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A responsabilidade dos donos da grande mídia

Na trágica situação que vivemos em relação às questões de segurança pública, sobretudo da violência urbana, o envolvimento cada vez maior de jovens de todas as classes sociais – tanto como vítimas quanto criminosos – é um dado da realidade que desafia a compreensão e a capacidade de resposta de famílias, autoridades públicas e estudiosos.

Notícias recentes dão conta de que até um jovem e conhecido ator de novelas teria participado, com outros jovens, em ato de violência no Rio de Janeiro. Esse é mais um motivo de renovadas preocupações. Somos um país de forte tradição folhetinesca, onde a ficção das novelas e a realidade concreta muitas vezes se confundem nas telas da TV. Além disso, os atores estão em uma condição privilegiada de visibilidade e, mesmo involuntariamente, se transformam em modelos de comportamento, balizadores de tendências da moda, orientadores de consumo (vide o uso de atores na publicidade) para milhões de adolescentes.

A violência é um problema complexo, de causas múltiplas, que não se resolve com a transposição pura e simples de modelos importados de outras sociedades. Além disso, envolve interesses poderosos do crime organizado, do tráfico de drogas e do comércio de armas – que, aliás, teve importante vitória em recente plebiscito no nosso país.

Ecos de um seqüestro

Neste cenário complexo e assustador, não basta à mídia dar ampla cobertura jornalística às tragédias cotidianas de violência. Como serviço público e instituição que ocupa uma inegável centralidade na estrutura das sociedades contemporâneas, é preciso que a mídia vá muito além.

É exatamente por isso que chama atenção a omissão dos donos da grande mídia e de muitos jornalistas em reconhecer que a mídia – a televisão, o cinema, os videogames – é, ela própria, parte do problema e também da solução, e não apenas uma instituição que "mostra" a escalada da violência e cobra providências das autoridades.

O embate ainda não resolvido entre concessionários do serviço público de radiodifusão e o Ministério da Justiça – em torno da Portaria 264, que regula a classificação indicativa dos programas de televisão – é um exemplo dessa omissão, ao mesmo tempo em que revela como, em algumas circunstâncias, o interesse comercial dos empresários – disfarçado de defesa da liberdade de imprensa – prevalece sobre o interesse público.

Há cerca de um ano, tratei dessa mesma questão neste Observatório ("A violência urbana e os donos da mídia"). Naquela ocasião, um jornalista havia sido seqüestrado por um grupo de criminosos que exigia a exibição de vídeo em rede de televisão.

Lembrei que, nos Estados Unidos, os National Television Violence Studies, financiados pela National Cable Television Association (NCTA) – equivalente à nossa ABTA – e realizados durante os anos 1990 por um pool de grandes universidades (Califórnia, Carolina do Norte, Texas e Wisconsin), confirmaram as hipóteses de correlação positiva entre exposição a conteúdo violento de programas de televisão e índices de violência. Esses estudos deram origem a uma série de recomendações sobre o conteúdo da programação para a indústria de entretenimento.

Contribuição efetiva

Os resultados de pesquisas realizadas em outros países – e algumas aqui mesmo, no Brasil – sobre as relações entre comportamento violento e programação de TV não são novidade para os executivos dos principais grupos de mídia. Dessa forma, a questão fundamental que permanece e que precisa ser respondida é: será que a programação comercial de entretenimento das concessionárias privadas de televisão no Brasil – e seus horários de exibição – não teriam alguma relação e/ou influência sobre a agressividade criminosa que vitima nossos jovens? É oportuno, portanto, que se renove a proposta que fiz, aqui mesmo no OI, há um ano, e que, claro, não mereceu qualquer reação ou resposta: a exemplo de seus pares em outras partes do mundo, os grandes grupos de mídia privada no Brasil deveriam destinar parte de seus lucros para a pesquisa das causas da violência entre nós. Parcerias neste sentido poderiam ser feitas com universidades públicas e/ou privadas.

Os resultados forneceriam diretrizes às autoridades públicas, aos próprios donos da mídia e aos jornalistas para a identificação de iniciativas que podem e devem ser tomadas para contribuir de forma efetiva para a solução dos problemas de segurança pública que interessam a toda a sociedade.

Essas iniciativas não se reduziriam apenas à cobertura jornalística do violento cotidiano de nossas cidades. Há, certamente, muito mais que pode e deve ser feito.

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Nazismo à carioca, com apoio da imprensa

Durante a ocupação do sul do Líbano na década de 1980, um padrão foi identificado por Noam Chomsky na cobertura do uso da violência pelo exército israelense:

"A questão relevante no contexto atual é que inventaram uma história conveniente e uma forma apropriada de discurso, nas quais terrorismo é coisa típica de palestinos, enquanto israelenses fazem apenas ‘retaliações’ ou, às vezes, realizam ‘ações preventivas’ legítimas, reagindo ocasionalmente com dureza deplorável, tal como qualquer país faria em situações muito penosas, segundo eles. O sistema ideológico visa a garantir o reconhecimento de que essas conclusões são teoricamente legítimas, independentemente dos fatos, que ou não são noticiados, ou são noticiados de forma que se adaptem às necessidades ideológicas ou – às vezes – honestamente, mas depois relegados ao esquecimento." (Piratas e Imperadores Antigos e Modernos, Bertrand Brasil, 2006).

O mesmo padrão parece estar se repetindo no Brasil em relação ao combate ao banditismo no Rio de Janeiro. Logo após a operação no Complexo do Alemão, o secretário de Segurança do Rio de Janeiro deu uma entrevista dizendo que todas as vítimas eram bandidos. O Jornal Nacional reproduziu e repercutiu suas declarações.

Para o cidadão comum, a violência no Rio é um truísmo. A violência policial também. O que está deixando de ser um truísmo é a isenção como a imprensa faz a cobertura de ambas. Afinal, a violência policial passou a ser justificada pelos jornalistas.

"Terror contra Terror"

Os adjetivos aplicados à operação pelo jornalismo televisivo não deixam dúvidas. A operação no Complexo do Alemão foi de "retaliação" às quadrilhas de traficantes. Todas as "ações preventivas" da polícia têm sido consideradas legítimas pela mídia. A Rede Globo nem chegou a deplorar os excessos cometidos pelos policiais. Parece ter deixado para fazer isto quando ficar claro que algumas das vítimas eram inocentes. Isto indica que a Globo passou a adotar o princípio de que todos os favelados são culpados até prova em sentido contrário. Um caso grave de influência comunista, já que o temido Vichinsky, procurador predileto de Stalin, foi o inventor dessa máxima jurídica.

Chomsky também fez uma interessante comparação entre as "retaliações" israelenses no sul do Líbano e a brutalidade nazista nos territórios ocupados:

"O chefe da unidade de ligação das FDI no Líbano, general Sholomo Ilya, disse que ‘a única arma contra o terrorismo é o terrorismo’ e que Israel tem, além dos já usados, recursos para ‘falar a linguagem que os terroristas entendem’. O conceito não é novo. As operações da Gestapo na Europa ocupada também foram justificadas pelo combate ao ‘terrorismo’ e uma das vítimas de Klaus Barbie foi encontrada morta com uma mensagem presa ao tórax que dizia ‘Terror contra o Terror’ – coincidentemente, a expressão usada pelo grupo terrorista israelense e o título de reportagem de capa da Der Spiegel sobre o bombardeio terrorista norte-americano na Líbia, em abril de 1986." (Piratas e Imperadores Antigos e Modernos, Bertrand Brasil, 2006).

Incentivar a execução de suspeitos

O nazismo foi derrotado na Europa! Não foi? Tem sido muito ativo no Oriente Médio. E agora a imprensa brasileira está sendo nazista ao permitir que a polícia carioca puna toda uma população em razão da secular incompetência governamental de prefeitos, governadores e presidentes. Ninguém é favelado por opção. Foram as condições históricas, sociais e econômicas que produziram o monstrengo que assusta o dileto e minúsculo grupo dos ricos do Rio de Janeiro. Nenhum favelado é criminoso só porque nasceu e cresceu numa favela. Não é, mas está sendo tratado como tal, e com a cumplicidade da mídia. Se o padrão de cobertura das operações policiais nos morros vier a se transformar num lugar-comum realmente ocorrerá um genocídio. Bem debaixo de nossos narizes.

Os agentes do Estado devem agir sempre observando o princípio da legalidade. Criminosos são aqueles que o Poder Judiciário declara culpados em regular processo com a garantia de direito de defesa. As execuções de criminosos são absolutamente ilegais porque a pena de morte é proibida. Sendo assim, tratar suspeitos como criminosos e incentivar a execução de suspeitos deveria ser considerado um crime pela mídia. Mas não é! Esse nazismo à carioca ainda vai dar o que falar.

 Active Image permitida a reprodução, desde que citada a fonte original.

 

O fator Murdoch, lá e cá

A edição de sábado (30/6) de O Globo (pág. 36) reproduz um veemente libelo do colunista do New York Times, Paul Krugman, contra a compra do Wall Street Journal pelo tubarão da mídia Rupert Murdoch ("O fator Murdoch na mídia americana", ver abaixo).

A matéria é triplamente meritória: a) pelo conteúdo; b) pela revelação de que o NYTimes manifesta-se ostensivamente sobre os negócios do concorrente e, c) pelo fato de levar um jornalão brasileiro a discutir em público a questão da propriedade de um veículo de comunicação. Ainda que em outro mercado, no hemisfério norte [ver remissões abaixo].

A imprensa brasileira deixou de se expor à opinião pública. Discute tudo, menos a vida íntima das empresas jornalísticas. A imprensa brasileira deixou de brigar pela integridade da imprensa brasileira. Mas o que se passa dentro de uma empresa jornalística é de interesse da sociedade.

Pacto de silêncio

Se Murdoch efetivamente comprar o poderoso Wall Street Journal, ficará em Nova York com dois jornais – o New York Post, que atua no segmento popular, e o jornalão de negócios, um dos mais influentes diários do mundo, o WSJ.

O NYTimes tem obrigação de discutir isso publicamente porque Murdoch, além de tubarão, é um dos maiores reacionários no mundo da mídia. Não respeita os princípios de isenção, não tem o menor apreço pelo equilíbrio dos veículos que coleciona e, além disso, tem o maior desprezo pelo que pensam os seus empregados. Mesmo os do primeiro escalão.

Os EUA estão discutindo a compra do WSJ e assim também a opinião pública inglesa, porque Murdoch já é dono do Times de Londres e ao acrescentar um jornalão americano ao seu formidável portfólio tornar-se-á imbatível.

Se o NYTimes não discutisse a compra do concorrente estaria traindo os interesses dos seus leitores e dos seus anunciantes. Se ficasse omisso, seria acusado de cúmplice e irresponsável. Sua biografia ficaria indelevelmente comprometida.

No Brasil, é diferente. A imprensa é um dos poucos tabus da nossa imprensa. Foi estabelecido um pacto de silêncio em torno da mídia em geral e dos jornais, em particular. A ANJ (Associação Nacional dos Jornais, que transcende ao segmento diário e em algumas questões abarca também os semanários, a despeito da existência da ANER, entidade revisteira) adota rigorosos códigos de conduta.

Primeira grandeza

O pluralismo e a diversidade da nossa mídia são condicionados pelo corporativismo desta mesma mídia. A pauta dos jornais brasileiros teoricamente tem poucas limitações – em princípio a grande imprensa trata de tudo. A realidade é outra: uma vaca sagrada verdadeiramente intocável foi instalada no âmago da nossa imprensa e impede que a sociedade seja informada do que se passa intramuros.

Significa que nosso jornalismo – por melhor e mais brilhante que seja nos seus aspectos formais, intelectuais e operacionais – está proibido de ser absolutamente transparente. Em certas disciplinas é assumidamente opaco. Não por culpa de poderosos governos ou delirantes caudilhos, mas por opção própria. Vocação suicida. Nossa imprensa transgride voluntariamente uma das suas principais funções e não consegue perceber que perde o direito de exigir transparência e limpidez nas diferentes esferas da sociedade.

Quando o jornalista-empresário Ary de Carvalho tomou O Dia do deputado-empresário Chagas Freitas (que, por sua vez, o havia tomado de Ademar de Barros), o assunto não vazou, circunscrito às conversas de bar. Chagas Freitas foi durante duas décadas o presidente do Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais do Rio de Janeiro, precursor da ANJ. Não obstante, foi atropelado pelo pragmatismo/corporativismo dos ex-parceiros – "o rei é morto, viva o rei". A imprensa americana ou inglesa ou alemã ou francesa ou espanhola, jamais manteria este assunto na gaveta. [Ver, neste Observatório, "O Rei está morto, viva o Rei")

Os procedimentos e negócios do empresário Nelson Tanure nunca foram examinados pelos seus pares. Mesmo o seu exótico hobby de colecionar ou alugar moribundos (Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, CNT, IstoÉ) não consegue despertar o interesse de uma imprensa geralmente tão sensível aos escândalos.

O Globo iniciou uma formidável série de reportagens sobre "Impunidade". Mais do que investigação, é uma magnífica exibição de um dos principais atributos e deveres da imprensa: sua capacidade de lembrar e referenciar. No domingo (1/7), à página 3, um quadro simples e aterrador: os dez escândalos dos últimos dez anos, todos impunes. Começa com os precatórios (1997) e termina com os sanguessugas (2006).

Ficou de fora o escândalo da compra do Dossiê Vedoin para ser publicado no semanário IstoÉ, um dos únicos casos em que a infalível Polícia Federal reconheceu a sua falibilidade. Crime eleitoral de primeira grandeza e cujo pivô era um veículo jornalístico. Sobrou. Escândalo na mídia não serve à nossa mídia.

Entrevista ignorada

No domingo 24/6, a Folha de S.Paulo publicou com enorme destaque uma entrevista com aquela que no dia seguinte ela própria classificaria como "Musa do Escândalo", Mônica Veloso, a ex-namorada do senador Renan Calheiros.

Com sutileza e alguma malícia, o jornal revelou o perfil da testemunha-chave da revista Veja sem contudo desqualificar o teor das graves acusações contra o senador. Como a moça quer aparecer, a Folha fez a sua vontade – mostrou-a.

Arrependeu-se: a entrevista passou uma semana inteira completamente ignorada pelos agilíssimos e atentos leitores da Folha de S.Paulo. Inacreditável: de segunda (25/6) a segunda (2/7), uma das seções de cartas mais dinâmicas da grande imprensa deixou de lado uma matéria superbadalada, picante, trepidante, politicamente incorreta porém muito reveladora sobre os bastidores do nosso jornalismo investigativo.

Rupert Murdoch, o rei da manipulação, não aprovaria este silêncio.

***

O fator Murdoch na mídia americana

Paulo Krugman # copyright The New York Times (29/6) e O Globo (30/6)

Em outubro de 2003, o Programa de Posturas Políticas Internacionais publicou um estudo chamado "Enganos, a mídia e a Guerra do Iraque". Ele mostrava que 60% dos americanos acreditavam em pelo menos uma das afirmações: havia provas da ligação entre Iraque e Al-Qaeda; foram encontradas armas de destruição em massa no Iraque; a opinião pública apoiava a guerra dos EUA contra o Iraque.

Esses enganos, porém, dependiam da fonte das notícias. Só 23% dos que assistiam os canais públicos PBS ou NPR acreditavam que alguma dessas afirmações fosse verdadeira, mas o percentual chegava a 80% nos que recorriam à Fox News. Dois terços dos fãs da Fox acreditavam que os EUA tinham provas de que Saddam Hussein cooperasse com a Al-Qaeda.

Então, alguém acha que está tudo bem a News Corp., de Rupert Murdoch, que controla a Fox News, comprar o Wall Street Journal? O problema com Murdoch não é que ele seja um ideólogo da direita. Se fosse apenas isso, ele seria menos perigoso. Ele é, antes, um oportunista que explora um ambiente de mídia desregulamentado por meio da distorção do noticiário para favorecer quem ele acredita que ajudará seus negócios.

Nos EUA, essa estratégia significou o favorecimento do governo Bush – mas ano passado ele se protegeu arrecadando fundos para a campanha de Hillary Clinton ao Senado. Na Grã-Bretanha, Murdoch apoiou Tony Blair em 1997 e deu-lhe uma cobertura favorável, "assegurando", diz o New York Times, "que o novo governo deixasse intactos seus ativos britânicos". E, na China, as organizações de Murdoch cuidaram de não ofender a ditadura.

O pessoal de Murdoch não faz afirmações falsas: eles induzem ao engano por indiretas. Nos primeiros meses da ocupação do Iraque, a Fox cobriu exaustivamente cada relatório de possíveis armas de destruição em massa, com pouco ou nenhum espaço para a posterior descoberta de que fora um alarme falso.

Quando tudo falha, as empresas jornalísticas de Murdoch simplesmente param de cobrir assuntos inconvenientes. O Projeto para Excelência no Jornalismo apurou que, no primeiro trimestre de 2007, os programas diurnos da Fox News dedicaram apenas 6% de seu tempo à Guerra no Iraque, contra 18% na MSNBC e 20% na CNN. O que tomou o lugar do Iraque?

Anna Nicole Smith, com 17% do espaço da Fox.

Os defensores da oferta de Murdoch pelo Journal afirmam que não devemos julgá-lo pela Fox News, mas por sua condução do venerável Times de Londres, que ele comprou em 1981. Realmente, o viés político do Times é muito menos óbvio que o da Fox News. Mas vários funcionários do Times disseram ter havido pressões para manipular a cobertura – e todos que vi defenderem a administração de Murdoch ainda estão em sua folha de pagamento.

Não há obstáculos legais à compra do Journal pela News Corp. Mas a pressão da sociedade poderia evitar isso. Talvez o Congresso pudesse fazer audiências.

Se Murdoch comprar o Journal, será um dia triste para a mídia e a democracia americanas. Se houvesse justiça, Murdoch, que fez mais que qualquer um no jornalismo para levar os EUA a uma guerra injustificável e desastrosa, seria um pária desacreditado. Em vez disso, ele está expandindo seu império. [Paul Krugman é colunista do New York Times]

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Política de comunicações: balanço provisório de um semestre inusitado

O primeiro semestre de 2007 chega ao fim e, para o bem ou para o mal, o setor de comunicações está vivendo um período de certa forma inusitado. Algo de novo parece estar acontecendo num setor historicamente dominado por uns poucos atores e interesses. 

Sem a pretensão de fazer um balanço amplo e completo, mas apenas de registrar iniciativas/eventos importantes, aqui vão meia dúzia de sinais desse tempo que se espera seja um tempo de mudanças.

1. A mídia e seu papel numa sociedade democrática entraram definitivamente na agenda pública de discussão. Apesar da resistência da grande mídia, desde as eleições de 2006 pipocam por todos os cantos iniciativas neste sentido. A condenação unânime do governo da Venezuela, no caso da não-renovação da concessão da RCTV, contribuiu para "esquentar" o debate. E ele está vivo na internet, nas escolas (de todos os graus), no Congresso, nas igrejas, nos sindicatos, na mídia alternativa etc., etc.

Debater a mídia – como se debate outras instituições de caráter público – é necessário e fundamental.

2. O governo do presidente Lula chamou a si a responsabilidade de incentivar a criação de um sistema público de comunicação. Depois da bem-sucedida iniciativa, liderada pelo Ministério da Cultura, de realizar um Fórum Nacional de TVs Públicas, um novo ministro assumiu a Secretaria de Comunicação Social, vários grupos de trabalho estão funcionando e a Rede Pública de Televisão, priorizada, começa a se concretizar. Espera-se que já em agosto uma Medida Provisória neste sentido será enviada ao Congresso Nacional.

Num país que praticamente só conhece o sistema privado comercial, um sistema público de televisão é mais do que bem vindo. É necessário.

"Não-atores" organizados

3. O Congresso Nacional tem promovido nas suas comissões específicas, tanto da Câmara quanto no Senado, audiências públicas sobre os impasses atuais do setor. Na Câmara, uma subcomissão da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), recriada ao início dessa legislatura, aprovou um novo Ato Normativo que regula a tramitação na Comissão dos processos de concessão e renovação de concessões de radiodifusão. Além disso, a Subcomissão continua trabalhando para apresentar propostas de regulamentação e alteração da legislação do setor.

Esse é um avanço importante, sobretudo se considerarmos que, desde 1988, o Congresso Nacional compartilha com o Executivo o poder de outorga das concessões de radiodifusão e que membros da CCTCI são, direta e/ou indiretamente, vinculados à radiodifusão.

4. Um Encontro Nacional de Comunicação foi realizado em Brasília, como o apoio das Comissões de Direitos Humanos e de CCTCI da Câmara dos Deputados. Com a participação de dezenas de representantes de entidades da sociedade civil, foi aprovada uma carta dirigida ao presidente Lula. O texto pede a convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação a ser realizada nos mesmos moldes de outras já convocadas e bem-sucedidas. Vale dizer, uma conferência nacional democrática, plural e participativa, organizada de "baixo para cima" e com poderes deliberativos.

O Encontro mostrou que os "não-atores" estão organizados e tem articulação e força para participar da construção das políticas públicas do setor.

Esforço histórico

5. O debate gerado pela Portaria 264 do Ministério da Justiça em torno da classificação indicativa dos programas de televisão, apesar da instrumentalização da liberdade de imprensa no discurso público dos radiodifusores privados, tem revelado não só os verdadeiros interesses em jogo, mas também qual é a noção de interesse público com a qual esses grupos operam.

Embora pareça ter havido um recuo do governo para atender os interesses dos radiodifusores privados, a questão ainda não está resolvida.

6. Continuam em debate as potencialidades que a transição para o sistema digital de rádio e televisão oferece para a democratização das comunicações e a elaboração de um projeto de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa. Parece não estar encerrada a disputa entre aqueles que querem aumentar a pluralidade dos emissores na radiodifusão e os que pretendem perpetuar o poder dos atuais concessionários.

A entrada das empresas de telefonia "no jogo" e os projetos de lei representando os interesses dos diferentes atores que foram apresentados na Câmara dos Deputados são indícios de que "a partida ainda não acabou".

Muito do que só agora aparece é resultado de anos de lutas de pessoas e instituições no sentido de trazer o campo da mídia para o debate público e aumentar a consciência da população em torno da comunicação como direito humano fundamental. Essa é uma tarefa indispensável para o avanço da democracia entre nós.

Será que os primeiros resultados desse esforço histórico estão finalmente começando a aparecer?

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O audiovisual real e as estratégias virtuais

Não passou despercebido a muitos setores da atividade audiovisual o fato de que três filmes estrangeiros ocuparam sozinhos, nos últimos dias, cerca de 80% de todas as salas de exibição do país. Na semana passada, Shreck 3 estava em 705 salas, Piratas do Caribe 3 em 582 e O Homem Aranha 3, em 325. Considerando-se que o país tem 2.050 salas de exibição, isto significa que para todos os demais filmes (brasileiros e estrangeiros) restavam apenas 438 salas.

Ao mesmo tempo, o desempenho nas telas da maior parte dos filmes brasileiros tem sido pífio. Já não se fala dos chamados filmes "médios" e "pequenos" (documentários voltados para nichos estreitos etc). Tome-se uma produção de grande porte, com participação maciça da Globo Filmes, como Inesquecível. A distribuidora contava com 1,5 milhão de espectadores. O filme foi visto por 40 mil.

Não falta quem cobre neste momento uma mobilização maior por parte do setor cinematográfico para que esta situação seja revertida. Muito se tem discutido sobre isso na esfera das entidades cinematográficas e também no âmbito do governo. A questão de fundo, no entanto, está mais além e apenas ganha certa visibilidade com essa distorção. O que está por ser convenientemente entendido é a rápida modificação nos modelos de negócio que derivam da multifacetação do produto audiovisual.

Cachorros grandes

Não é mera coincidência, por exemplo, que os três blockbusters citados tenham em comum o fato de serem "parte 3". Em Hollywood, o termo "filme" está rapidamente sendo substituído por "franchise". É neste, muito mais do que naquele, que pensa hoje a indústria. Treze Homens e Um Novo Segredo, a terceira parte de Ocean’s Eleven, é o exemplo desta semana.

Claro que essa não é uma boa notícia para a criação cinematográfica e muito menos para a produção audiovisual em geral, incluindo-se a televisão. Nem do ponto de vista artístico, nem industrial. A produção audiovisual tornou-se refém de mitos criados e propagados por marqueteiros, que na maioria das vezes não entendem nem de arte nem de indústria, mas sabem como vender os seus serviços. Não se deve a outra razão os meros 40 mil espectadores de Inesquecível, nem à mediocridade generalizada das "partes 3".

A indústria cinematográfica não está sabendo como se comportar, por exemplo, em relação à pirataria que pode ser estimulada pelas transmissões de televisão digital terrestre, que começam dia 2 de dezembro no Brasil. Tem razões de sobra para estar atormentada. A indústria fonográfica não conseguiu combater a pirataria e está definhando por causa disso.

Na quarta-feira (20/6), o ministro Hélio Costa, das Comunicações, chegou a dizer, em coletiva à imprensa, que o governo brasileiro estava tomando providências para bloquear a gravação de conteúdo veiculado pela TV Digital, para conter a pirataria. No dia seguinte, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, encarregou-se de desmenti-lo. O assunto será tratado na próxima reunião do Comitê de Desenvolvimento do SBTVD, e a briga vai ser de cachorro grande. A primeira coisa que o governo terá que fazer é tomar medidas impopulares no momento em que está pedindo à sociedade para aderir ao novo sistema.

Sem erro

As produtoras internacionais estão pressionando as emissoras brasileiras por garantias de que o seu produto não seja pirateado e as emissoras repassam esta pressão para o governo. A verdade, porém, é que ninguém tem a menor idéia – nem no Brasil nem em qualquer outro país – de como evitar a generalização da copiagem e distribuição não-autorizada do conteúdo audiovisual com qualidade digital.

A eventual descoberta de uma solução para isso pode ser decisiva para evitar que ao cinema esteja reservado o triste destino da indústria fonográfica. O que existe de seguro é que não se pode agir digitalmente pensando analogicamente. Tudo o que era possível fazer para se evitar a pirataria no mundo analógico – controlando a circulação de cópias, até evitando a entrada de câmeras cinematográficas nos cinemas – já não faz o menor sentido. Assim como não faz sentido pensar na produção e distribuição de filmes da mesma maneira como isso era feito vinte anos atrás.

Se o presidente da República fosse falar sobre o assunto, poderia dizer, sem medo de errar, que jamais na história deste país o conhecimento da tecnologia esteve tão distante do conhecimento dos modelos de negócio que ela impõe e da adequação ao conteúdo à sua maneira de comercializá-lo.

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