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TV Digital: bem-vindo à televisão secreta

No dia 2 de dezembro, você está convidado para uma festa exclusivíssima. A comida será ótima, a bebida maravilhosa, a música sublime. O ambiente será o mais moderno e luxuoso, um espanto da alta tecnologia. Mas há um detalhe que talvez faça murchar o suflê: não haverá nenhum convidado na festa, apenas os anfitriões. Os convidados – e você entre eles – vão demorar meses para chegar. E enquanto não chegarem, os anfitriões vão fazer de conta que está tudo bem e vão dançar sozinhos, beber sozinhos, empanturrar-se sozinhos. Não é o máximo da exclusividade?

Bem-vindo à festa da TV Digital. A televisão da qual todo mundo fala e todo mundo lê, mas que raríssimos viram, vêem ou verão tão cedo. A televisão que chega para revolucionar o modo como se assiste TV, mas que vem pelas mãos dos velhos oligarcas de sempre da radiodifusão, de seus valetes no parlamento e no governo, e de seus camaradas da indústria eletrônica – ou seja, dos que não querem revolucionar coisa alguma. Tanto falaram, tanto fizeram, tanto defenderam o seu projeto e combateram os que se opunham a ele, e aí está a sua obra: uma televisão secreta, que será lançada sem que ninguém possa vê-la.

Fantasma da imagem

Previa-se para a noite de 2 de dezembro um imponente show de televisão, realizado em conjunto pelas grandes redes, para apresentar as virtudes da TV Digital e celebrar as grandes mudanças que ela trará ao entretenimento, à informação e à cultura. Desejava-se algo grandioso, que sinalizasse a pujança da televisão aberta brasileira e afirmasse seu poderio, diante das ameaças que enfrenta neste início de século, com o avanço da internet, da IPTV, das mídias portáteis com suporte para imagem.

Mas deu xabu no foguetório pretendido. O que irá ao ar será apenas um vídeo de 5 minutos, provavelmente transmitido em cadeia por todos os canais, anunciando o advento da nova tecnologia televisiva. Vídeo que será visto por 99% dos telespectadores em seus aparelhos analógicos, sem qualquer chance de perceberem as vantagens a digitalização lhes traz.

Não há qualquer decodificador de sinais digitais para aparelhos analógicos – o chamado set top box, ou caixa conversora – à venda nas boas casas do ramo. Nem nas más. O aparelho que permitiria à patuléia captar os sinais digitais em seu televisor trocado na última Copa do Mundo ainda é objeto de uma queda-de-braço entre o governo e a indústria eletrônica. Esta quer lançá-lo com preço superior a 800 reais, aquele insiste que pode fazê-lo a 250 reais. Ela quer redução de impostos, incentivos e beijinhos na orelha para atendê-lo, ele diz que não, nem pensar, é ganância demais.

Enquanto se digladiam, o tempo passa e a tigrada aguarda, arrumando o bom-bril na antena para espantar o fantasma da imagem. Só os ricos estão sossegados, com suas caríssimas telas de plasma ready for HDTV.

Resultado insólito

Os próprios radiodifusores já estão se referindo à TVD como o "mico digital". Sentem-se desconfortáveis em embalar o símio que pariram. E, de fato, não é para menos. A responsabilidade pelo fiasco que se avizinha, e que ficará mais evidente nos próximos dias, é inteiramente deles. Foram ingentes os seus esforços, nos últimos anos, para controlar com mão-de-ferro o processo de implantação da TV Digital, obstruindo todas as divergências e recusando qualquer debate mais aprofundado, para preservar seus interesses de mercado. Construíram o modelo de TVD que queriam, portanto não podem reclamar.

Recordemos que eles lutaram pelo padrão técnico japonês, indiscutivelmente o melhor avaliado nos testes para as condições geográficas do país, mas restrito ao mercado do Japão e, portanto, mais caro que os padrões americano e europeu, muito mais disseminados. Recordemos que essa opção se deu, em larga medida, porque o padrão japonês permite a transmissão simultânea para receptores comuns e para dispositivos portáteis, como o celular, dispensando a intermediação das empresas de telecomunicações – o que significava barrar o seu acesso ao mercado da TV aberta.

Recordemos também que a indústria eletrônica implantada no mercado brasileiro desejava, majoritariamente, o padrão europeu. Recordemos ainda que o governo flertou com a idéia de desenvolver um sistema exclusivamente brasileiro, repetindo o erro da tecnologia de televisão colorida PAL-M, e que imaginou uma parceria com os chineses, antes de render-se aos encantos do eletrosushi.

Recordemos especialmente que esse mesmo governo começou a debater a TV Digital de forma ampla e democrática, constituindo um conselho consultivo com representantes de múltiplos setores sociais, mas depois esvaziou esse processo e entregou-o à radiodifusão e à indústria eletrônica, excluindo a sociedade do Fórum da TV Digital.

Esses fatores, combinados, produzem o insólito resultado: uma tecnologia que chega ao mercado sem disponibilidade de aparelhos para ser consumida. Sem contar o fato de que, das muitas funcionalidades que ela agrega à televisão, terá inicialmente apenas uma, a transmissão em alta definição de imagem e som (imagem duas vezes mais nítida que a atual, som de CD).

Vá ao cinema

Ótimo, dirá você, quero uma TV "que seja um cinema". Mas não lhe explicaram direito que a alta definição só existe para os televisores nascidos digitais, que ela não funciona no seu televisor analógico, mesmo que você compre a caixa conversora de 800 reais – ou mais – que a indústria eletrônica quer lhe impingir. Muito menos lhe disseram que a alta definição só é perceptível, só demonstra sua imensa vantagem, nas telas grandes, superiores a 27 polegadas. Até essa medida, a imagem e o som melhoram bastante, mas não a ponto do telespectador notar a brutal diferença obtida nas telas maiores.

Considerando que a esmagadora maioria dos brasileiros tem televisores de 16 a 20 polegadas, 40% deles com antena interna (as duas varetas onde se pendura o bom-bril), a caixa conversora servirá apenas para eliminar os fantasmas, chuviscos e chiados, que inexistem na TV Digital. É uma vantagem e tanto, mas quem pagará o preço de dois ou três televisores analógicos atuais para tê-la? E se não há dinheiro para isso, quantos poderão investir nas telas de plasma "prontas para HDTV" para ver novela em alta definição? Aliás, quem precisa de alta definição para ver novela?

Quer mais perguntas? Onde estão os celulares capazes de sintonizar TV Digital? Onde estão os televisores para carros, barcos, aviões? Quando vai começar a televisão móvel, a outra vantagem que – dizem eles – a nova tecnologia nos trará, visto que a interatividade ficará para as calendas gregas?

Seja bem-vindo, pois, à gloriosa TV Digital. Mas na noite do dia 2, aproveitando que é domingo, vá ao cinema. Lá você encontrará a qualidade que lhe prometeram, e que vai demorar para chegar à sua casa.

A banda larga é muito mais importante que a TV Digital

O governo federal decidirá até o dia 12 de dezembro sobre uma proposta do Ministério das Comunicações propondo a instalação de, pelo menos, um terminal de banda larga em todos os 5.564 municípios em substituição ao plano, ainda não executado, de criação de 8.462 Postos de Serviço de Telecomunicações (PST), em todo o país.

É mais uma mudança de rumo nesta complicada questão da infraestrutura de telecomunicações no país, um terreno onde a opinião pública e o consumidor são tradicionalmente mantidos longe das deliberações.

O governo, as empresas de telecomunicação e a imprensa têm fortes interesses em jogo nesta questão, razão pela qual preferem trata-la dentro de quatro paredes, e apresentar fatos consumados aos eleitores.

Ainda não se sabe o que está por trás da proposta do ministério das Comunicações, uma área do governo onde o lobby corporativo é violento, mas silencioso. A proposta de mudança de estratégia dos PSTs para a banda larga é a melhor opção do ponto de vista de desenvolvimento econômico e social futuro, mas é preciso saber também o que as empresas de telecomunicações vão levar nesta jogada.

Há poucas dúvidas de que elas vão ganhar com a nova proposta do Ministro Helio Costa, porque se fossem perder, mesmo que pouca coisa, o lobby contra a medida já teria começado e com força.

O ministro pode estar tentando abrir uma nova frente de visibilidade pública depois que perdeu a guerra interna no governo pelo controle da nova rede nacional de emissoras estatais de televisão.

Independente do jogo político-corporativo em torno da banda larga, uma coisa é certa: a ampliação do sistema de banda larga é de importância estratégica para o país e sua relevância deveria ter ofuscado o debate sobre a televisão digital."

A banda larga é essencial para o ensino à distância, para a formação de clusters[1] corporativos, para a formação de comunidades online e para a disseminação da informação etc. Por ela também pode circular o sinal da televisão digital, que chegaria à casa dos usuários, como acontece com a TV a cabo.

Acontece que a TV digital é um negócio que interessa às redes de televisão instaladas no país, em especial à TV Globo, por isto a questão foi apresentada à opinião pública como muito mais importante do que a banda larga, num esforço das emissoras de atrair verbas públicas, evitando usar recursos próprios.

A criação de uma rede nacional de banda larga é estratégica porque viabiliza a inclusão de escolas, empresas e milhões de usuários domésticos, que se conectariam ao backbone (espinha dorsal) do sistema por meio de sistemas sem fio como o WiFi e WiMax, que podem ser instalados nas mesmas torres usadas para telefones celulares.

Dinheiro não é problema, porque o governo tem à sua disposição a bagatela de seis bilhões de reais que dormem na conta do FUST , um fundo criado em 2001 e que deveria ser usado para a universalização das comunicações telefonicas. As operadoras estão de olho grande nesta montanha de dinheiro que o governo pode agora usar para a banda larga.

Como as empresas de telecomunicações e as grandes redes de televisão são as maiores interessadas nesta questão, é inevitável que elas tratem de reduzir a discussão pública sobre o tema ao mínimo possível. Elas só abrirão o jogo quando seus interesses forem contrariados.

A transparência neste debate é, portanto, essencial para que a discussão sobre a rede nacional de banda larga realmente sirva para acelerar a inclusão digital, sem a qual nosso desenvolvimento futuro está comprometido, conforme vocês podem ler , no post anterior A Lógica da Inclusão.

Caso Júlio Lancellotti: o apedrejamento jornalístico

Agora é tarde. As pedras já foram lançadas contra Júlio Lancellotti. Aqueles que por algum motivo discordam de sua maneira de ver e atuar estão secretamente felizes. Ou não tão secretamente. Aqueles que praticam o jornalismo do escancaramento, com ou sem evidências, já cumpriram sua missão.

Hermano Freitas, por exemplo, utilizando locuções verbais para exprimir fatos acontecidos (ou não?) em época passada, escreveu: "ex-interno da Febem, Batista teria conhecido e iniciado um relacionamento amoroso com o padre na instituição, onde foi internado aos 16 anos por roubo." (Folha Online, 27/10/2007). A expressão "relacionamento amoroso" é o que interessa, sobretudo num momento em que casos registrados de pedofilia dentro da Igreja católica criaram e difundiram a sensação de que o mais provável é que se repitam sempre e em todo lugar.

O recurso das aspas funciona como pretexto para reproduzir a fala irresponsável de quem quer que seja sobre o que for. Na mesma matéria de Hermano Freitas, lemos, com as aspas indicando (heróica objetividade…) as palavras de um outro: "‘Eles chegaram a ter relações sexuais dentro da igreja’, disse o advogado de Batista. […] O advogado afirma que o valor dos bens recebidos por seu cliente foi de ‘quase 700 mil reais’ e que o relacionamento entre o padre e ex-detento acabou após Batista ter se casado, em outubro de 2006. Ainda de acordo com ele, o sacerdote mantinha relações sexuais com outros meninos."

Michael Jackson da Mooca

Diogo Mainardi, na Revista Veja (ed. 2031), adota outro expediente. O da pseudo-insinuação. Chamar o padre de "Michael Jackson da Mooca" é colocá-lo no banco dos réus por antecipação, e reduzir a figura do sacerdote à imagem de um astro pop tupiniquim.

Na Record, o programa "Fala que eu te escuto" emitiu seu veredicto. O problema de Júlio Lancellotti é o celibato. Se não houvesse celibato obrigatório para os padres, esses casos deixariam de existir. Não é bem uma pergunta, ou uma enquete… É condenação mesmo.

No dia 3 de novembro, divulgou-se na mídia o "desabafo público" de Padre Lancellotti, depois das pedradas: "aquelas coisas todas, que foram ditas e colocadas nas manchetes dos jornais e dos noticiários, não aconteceram."

A mídia não sente culpa. Ninguém admitirá que atirou a primeira, a segunda, todas as pedras.

E sempre há uma chance de, antes do Natal, aplicar o golpe de misericórdia.

Gabriel Perissé é doutor em Educação e escritor.

TV Brasil: os midiocratas contra a publicidade

Estava demorando, mas agora voltou a normalidade no processo de implantação da nova televisão federal, constituída sob a também nova EBC (Empresa Brasileira de Comunicação). O estranho silêncio das emissoras comerciais sobre a TV Brasil chegava a dar, a alguns, a impressão de neutralidade, ou até de indiferença, como se a montagem de uma rede nacional de televisão, apoiada em dotação estatal de R$ 350 milhões anuais e ainda com liberdade para captar publicidade, não tivesse maior significado no restrito e oligopolizado mercado da mídia eletrônica. Mas os empresários do setor já começaram a alvejar a Medida Provisória 398, por intermédio de sua vasta tropa de choque no Congresso Nacional, e o jogo agora transcorre de forma mais habitual e previsível.

Qual é a bronca dos "midiocratas" com a nova TV? Certamente não é com o fato de estar sendo criada por medida provisória, em vez de projeto de lei a ser debatido no Congresso. Os resmungos em torno dessa formalidade são apenas isso, muxoxos, posto que é tão possível discutir a proposta governamental na forma de MP quanto de PL, assim como obstruí-la, se houve vontade para uma ou outra coisa. O que a mídia comercial não deseja é que se fortaleça a estrutura pública de televisão, sobretudo pelo acesso a recursos publicitários. Não quer um competidor que lhe roube audiência, depreciando suas tabelas de publicidade, e ainda dispute com ela as verbas dos anunciantes. Acha que isso é concorrência desleal.

Fora do bolo

Assim é que os artilheiros da radiodifusão comercial no Congresso já assestaram seus canhões contra a MP, fazendo com que boa parte das 132 emendas apresentadas tenham por alvo a questão da publicidade. Como o texto proíbe "anúncios de produtos e serviços", mas autoriza a "publicidade institucional de entidades de direito público e privado, a título de apoio cultural, admitindo-se o patrocínio de programas, eventos e projetos", os adversários da televisão pública querem definições legais precisas – na verdade, interdições – para os conceitos de "publicidade institucional" e "apoio cultural". Querem diferí-los bem da publicidade comercial convencional, para impedir que a TV Brasil ponha as mãos no bolo de R$ 60 milhões que estima obter com a captação de recursos privados.

O curioso é que, mesmo sem amparo legal sólido, a venda de publicidade nas emissoras públicas ocorre já há muitos anos, quase duas décadas, sem que os midiocratas e seus parlamentares se dessem ao trabalho, até agora, de contestá-la. E por que não o faziam?

Por um lado, porque defendem o enxugamento do Estado e achavam ótimo que os governos, federal e estaduais, reduzissem progressivamente os aportes que fazem às emissoras públicas. E por outro lado, porque não se preocupavam com migalhas.

Para se ter uma idéia, os recursos de publicidade captados pela TV Cultura de São Paulo, a maior emissora pública do país, estão em torno dos R$ 30 milhões anuais, ou 120 vezes menos do que faturou a TV Globo em 2006 (R$ 3,6 bilhões). Estima-se que todo o campo público, reunindo as emissoras educativas abertas e as estações públicas da TV a cabo – canais legislativos, comunitários e universitários – opere com um orçamento anual na faixa de R$ 400 milhões, dos quais apenas uma parte, inferior a 20%, vem da publicidade.

Os R$ 60 milhões ambicionados pela TV Brasil, nesse contexto, não provocariam nenhum abalo estrutural nos fundamentos do negócio televisivo. Mas podem ser apenas a meta inicial da nova rede pública, que surge vitaminada por investimento estatal e apoio governamental de proporções inéditas. Se a rede alcançar seu objetivo de comunicar-se com a grande massa telespectadora, produzindo índices de audiência superiores ao máximo de 5% obtido pelas atuais emissoras públicas, entrará no jogo para competir com as redes comerciais. E, obviamente, fará os R$ 60 milhões iniciais multiplicarem-se, porque será atrativa aos anunciantes.

Equipe competente, rede competitiva

As condições para isso estão dadas. A equipe de gestão é competente e, mantido o aporte anual de R$ 350 milhões do orçamento federal, até o final do governo Lula a TV Brasil terá obtido R$ 1,4 bilhão para custeio e investimentos, o que é dinheiro suficiente para fazer uma boa e atraente programação. Não lhe será difícil captar outros R$ 300 milhões em publicidade comercial, se pontuar no Ibope e repercutir na opinião pública. De grão em grão, encherá o papo e poderá incomodar os interesses privados em poucos anos. É tudo o que os midiocratas não querem.

Daí que vejam "desvirtuamento", quando a televisão pública deseja formalizar em lei o direito de captar publicidade que já exerce na prática. O fato de explorarem uma concessão pública para fins privados sem qualquer contrapartida ao Estado, salvo os impostos que pagam (quando pagam), certamente não vem ao caso, na análise que fazem. Ou seja: as emissoras comerciais podem faturar bilhões sem pagar um tostão pelas concessões que utilizam, mas o Estado não pode arrecadar esse mesmo tostão no mercado publicitário, porque é "antiético". É uma lógica mais que conveniente.

Quer dizer, então, que a publicidade em televisão pública não deve ser regulada? Que não se deve aclarar o que significam, na prática, "publicidade institucional" e "apoio cultural"? Que a precariedade legal e a rotina do fato consumado que imperam no mercado televisivo em geral devem eternizar-se, porque a boa regulação é aquela que não atrapalha os negócios – sejam eles privados ou públicos?

Certamente não. A publicidade em TV pública deve ser regulada, mas para que seja autorizada. A injeção de recursos captados no mercado anunciante é um instrumento de equilíbrio financeiro que protege as emissoras públicas das idiossincrasias de governantes, sempre tentados a fechar a torneira dos repasses de verbas na primeira dificuldade de caixa que enfrentam. Uma televisão pública que tenha independência política do governo, mas dependa do dinheiro que venha dele, nunca terá real autonomia. O acesso à publicidade, se não garante, reforça essa autonomia.

Responsabilidade social e interesse público

O mercado anunciante, as agências de publicidade e as emissoras comerciais sabem muito bem o que significam "publicidade institucional" e "apoio cultural". As Casas Bahia, por exemplo, sabem que não vão explodir em vendas quando inserem publicidade na TV Cultura, para financiar a digitalização do acervo da emissora, um patrimônio da cultura brasileira (serviço que, aliás, já está bem adiantado). Sabem que estão fazendo uma ação de responsabilidade social, de amplo interesse público, e que o seu retorno é de imagem, é a simpatia que merecem pelo esforço, portanto um retorno institucional. Sua agência também sabe disso, e as emissoras comerciais idem.

A confusão que se estabelece entre publicidade institucional e comercial vem da ausência de tradição do mercado brasileiro, na produção de peças publicitárias do primeiro tipo. Ainda é anti-econômico para os anunciantes investir em filmes institucionais, para veiculação exclusiva em TV pública. Se tiverem custos de produção, além dos custos de veiculação, a equação ficará pesada e desmotivará o apoio cultural que desejam dar às emissoras públicas. Mas isso pode se resolver se emissoras, anunciantes e agências trabalharem juntas, na produção de materiais institucionais que sejam adequados à grade da televisão não-comercial e tenham custo compatível.

Sim, muito bem, mas ao fim e ao cabo a inserção de publicidade não vai desvirtuar mesmo a programação, produzindo também ali as baixarias e os programas de apelo fácil, vazios de ética e de conteúdo? Não, se a publicidade for minoritária no conjunto das receitas das emissoras públicas, para que a lógica comercial não domine, e se for rigidamente concebida, aplicada e controlada, com espírito público e no interesse coletivo. É algo plenamente possível, tanto que a TV Cultura de São Paulo, a TVE do Rio de Janeiro, a Rede Minas, a TVE-Bahia, a TVE-RS e tantas outras mantém intacta a sua credibilidade, mesmo com os comerciais que veiculam.

Em resumo, se a idéia de regular a publicidade da futura TV Brasil vem para viabilizá-la e para fortalecer todo o campo público da televisão, que seja bem-vinda e discutida com a seriedade que merece. Mas se vem, como em muitos outros assuntos, como álibi para que a televisão comercial iniba o crescimento do setor público na radiodifusão, deve ser rechaçada com todo o vigor.

“Sexo”, “dinheiro”, “padre”: haja apelação

É um escândalo a forma como a Folha noticia hoje os mais recentes desdobramentos do caso do padre Júlio Lancelotti – comentado aqui no artigo “Para não repetir a tragédia da Escola Base.

O retrospecto, em poucas palavras: depois que a polícia informou ter preso em flagrante um dos membros do grupo acusado pelo padre de chantageá-lo para não divulgar atos de pedofilia que teria praticado, uma mulher, que não quis se identificar, disse à TV Record e em seguida à polícia que certa vez viu o padre beijando um adolescente.

Ontem, a polícia informou a prisão de  três outros acusados de extorsão. O principal envolvido, Anderson Batista – lê-se na chamada de primeira página do Estado – “disse que o padre lhe dava dinheiro espontaneamente e que mantinham relações sexuais”.

Título da chamada: “Polícia vai pedir quebra de sigilo de padre Júlio”.

Agora, o título da chamada da Folha: “Ex-interno diz que fazia sexo por dinheiro com padre”.

É bem verdade que, no segundo parágrafo da nota, o advogado de Lancelotti, Luiz Eduardo Greenhalg, diz que "o padre é vítima, foi ele quem chamou a polícia e fez a denúncia de extorsão”.

Mas o que fica para o leitor, e disso não pode haver a menor dúvida, é a expressão sensacionalista “sexo por dinheiro com padre”.

Com isso, a Folha se equiparou aos mais repulsivos tablóides ingleses, dos quais se diz que fazem “jornalismo de esgoto”.

A apelação continua dentro, dessa vez no título “Igreja blinda padre e se protege” de um artigo assinado pelo repórter Leandro Beguoci. O título é uma versão engravatada daquele da primeira página.

O texto começa informando que, para a arquidiocese de São Paulo, “o padre Júlio Lancelotti se tornou alvo de um linchamento público que visa atingir a Igreja Católica e seu trabalho social”.

A análise flui aceitavelmente até derrapar na passagem “A igreja apela para a inocência de Lancelotti no momento em que perde fiéis e influência pública.” Tradução: não é que a igreja creia necessariamente na inocência do padre; fecha com ele para se defender a si própria.


Embora, na página seguinte, o advogado de Lancelotti, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, tenha tido amplo espaço para fazer a defesa do seu cliente, que “nega tudo”, sabe-se que o leitor não costuma se fiar na palavra de advogados. Afinal, a função deles é essa mesma.

Pesa muito mais o que está na primeira das cinco matérias do Estado a respeito – e em nenhuma das três da Folha: a palavra do delegado que trata do caso, André Pimentel.

Ao informar que o padre continuará a ser tratado como vítima de extorsão, ele disse ao jornal:

“Todas as informações fornecidas pelos acusados serão checadas, mas, por enquanto, elas são apenas matéria de defesa. Seria leviano dizer que o conteúdo dos depoimentos é verdadeiro.”

Pelo visto, o policial tem uma coisa ou duas a ensinar sobre os riscos da leviandade ao trêfego pessoal da Folha.