Está no forno um documento que pode fazer uma grande diferença na cobertura de Internet no país – uma significativa ampliação do papel das redes de energia elétrica na oferta de conexões.
Trata-se de um Decreto, já em estágio de minuta, que versa sobre compartilhamento de infraestrutura, mas cujo maior potencial está na forma de remuneração de investimentos. A ideia é permitir que as elétricas capturem 70% das receitas extras, como telecomunicações, contra os atuais 10%, cenário considerado de muito pouco estímulo.
O setor elétrico já detém o principal tronco de telecomunicações do Brasil, ou seja, o mais abrangente backbone de fibras ópticas graças aos cabos OPGW (do inglês optical ground wire) que fazem parte do sistema de transmissão de energia. Também chamados de pára-raios, esses cabos são largamente utilizados pelas teles, graças a acordos de aluguel de infraestrutura.
O que pode fazer uma diferença enorme é alargar essa lógica para o sistema de distribuição de energia, vale dizer, para a rede que chega a praticamente todas as residências do país. No Brasil, não existe serviço mais abrangente. A energia elétrica alcança 98% dos lares – ou mais de 99% quando considerados apenas aqueles em áreas urbanas.
Originalmente, o mencionado Decreto, cuja minuta está sendo redigida pelo Ministério das Comunicações, era menos ambicioso. Seu objetivo era prever espaço em grandes obras de infraestrutura (rodovias, ferrovias, gasodutos, etc) para a construção de dutos que posteriormente poderiam ser utilizados para a implantação de fibras ópticas.
Além disso, o Decreto busca um tratamento mais racional para o uso dos postes do setor elétrico pelas empresas de telecom, tema de constantes conflitos entre as partes. O setor elétrico tem capilaridade ímpar, seus postes estão espalhados pelas cidades e as teles precisam deles para instalar suas próprias linhas de transmissão. Mas as divergências são comuns.
A principal delas é o preço. Quando o tema começou a ser estudado com mais atenção, há uns três anos, o uso de cada poste podia variar de R$ 1 a R$ 19. Resumindo de forma muito simplificada, o governo decidiu arbitrar um valor, de R$ 2,40 por poste, a ser adotado nos casos de solução de conflitos. Também será mandatória a reserva de espaço nos postes para uso das teles.
Modicidade tarifária
Discutir essa questão, porém, esbarrou no ponto mais sensível do setor elétrico: a regra de remuneração dos investimentos. Atualmente, o princípio utilizado pela Aneel é a razão 90/10. Isso significa que, além de sua atividade principal, as elétricas podem buscar formas extras de receita. Mas de cada R$ 100 arrecadados, R$ 90 devem reverter para a redução das tarifas de energia.
“Se mudarmos essa regra da modicidade, podemos criar um forte incentivo”, defende o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. O raciocínio é simples. Da forma atual, simplesmente não há estímulo para um uso mais eficiente – do ponto de vista de telecom – da invejável infraestrutura de eletricidade, visto que apenas 10% das receitas podem ser capturadas.
A proposta que vem sendo costurada com o Ministério de Minas e Energia e a Aneel muda profundamente o cenário. O Minicom defende que a razão da modicidade tarifária seja de 30/70, permitindo, portanto, que as empresas do setor elétrico fiquem com 70% das receitas obtidas com outros serviços, notadamente de banda larga.
Não é uma negociação simples – e não por capricho do regulador de energia. O Brasil conheceu, da pior maneira, o resultado da falta de zelo com o setor elétrico, em 2001. Em essência, desestimular atividades paralelas significa dar foco à geração, transmissão e distribuição de eletricidade. Até por isso, a Aneel parece preferir uma razão mais conservadora para a modicidade, 50/50.
Há, ainda, outras considerações. A Aneel questiona permitir remuneração maior em redes que, em muitos casos, já foram amortizadas – a implantação de cabos OPGW, por exemplo, data de mais de uma década. Além disso, existe uma determinação da Presidência da República para soluções que permitam a redução das tarifas, embora o maior impacto do preço final seja dos impostos.
Ainda assim, o momento é propício. A exemplo de boa parte do planeta, o Brasil precisa dar o próximo passo no sistema elétrico: a atualização para o que se convencionou chamar de smart grid, ou redes inteligentes. E isso é, basicamente, dotar o sistema de capacidade de comunicação digital de ponta a ponta. Ou seja, acoplar telecomunicações à rede de energia.
Isso já começou. Em 7/8 último, a Aneel aprovou a norma que trata dos novos medidores eletrônicos. A partir de fevereiro de 2014, os consumidores poderão exigir das distribuidoras a instalação desses novos equipamentos. Os mais simples permitirão uma nova forma de cobrança pelo uso da energia, chamada tarifa branca. Para os mais elaborados, o céu é o limite.
A importância desses novos medidores não pode ser subdimensionada. Sua motivação, como sói ao setor elétrico, é racionalizar o uso da energia. Com eles serão criadas, pelo menos, quatro faixas de preços de eletricidade, a depender da hora de consumo. Usar o chuveiro à tarde ou após as 21h será mais barato do que na hora de pico.
“Tarifa branca é tipicamente um sistema ganha-ganha. Ganha o sistema, ganha o consumidor, ganha a distribuidora. Reduzindo o aumento excessivo da necessidade de energia elétrica nos horários de ponta do sistema, investimentos podem ser postergados, evitando-se ‘Belos-Montes’ da vida”, resume o superintendente de Regulação dos Serviços de Distribuição da Aneel, Carlos Mattar.
Mas o potencial dos novos medidores é mais vasto. Já estão em desenvolvimento aparelhos que servem de roteadores – um dos principais projetos é do grupo Cemig/Light, em parceria com o CPqD e incentivos da Finep. Dito de outra forma, estão sendo criadas as condições de usar a capilaridade da distribuição de energia para resolver o que em telecom chama-se de “última milha”.
Há a questão do custo. Os medidores mais avançados poderão ser cobrados dos consumidores. Um aparelho comum custa algo como R$ 50. Os novos devem ficar, a preços de hoje, em média R$ 250. Os super medidores podem muito bem ultrapassar os R$ 600. Até por isso, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial desenvolve um projeto de fomento à indústria nacional nesse campo.
Por outro lado, tanto os cabos OPGW quanto os próprios medidores fazem parte das redes a serem beneficiadas com isenções de impostos no regime especial do PNBL, também em elaboração pelo Minicom. “Vamos baratear o custo do medidor desde que ele tenha condições de oferecer banda larga”, ressalta Laerte Cleto, do departamento de Indústria, Ciência e Tecnologia do ministério.
No conjunto, as iniciativas se aproximam do que o ministro Paulo Bernardo chamou de um plano de universalização da banda larga e é nesse contexto que ganha muita relevância a nova relação de ganhos da modicidade tarifaria. Ou, como explica Cleto, do Minicom, “é uma questão de dar viabilidade econômica ao uso de uma infraestrutura que já está instalada. Não fazer isso é um desperdício”.