitos pelo voto popular e comprometidos com transformações sociais substantivas devem zelar, cada vez mais, pela prevalência do interesse público sobre as ambições comerciais e monopólicas.

As determinações políticas em vários países parecem apontar na direção de maiores e necessárias interferências governamentais nos rumos do setor. "A comunicação deve ter um nítido sentido social e de serviço público. É preciso reforçar o direito à informação, fortalecer a pluralidade comunicacional e facilitar o acesso dos cidadãos à tecnologia", resume com clareza a presidente chilena, Michelle Bachelet.

O ministro da Comunicação da Venezuela, William Lara, salienta a mudança de enquadramento no caso das concessões de radiodifusão (mudança que os governos de Bolívia e Equador também planejam fazer): "Os canais privados de rádio e televisão sempre foram aliados de setores do poder econômico e político. Agora devem estar abertos a todos os setores do país".

Na abertura do V Encuentro Mundial de Intelectuales y Artistas en Defensa de la Humanidad, realizado em maio de 2007 na cidade boliviana de Cochamba, o presidente Evo Morales disse que jornalistas e intelectuais devem ajudar o governo a criar "consciência popular sobre a importância de os meios de comunicação defenderem os valores da vida, e não os valores do capital, do egoísmo e do individualismo".

O desafio de longo prazo remete à construção de alternativas não contaminadas pela febre da mercantilização – alternativas que não podem prescindir de pressões organizadas por parte de segmentos reivindicantes da sociedade civil, bem como do empenho sistemático por parte de poderes públicos afinados com o ideal de democratização. Teremos que demonstrar capacidade de articular múltiplas ações e cobrar medidas que assegurem emissões descentralizadas, dinâmicas participativas e compromissos duradouros com uma comunicação mais plural.

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Renovação e cancelamento de concessões de radiodifusão

A não-renovação da concessão do serviço público de radiodifusão do canal RCTV pelo governo da Venezuela, em 28 de maio passado, provocou uma onda de manifestações em defesa da democracia na América do Sul. O governo dos Estados Unidos, a União Européia e os megagrupos privados globais de mídia têm sido unânimes em condenar a decisão. Entidades representativas dos radiodifusores acusam a ameaça à liberdade de imprensa. Até mesmo nossos senadores deixaram de lado preocupações mais prementes para aprovar apelo dirigido ao presidente Hugo Chávez no sentido de rever a sua decisão que, por sua vez, respondeu ofensivamente ao Congresso Nacional. 

Independente do mérito e das implicações políticas da não-renovação há um importante aspecto que tem sido pouco lembrado no debate conduzido pela grande mídia. Trata-se de que, na Venezuela e no Brasil, as concessões de serviço público são precárias, outorgadas sob determinadas condições e por prazo previamente acertado. Seu eventual cancelamento ou não-renovação são possibilidades inscritas nos respectivos contratos. O concessionário é exatamente o que o nome diz, isto é, detentor de uma concessão. Não é proprietário. 

No Brasil, as condições sob as quais os contratos de concessão dos serviços de radiodifusão são outorgados têm sido objeto de controvérsia há algum tempo. 

Dispositivo constitucional 

Recentemente, em audiência pública na Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados destinada a analisar mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão do serviço de radiodifusão, o procurador da República no Distrito Federal, Rômulo M. Conrado, chamou a atenção para a necessidade da regulamentação e revisão de diversos dispositivos do capítulo da Constituição que trata da Comunicação Social. 

Dentre outros, o procurador destacou especificamente o § 4º do Artigo 223, que confere aos contratos firmados entre as emissoras de radiodifusão e o Poder Concedente uma natureza diferenciada única em relação a todos os demais contratos de concessão de serviços públicos. Ele lembrou que, na hipótese de identificação de alguma irregularidade grave na prestação do serviço, o Poder Concedente só recuperará o direito à plena tutela sobre o serviço em caso de decisão judicial. O § 4º do artigo 223 diz o seguinte: 

"O cancelamento da concessão ou permissão antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial". 

O procurador sugeriu, então, a necessidade de revogação deste dispositivo constitucional, de modo a equiparar os contratos de outorga de radiodifusão aos outros firmados pelo Poder Público. Neles, o concessionário se obriga a manter a regularidade jurídica e fiscal da entidade por toda a duração do contrato, sob pena de imediata rescisão. 

Ações de fiscalização 

O procurador poderia ter mencionado também o privilégio desses contratos em relação às condições de sua não-renovação. De fato, o § 2º do mesmo Artigo 223 diz que: 

"A não-renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal."  

Na prática, a norma significa que a não-renovação de uma concessão de radiodifusão precisa ser aprovada em sessão conjunta do Congresso Nacional pelo voto nominal (aberto) de 238 parlamentares. Qualquer observador que acompanha as atividades nas duas Casas do Legislativo sabe que essa é uma votação praticamente impossível de se obter. 

Por outro lado, a CCTCI aprovou na quarta-feira (30/5), relatório com novas regras para a apreciação dos processos de renovação e outorga de concessões de emissoras de rádio e televisão. A proposta veio exatamente da Subcomissão Especial que tratou do tema nos últimos dois meses.  

Nas modificações do Ato Normativo nº 1 de 1999, que vigoram a partir de julho, fica eliminada a possibilidade de devolução de processos ao Ministério das Comunicações para solução de eventuais pendências. Se no prazo de 90 dias as pendências detectadas na CCTCI não forem solucionadas pelas concessionárias, o processo será distribuído para relatoria com recomendação pela rejeição.  

Fica também prevista a realização de ações de fiscalização com o auxílio do Tribunal de Contas da União sobre os procedimentos adotados pelo Poder Executivo no exame dos processos, e o estabelecimento de dispositivos que vinculem as outorgas para emissoras com fins exclusivamente educativos a instituições de ensino, com reconhecimento formal do Ministério da Educação. Os processos também não poderão mais ficar parados indefinidamente na CCTCI. O presidente da comissão requisitará os que não forem relatados no prazo de cinco sessões para redistribuição. 

Critérios e condições 

A aprovação do novo Ato Normativo constitui um primeiro passo para atuação mais ativa e conseqüente do Congresso Nacional em relação às concessões e renovações dos serviços de radiodifusão que, desde a Constituição de 1988, vinha sendo meramente formal. 

Como se vê, no caso brasileiro, as concessões, as renovações e o cancelamento dos serviços públicos de rádio e televisão à iniciativa privada são historicamente regidas por normas que, ao longo do tempo, transformam os concessionários praticamente em "proprietários". Só agora, por exemplo, um dos poderes concedentes, o Congresso Nacional, define normas mais efetivas para a apreciação das autorizações que vêm do Poder Executivo.  

A não-renovação da concessão de um canal de TV na Venezuela poderia, portanto, se transformar em excelente ocasião para que se discutissem quais deveriam ser os critérios e as condições para concessão, renovação e cancelamento do serviço público de radiodifusão no Brasil.

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Acesso à informação: um direito também dos surdos

A Organização das Nações Unidas (ONU) enfatiza, como fundamentais, o direito à informação e à comunicação, que são essenciais para o exercício da cidadania. A informação é um direito tão importante quanto os demais e deve ser oferecida igualmente a todos, de modo claro, impessoal, preciso, sem direcionamentos e sem interesses ocultos. Mas será que ela é oferecida igualmente a todos? 

Analisando os meios de comunicação de massa, pode-se perceber que todos exigem bom funcionamento dos canais sensoriais. A televisão é um veículo constituído por imagens visuais e sinais auditivos; os jornais e revistas exigem atenção visual; o rádio pede pelo nosso canal auditivo e a internet acopla situações de leitura, audição e até fala. Mas e aquelas pessoas que apresentam alguma deficiência nos sentidos e não conseguem acessar o conteúdo oferecido pelos veículos de comunicação? Como se informam a respeito das notícias de sua cidade, estado, país e do mundo? Será que elas têm sempre que depender de uma terceira pessoa que possa explicar – de maneira adequada – os fatos que são divulgados nos telejornais, revistas, jornais impressos e internet? 

Segundo o último censo, realizado em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje há no Brasil cerca de 6 milhões de pessoas com problemas relacionados à surdez. Dessas, cerca de 170 mil se declararam surdas e apenas 15% entendedores da língua portuguesa. Essa porcentagem representa a minoria que consegue captar as notícias jornalísticas divulgadas pela mídia. A maioria, por não ser oralizada, fica excluída do mundo da informação. 

Formato inadequado 

Ler um jornal ou uma revista, por exemplo, é extremamente difícil para surdos que se comunicam apenas pela Língua Brasileira de Sinais (Libras). A Libras é um idioma próprio, que apresenta uma gramática completamente diferente do português. Para os surdos que usam sinais, a frase "vou para a casa dele" se transforma em "casa dele vou". Esse é apenas um pequeno exemplo da barreira que eles têm de transpor ao tentar ler e entender o português.  

Para acompanhar os noticiários da televisão há possibilidade, em alguns televisores, de ativação de uma tecla que permite o acesso ao closed caption, sistema de transmissão de legendas via sinal de televisão. Ele descreve as falas dos apresentadores e também qualquer outro som presente na cena, como palmas, passos, trovões. Porém, muitas vezes, a captura do áudio não é a correta para o som da língua e ocorre uma distorção da mensagem falada, resultando na escrita de uma palavra errada na tela da TV. Além disso, a velocidade acelerada das legendas é mais um obstáculo para a compreensão da notícia. 

Outra alternativa utilizada pelas emissoras de TV para a comunicação com o surdo, principalmente os que não entendem o português, é a janela de Libras. Seu formato corresponde a um espaço delimitado no vídeo onde as informações são interpretadas na língua brasileira de sinais. Entretanto, nem todos os programas televisivos contam com este recurso e, quando o disponibilizam, não o fazem em um formato adequado. Para compreender a Libras é necessária a visualização dos gestos das mãos e da expressão facial, mas, normalmente, a veiculação da imagem é feita em pequenas janelas no canto da tela, fugindo do modelo ideal. 

O Telelibras 

Algumas leis até já foram criadas com o objetivo de garantir à pessoa com deficiência o acesso à informação. Um exemplo é a NBR 15.29/2006, que dispõe que os programas políticos, eleitorais, noticiosos, jornalísticos, educativos, campanhas institucionais e informativos de utilidade pública devem conter janela com intérprete de Libras. Ainda assim, as ações para disponibilizar interpretação em Libras em conteúdos audiovisuais, como cinema, jornais ou novelas, são praticamente inexistentes. Nenhum telejornal veiculado na TV aberta brasileira, por exemplo, utiliza a representação na linguagem de sinais, reconhecida desde 2002 como meio legal de comunicação e expressão (Lei nº. 10.436). 

Portanto, fica claro que o problema referente ao acesso às informações jornalísticas pelas pessoas com deficiência auditiva existe. Algumas providências já foram tomadas, mas muitas ainda precisam ser desenvolvidas. 

Um exemplo de que é possível oferecer às pessoas com deficiência auditiva um produto jornalístico que as informe sobre as principais notícias do Brasil e do mundo é o Telelibras, primeiro telejornal inclusivo da internet brasileira voltado para a comunidade surda e para os interessados em aprender a Libras. 

* Roberta Lage é radialista, jornalista e especialista em comunicação pública e responsabilidade social