O International Center for Media and the Public Agenda (ICMPA) da University of Maryland tornou público, no início da semana passada, os resultados de uma importante pesquisa sob o título "Openness & Accountability: A study of transparency in global media outlets".
Coordenado pela Dra. Susan Moeller (PhD Harvard; BA Yale), o estudo pesquisou os sítios de notícias das 25 principais empresas de mídia dos Estados Unidos, Inglaterra e do Oriente Médio [ABC; Al Jazeera (em inglês); CBS; CNN; Fox News; ITN; NBC/MSNBC; Newsweek; NPR (edição da manhã) ; PRI/BBC/WGBH: "The World"; Sky News; The BBC World Service; The Christian Science Monitor; The Daily Telegraph; The Economist; The Financial Times; The Guardian; The Int’l Herald Tribune; The Los Angeles Times; The Miami Herald; The New York Times; The Wall Street Journal; The Washington Post; Time e USA Today] em torno de cinco critérios básicos:
1. Correção de erros: existe disposição para reconhecer e retificar os erros cometidos?
2. Propriedade: os leitores sabem quem são os donos da empresa de mídia?
3. Política de emprego: como a empresa trata eventuais conflitos de interesses?
4. Política editorial: os leitores sabem quais são os valores que orientam o trabalho dos jornalistas?
5. Interatividade: os leitores têm canais para expressar seus comentários e críticas?
Dentre outros resultados, a pesquisa concluiu que a mídia hesita em admitir erros e é relutante em revelar suas políticas editoriais. Apenas 11 dos 25 sítios pesquisados publicam ou transmitem correções de matérias de maneira clara e somente 7 têm um ombudsman.
As conclusões também incluem uma afirmação do jornalista Sydney Schanberg, vencedor do prêmio Pulitzer, que diz:
"A imprensa (mídia) pede transparência para governos, corporações e para todos. Mas (…) os repórteres rejeitam transparência para eles mesmos, e ainda dizem que estão praticando bom jornalismo. O público precisa da explicação completa, que só pode ser dada pelos próprios repórteres".
De acordo com os critérios da pesquisa, os sítios com maior grau de transparência são o The Guardian, o New York Times, a BBC News, a CBS News e o The Christian Science Monitor. Os menos transparentes são Time Magazine, CNN, ITN, Sky News e Al Jazeera.
Mais abertas
Uma parte importante do relatório disponibilizado ao público refere-se à justificativa do ICMPA para o porquê de fazer uma pesquisa sobre "transparência" na mídia. Depois de uma rápida menção a casos recentes em que a falta de transparência gerou escândalos tanto no business (casos Enron e Arthur Andersen) como no governo (a invasão do Iraque baseada em informações falsas), o estudo afirma que transparência é uma buzzword (jargão) do século 21.
Para a mídia, a transparência é não só uma maneira de avaliar como os jornalistas e as empresas estão se comportando em relação aos seus próprios valores, mas uma parte natural destes valores.
Nos últimos seis anos, as pesquisas realizadas pelo conceituado The Pew Research Center for the People and the Press revelam consistentemente que metade ou mais do público americano acredita que as organizações de mídia são politicamente tendenciosas. As mesmas pesquisas revelam que boa parte do público acredita que a mídia prejudica (hurts) a democracia. E, além disso, não é mais novidade que o público não acredita nos produtores de notícia.
Por tudo isso, a ICMPA diz que as organizações de mídia precisam ser mais humildes e mais abertas. Elas devem permitir que suas audiências saibam como elas fazem o que fazem – e por que fazem o que fazem. No final das contas, transparência se transforma em responsabilidade e, esta, em credibilidade.
Perda de confiança
Desnecessário dizer que os resultados da pesquisa do ICMPA deveriam provocar algumas reflexões por parte da mídia brasileira. Por um lado, algumas das empresas globais dos sítios que receberam avaliações mais negativas têm parcerias com empresas brasileiras. A IstoÉ publica conteúdo da Time; a Band conteúdo da TV Al Jazeera; e a Globo é antiga sócia da Sky (News Corporation).
De outro lado, se em países de democracia mais consolidada do que a nossa, empresas tradicionais de mídia foram avaliadas de forma tão negativa, quais seriam as avaliações da mídia nacional se realizássemos aqui uma pesquisa semelhante?
Já tive a oportunidade de comentar sobre pesquisa mundial que o Instituto GlobeScan realizou para a BBC, a Reuters e o The Media Center sobre a credibilidade de várias instituições [ver, no OI, "Pesquisa revela a (des)confiança na mídia" e, de Carlos Castilho, "Credibilidade na imprensa é maior nos países pobres"]. No Brasil, o trabalho foi realizado pela GfK Indicator em março de 2006 – quase um ano depois do início da grave crise política que envolveu o país. Foram ouvidos, por telefone, mil adultos de nove regiões metropolitanas – Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Mais da metade dos entrevistados – ou 55% – declarou que não confiava nas informações obtidas através da mídia. Entre todos os países pesquisados, esse percentual é igual ao da Coréia do Sul e só não é mais negativo do que o obtido na Alemanha (57%).
A pesquisa revelou também que o Brasil é, comparativamente, o país onde os entrevistados estavam mais descontentes com a sua própria mídia: 80% disseram que a mídia exagera na cobertura das notícias ruins; 64% concordam que raramente encontram na grande mídia as informações que gostariam de obter; 45% não concordam que a cobertura da grande mídia seja acurada; e 44% declaram ter trocado de fonte de informação nos 12 meses anteriores por terem perdido a confiança.
Resultado conhecido
No Brasil, portanto, a percepção majoritária do público é de uma grande mídia que exagera na cobertura apenas do que é ruim e na qual a maioria não confia nem encontra o que quer. Além disso, quase a metade dos entrevistados não acredita que ela cubra os fatos corretamente e declara haver mudado de fonte de informação por falta de confiança.
Em qual dos cinco critérios básicos da pesquisa do ICMPA nossa grande mídia teria chance de se sair bem? Existe na nossa mídia disposição para reconhecer e retificar os erros cometidos? Os nossos leitores/ouvintes/espectadores sabem quem são os donos das empresas de mídia e quais são os seus interesses? Por acaso sabemos como as principais empresas de mídia brasileiras tratam os eventuais conflitos de interesses que surgem entre os seus contratados e o interesse público? Por acaso sabemos quais são os valores que orientam o trabalho dos jornalistas ou temos canais efetivos para expressar nossos comentários e críticas?
Deixo para os leitores(as) as respostas que a sua própria experiência comprove, mas não tenho dúvida de qual seja o resultado.
* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).
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