Arquivo da tag: Observatório da Imprensa

Liberdade de Imprensa: a proposta de “asilo editorial” na New Miami

Projeto que "institui o asilo político tecnológico e editorial" foi apresentado ao Senado Federal pelo senador Jayme Campos (DEM-MT), na quarta-feira (13/6). O PL nº 334/2007 prevê que rádios, emissoras de televisão ou jornais que sofram arbitrariedades por parte de algum governante "autoritário" poderiam se instalar no Brasil e transmitir para seu país de origem. Segundo o senador, a medida se aplica a governos como o da Venezuela, por sua perseguição à imprensa, e possibilita "um contragolpe institucional, uma alternativa real que permita o anteparo à instituição ou ao profissional molestado em sua liberdade de expressão". 

Na Justificativa ao projeto está escrito que…  

"…a novidade de nossa proposição consiste em estatuir uma nova modalidade de asilo político que garanta a seus beneficiários não só o acolhimento do indivíduo, mas também, a dos meios de divulgação das idéias por cujo contexto se lhe impôs censura discricionária no país de origem. Assim, um parque gráfico, ou uma estação de rádio ou de televisão, cujos titulares se virem injustamente cassados ou cerceados em seu direito de expressão, poderão manter-se em atividade, a partir de solo brasileiro, graças ao novo mecanismo proposto. (…) A possibilidade de auxiliarmos as nações amigas, abrigando seus profissionais e recursos tecnológicos, de modo a proteger-lhes dos arbítrios da autocracia e da perseguição política é o objetivo final da presente proposição". 

"Arroubo autoritário" 

No seu artigo 2º o projeto de lei prevê que serão "ouvidos o Ministério das Relações Exteriores, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI, a Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj e a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – Abert" e que "caberá ao Ministério da Justiça instaurar os competentes procedimentos administrativos, na forma como dispuser a regulamentação editada pelo Poder Executivo". 

Não fica claro, todavia, quem julga e decide que determinado profissional ou empresa privada de comunicação está sendo "perseguida(o) em função de suas convicções ou de opiniões políticas emitidas em seus países de origem". Será o Ministério da Justiça brasileiro? Será o nosso Itamaraty? Ou, quem sabe, a Abert? 

O projeto recebeu o apoio em plenário do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), e do senador Gilvam Borges(PMDB-AP), este afirmando que "o continente sul-americano não pode viver o retrocesso das ditaduras. O arroubo autoritário criminoso do presidente venezuelano Hugo Chávez é preocupante". 

Rádio familiar 

Não fica claro, nos pronunciamentos dos nossos senadores, se eles aprovariam reciprocamente que a Venezuela, ou qualquer outro país, criasse uma lei semelhante à proposta pelo senador Jayme Campos, e lá – em território estrangeiro – abrigasse emissoras de rádio e televisão privadas brasileiras que se sentissem perseguidas e passassem, então, a transmitir regularmente sua programação dirigida à população brasileira. 

O exercício da "liberdade de imprensa" é bastante familiar ao senador Jayme Campos, autor do projeto. Além de produtor agropecuário, governador de Mato Grosso entre 1991 e 1994 e prefeito de Várzea Grande, sua cidade natal, por três vezes, seu nome sempre aparece nos levantamentos que identificam parlamentares vinculados a concessões de radiodifusão e atividades empresariais de imprensa. 

Na verdade, a Rádio Industrial de Várzea Grande Ltda.  tem, como sócio majoritário, Júlio José de Campos – que é ex-senador, ex-governador do Mato Grosso e também irmão do senador Jayme Campos. 

Um dos sócios é Oscar da Costa Ribeiro, presidente da comissão provisória do partido dos Democratas no estado – por coincidência, o mesmo partido do senador Jayme Campos – e ex-conselheiro e ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. 

"Abuso do poder econômico" 

E há ainda o sócio-gerente, Benedito Sérgio de Castro Braga, que foi doador de campanha do atual prefeito de Várzea Grande, Murilo Domingos (PPS), e também da campanha ao Senado do próprio senador Jayme Campos. 

Como se sabe, o inciso III do Artigo 24 da Lei 9.504 de 1997 veda aos partidos e aos candidatos o recebimento de doações de concessionários de serviço público. Está na Lei: 

"Artigo 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…) 

III – concessionário ou permissionário de serviço público." 

As penalidades para aqueles partidos e/ou candidatos que descumprirem a norma estão previstas no Artigo 25 que diz: 

"Artigo 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico." 

Experts competentes 

Há, portanto, relações bastante próximas entre o senador Jayme Campos e os concessionários do serviço público de radiodifusão em Várzea Grande que, aparentemente, gozam de total "liberdade de imprensa". 

Por outro lado, a idéia do "asilo editorial" não chega a ser exatamente original. O governo dos Estados Unidos já patrocina atividades semelhantes em seu território. É de Miami que a Radio Martí e a TV Martí, por exemplo, emitem programação diária dirigida a Cuba. 

Senadores, naturalmente, podem apresentar à Casa qualquer projeto. E o Senado Federal, por óbvio, aprova os que a maioria de seus senadores julga atender ao interesse público. 

No caso de aprovação do PL 334/22007, talvez o Brasil se transformasse numa enorme e folclórica New Miami, cheio de emissoras de rádio e televisão transmitindo para os países do mundo onde – segundo critérios definidos por competentes experts brasileiros – não exista "liberdade de imprensa".

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006).

 Active Image permitida a reprodução, desde que citada a fonte original.

A proposta de asilo editorial na New Miami

Projeto que "institui o asilo político tecnológico e editorial" foi apresentado ao Senado Federal pelo senador Jayme Campos (DEM-MT), na quarta-feira (13/6). O PL nº 334/2007 prevê que rádios, emissoras de televisão ou jornais que sofram arbitrariedades por parte de algum governante "autoritário" poderiam se instalar no Brasil e transmitir para seu país de origem. Segundo o senador, a medida se aplica a governos como o da Venezuela, por sua perseguição à imprensa, e possibilita "um contragolpe institucional, uma alternativa real que permita o anteparo à instituição ou ao profissional molestado em sua liberdade de expressão".

Na Justificativa ao projeto está escrito que…

"…a novidade de nossa proposição consiste em estatuir uma nova modalidade de asilo político que garanta a seus beneficiários não só o acolhimento do indivíduo, mas também, a dos meios de divulgação das idéias por cujo contexto se lhe impôs censura discricionária no país de origem. Assim, um parque gráfico, ou uma estação de rádio ou de televisão, cujos titulares se virem injustamente cassados ou cerceados em seu direito de expressão, poderão manter-se em atividade, a partir de solo brasileiro, graças ao novo mecanismo proposto. (…) A possibilidade de auxiliarmos as nações amigas, abrigando seus profissionais e recursos tecnológicos, de modo a proteger-lhes dos arbítrios da autocracia e da perseguição política é o objetivo final da presente proposição".

"Arroubo autoritário"

No seu artigo 2º o projeto de lei prevê que serão "ouvidos o Ministério das Relações Exteriores, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI, a Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj e a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão – Abert" e que "caberá ao Ministério da Justiça instaurar os competentes procedimentos administrativos, na forma como dispuser a regulamentação editada pelo Poder Executivo".

Não fica claro, todavia, quem julga e decide que determinado profissional ou empresa privada de comunicação está sendo "perseguida(o) em função de suas convicções ou de opiniões políticas emitidas em seus países de origem". Será o Ministério da Justiça brasileiro? Será o nosso Itamaraty? Ou, quem sabe, a Abert?

O projeto recebeu o apoio em plenário do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), e do senador Gilvam Borges (PMDB-AP), este afirmando que "o continente sul-americano não pode viver o retrocesso das ditaduras. O arroubo autoritário criminoso do presidente venezuelano Hugo Chávez é preocupante".

Rádio familiar

Não fica claro, nos pronunciamentos dos nossos senadores, se eles aprovariam reciprocamente que a Venezuela, ou qualquer outro país, criasse uma lei semelhante à proposta pelo senador Jayme Campos, e lá – em território estrangeiro – abrigasse emissoras de rádio e televisão privadas brasileiras que se sentissem perseguidas e passassem, então, a transmitir regularmente sua programação dirigida à população brasileira.

O exercício da "liberdade de imprensa" é bastante familiar ao senador Jayme Campos, autor do projeto. Além de produtor agropecuário, governador de Mato Grosso entre 1991 e 1994 e prefeito de Várzea Grande, sua cidade natal, por três vezes, seu nome sempre aparece nos levantamentos que identificam parlamentares vinculados a concessões de radiodifusão e atividades empresariais de imprensa.

Na verdade, a Rádio Industrial de Várzea Grande Ltda.  tem, como sócio majoritário, Júlio José de Campos – que é ex-senador, ex-governador do Mato Grosso e também irmão do senador Jayme Campos.

Um dos sócios é Oscar da Costa Ribeiro, presidente da comissão provisória do partido dos Democratas no estado – por coincidência, o mesmo partido do senador Jayme Campos – e ex-conselheiro e ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

"Abuso do poder econômico"

E há ainda o sócio-gerente, Benedito Sérgio de Castro Braga, que foi doador de campanha do atual prefeito de Várzea Grande, Murilo Domingos (PPS), e também da campanha ao Senado do próprio senador Jayme Campos.

Como se sabe, o inciso III do Artigo 24 da Lei 9.504 de 1997 veda aos partidos e aos candidatos o recebimento de doações de concessionários de serviço público. Está na Lei:

"Artigo 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

III – concessionário ou permissionário de serviço público."

As penalidades para aqueles partidos e/ou candidatos que descumprirem a norma estão previstas no Artigo 25 que diz:

"Artigo 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico."

Experts competentes

Há, portanto, relações bastante próximas entre o senador Jayme Campos e os concessionários do serviço público de radiodifusão em Várzea Grande que, aparentemente, gozam de total "liberdade de imprensa".

Por outro lado, a idéia do "asilo editorial" não chega a ser exatamente original. O governo dos Estados Unidos já patrocina atividades semelhantes em seu território. É de Miami que a Radio Martí e a TV Martí, por exemplo, emitem programação diária dirigida a Cuba.

Senadores, naturalmente, podem apresentar à Casa qualquer projeto. E o Senado Federal, por óbvio, aprova os que a maioria de seus senadores julga atender ao interesse público.

No caso de aprovação do PL 334/22007, talvez o Brasil se transformasse numa enorme e folclórica New Miami, cheio de emissoras de rádio e televisão transmitindo para os países do mundo onde – segundo critérios definidos por competentes experts brasileiros – não exista "liberdade de imprensa".

 Sample Image permitida a reprodução, desde que citada a fonte original.

 

Governo americano se opõe a proposta de lei de proteção a jornalistas

O governo do presidente George W. Bush continua a se opor à aprovação de uma lei federal de proteção da atividade jornalística, que tramita atualmente na Câmara e no Senado dos EUA. O projeto visa evitar que profissionais de imprensa sejam obrigados a revelar suas fontes confidenciais à Justiça. Atualmente, 32 estados americanos e o distrito de Columbia têm leis próprias de proteção de fontes.

"A história mostra que as proteções já existentes, incluindo a rigorosa revisão interna de intimações a jornalistas, são suficientes", afirma a procuradora Rachel Brand. Para ela, as leis estaduais desencorajam os promotores a pedir a quebra do sigilo de fontes, exceto em casos especiais – desde 1991, a Justiça aprovou intimações a apenas 19 repórteres. Além disso, Rachel diz que a definição de "jornalista" exposta no projeto é muito vaga – incluindo até blogueiros –, o que traria problemas significativos para investigadores federais.

Os senadores republicanos de Indiana Richard Lugar e Mike Pence, redatores do projeto de lei, afirmaram que foram incluídas exceções para ameaças iminentes à segurança nacional. Desta forma, o governo federal não poderá alegar que a proteção do direito do público a informações sobre atividades governamentais prejudicaria a segurança do país. "A lei não serve para proteger os jornalistas, mas para proteger o direito do público de se manter informado", explica Pence.

Judith Miller

O debate sobre sigilo de fontes ganhou força nos EUA após a repórter Judith Miller, que trabalhava para o diário New York Times, ter ficado presa por quase três meses por se recusar a depor em uma investigação sobre vazamento de informação confidencial – o que é crime nos EUA. Judith foi intimada a revelar quem teria informado a ela a identidade secreta da agente da CIA Valerie Plame. O segredo de Valerie vazou na mídia após seu marido, o diplomata Joseph Wilson, publicar um artigo em que questionava uma das justificativas para o governo Bush entrar em guerra com o Iraque: a suposta existência de armas de destruição em massa nas mãos de Saddam Hussein.

A não aprovação do projeto federal preocupa profissionais da mídia. "O movimento força jornalistas a revelar suas fontes, em uma tentativa de tornar a imprensa um braço da lei", afirma William Safire, jornalista da New Yorker. "Cidadãos comuns e funcionários públicos vão pensar duas vezes antes de confiar em um repórter".

 

Active Image

A hora e a vez do set-top-box

Na pressa movida por interesses políticos e comerciais, o país se precipitou em adotar o modelo digital japonês que, no final de todas as contas, não vai causar em um curto espaço de tempo nenhuma revolução no conteúdo e na forma de assistir à televisão. Quando o então ministro das Comunicações era o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), houve um esboço de uma discussão sobre a possibilidade de desenvolver um sistema digital que fosse genuinamente tupiniquim. Uma solução controversa, se levarmos em conta a aventura frustrada de nosso sistema de cor (Pal-M), único no mundo, que foi uma bravata nacionalista dos governos militares. No mundo dos zeros e uns, há certas evoluções que são inevitáveis, embora um Estado interventor tenha ferramentas suficientes para atrasar um processo que, sozinho, talvez, caminhasse a passos mais seguros e largos.

Uma ação política realmente importante seria a de pensar, e porventura alterar, o marco regulatório da radiodifusão no país. Atitude fundamental para concretizar a idéia de um novo modelo de TV, voltada não só para o entretenimento, mas, junto com ele, de interesse público e social brasileiro.

Neste país de proporções continentais, uma TV digital e interativa pode ser a solução para integrar uma grande parcela de brasileiros ao exercício pleno da cidadania. Afinal, o objetivo é transformar cada aparelho de TV em uma porta de entrada para a rede mundial de computadores e, através dela, abrir toda uma sorte de possibilidades. Se levarmos em consideração que cerca de 90% dos lares brasileiros já possuem pelo menos um aparelho, estaríamos falando, realmente, em uma inclusão social e digital. Afinal, segundo dados do próprio governo brasileiro, menos de 8% de nossos conterrâneos têm acesso à internet e na área rural o índice é ainda mais assustador, menor que 0,02%. E então, eis que surge a questão do tal do set-top box.

Comercialização do conversor

Para quem não sabe, o set-top box é um dispositivo que habilita televisores analógicos a receberem e decodificarem o sinal digital broadcast. Enfim, é uma caixa de conversão. Quem não possuir uma TV digital adequada ao sistema binário de informação, terá que adquirir um desses aparelhinhos para continuar a usufruir a nossa programação televisiva.

A primeira proposta do governo brasileiro era possibilitar a criação de um conversor de baixo custo, de forma a que todas as pessoas, independente de classe social, pudessem adquiri-lo. Aliás, um parêntese: é para a classe menos favorecida que ele se dirige já que, provavelmente, a pequena parcela da população brasileira mais privilegiada optará por uma TV digital, e não pela "caixinha". Então, o desafio do governo transformou-se na capacidade de produção desses dispositivos por um preço acessível.

À edição de abril da revista Info, o ministro das Comunicações Hélio Costa disse que a comercialização do aparelho conversor deveria começar neste mês de junho a um preço médio e final para o consumidor de 100 reais.

Entretanto, segundo matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo na última semana (11/06), não só a transmissão do sinal digital poderá ser mais uma vez adiada como "é grande a possibilidade de não haver equipamento para o telespectador sintonizá-la". A Eletros (associação de fabricantes de produtos eletrônicos), responsável pela fabricação do dispositivo, afirmou não poder precisar a data em que os set-top boxes chegarão às lojas. Os protótipos estariam em desenvolvimento, necessitando ainda de muitos testes antes que cheguem ao mercado para as transmissões. E, surpresa: a estimativa do preço final também foi alterada e está longe dos 100 reais propostos pelo ministro.

Batendo à porta da China

De acordo com a repórter do IDG News Daniela Moreira, o Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo estima em 500 reais o custo final do aparelho, podendo ter variações entre "300 e 700 reais até a data do funcionamento da TV digital no país" (ver aqui). E esse produto somente permitirá uma interatividade limitada.

Novamente segundo Daniel Castro, da Folha de S.Paulo, "o governo federal está ameaçando abrir a importação de decodificadores de TV digital da China, caso as indústrias brasileiras não consigam cumprir o prazo" para produzir o aparelho. Insiste ainda no preço final, agora de 100 dólares. As empresas do pool, por outro lado, argumentam que ajudaria se o governo contribuísse com "benefícios tributários, que poderiam reduzir os custos em até 36%".

Para quem sonhava com um sistema tecnológico digital genuinamente brasileiro, é triste terminar essa história batendo à porta da China para conseguir o acesso aos tais aparelhinhos que de barato não têm nada. Talvez valha a pena começar a pensar em um crediário para adquirir uma TV digital de tela plana. Pode ser que compense financeiramente e que ainda dê menos dores de cabeça.

 

 

Concessões de TV ou capitanias hereditárias?

A decisão do presidente venezuelano Hugo Chávez de não autorizar a renovação da concessão da RCTV teve repercussões negativas em várias partes do mundo, inclusive no âmbito do legislativo brasileiro. Como se sabe, o Senado aprovou uma moção contrária à atitude de Chávez e recebeu em resposta a alcunha de "papagaio dos Estados Unidos", ocasionando grande mal-estar nas relações entre os dois países.

Sem entrar no mérito do acerto ou do erro da atitude do presidente venezuelano, a questão traz a oportunidade de discutir a situação das concessões de rádio e TV no Brasil. A nosso ver, é urgente a necessidade de aprovação de emendas constitucionais com vistas à modificação do regime jurídico de nossas concessões de radiodifusão por som e por som e imagem (TV), por tratar-se de um modelo de apropriação privada indevida e antiética de serviços públicos. Explico-me.

As concessões de serviço público se caracterizam como contratos administrativos pelos quais o Estado transfere à iniciativa privada a execução dos referidos serviços, mantendo, contudo, sua titularidade. O concessionário é, assim, mero executor de um serviço cujo "dono" permanece sendo o Estado. Em tais contratos vige regime jurídico absolutamente diverso das condições usuais nos contratos privados, razão pela qual cláusulas destes contratos são denominadas "exorbitantes", por permitirem que o Estado, a qualquer tempo, possa romper o contrato por decisão unilateral da administração, respeitando-se, porém, o direito de o concessionário ser indenizado pelos danos e perdas que sofrer.

Renovação automática

Isto ocorre porque o Estado-Administração representa o interesse coletivo, enquanto o particular (concessionário) cuida apenas de seu interesse individual. Por razões óbvias, nossa Constituição privilegia o interesse coletivo, outorgando-lhe prerrogativas de autoridade no âmbito contratual, mas, em momento algum a ordem jurídica confere ao Estado poder de confisco, de se apropriar compulsoriamente de direitos privados sem justa indenização.

Apenas um ambiente das atividades públicas põe-se como exceção a este regime jurídico, em razão de dispositivos discretamente aprovados pela Constituinte de 1988: as concessões de rádio e TV.

Provavelmente por uma conjunção de lobby de empresas de telecomunicações agregado ao fato de que muitos constituintes eram proprietários diretos ou indiretos de empresas de rádio e/ou TV, o artigo 223 da Carta Magna estabelece regime de concessão de serviço público absolutamente diverso dos demais serviços públicos concedidos no que tange aos aludidos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e TV).

Por esse artigo constitucional, as concessões de rádio e TV só podem ser extintas, antes de vencido seu prazo, por decisão judicial, enquanto todas as demais concessões públicas podem sê-lo por decisão administrativa. E mais: tais concessões são quase de renovação automática, contratos eternos e intangíveis, pois só com aprovação de dois quintos do Congresso Nacional deixariam de ser renovadas.

"Macaco, olha o teu rabo…"

Se os então constituintes – muitos ainda congressistas – tivessem observado valores democráticos em sua decisão, haveriam de estipular para a renovação da concessão de rádio ou TV o mesmo que para qualquer outro contrato público com particular: a necessidade de fazê-lo por licitação aberta a todos os interessados.

Estabeleceu-se aí inegável imoralidade no âmbito de nossa Carta Magna, uma nódoa em nossa Constituição cidadã. Concessões de serviço público se transformaram em capitanias hereditárias de famílias notórias ou de políticos. Tal situação nada tem de republicana, remetendo à forma como a aristocracia do Estado imperial se apropriava dos bens e serviços públicos.

Assim, é de se estranhar que o Congresso Nacional aprove moção contra a não renovação de concessão de TV venezuelana e, ao mesmo tempo, deixe de adotar medidas que são de sua competência com vistas à alteração de nossa Constituição e ao restabelecimento em seus dispositivos relativos às telecomunicações dos valores republicanos e isonômicos que deveriam norteá-los.

É possível que nossos congressistas não tenham disposição para tanto, pois muitos deles são donos diretos ou indiretos de empresas concessionárias dos referidos serviços. Legislar contra os próprios interesses econômicos e empresariais é algo inimaginável nesse reduto, mesmo que isso se faça necessário para o restabelecimento de um mínimo de ética. Antes de apontar o dedo para a Venezuela, nossos congressistas deveriam agir como recomenda a sabedoria popular: "Macaco, olha o teu rabo…"

* Pedro Estevam Serrano é professor de Direito Constitucional da PUC-SP