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ECAD e direito autoral: A velha caixa-preta

Muito se fala hoje em pirataria e nos crimes de violação de direito autoral que vêm acontecendo no Brasil e no mundo. Infelizmente, temos várias formas de violação.

No Brasil, temos um escritório central que "supostamente" cuida dos valores arrecadados, vindos do nosso trabalho e da nossa dedicação artística.

Estamos há alguns anos utilizando este espaço democrático para esclarecer e denunciar alguns aspectos em relação ao polêmico Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad – e hoje temos comprovado algumas evidências publicadas pela imprensa.

Modificação do regulamento

Com falta de transparência e evidente manipulação dos valores devidos aos compositores, o escritório central passou a responder na justiça pelos seus atos.

Através do judiciário, procuramos recuperar o nosso patrimônio, que foi violado e manipulado.

Pressionado, o escritório central resolveu fazer campanha difamatória contra os compositores que estão reivindicando na justiça os seus direitos devidos, espalhando para toda a classe autoral um comunicado, no mínimo, criminoso. O Ecad alega que os compositores de trilhas querem seqüestrar o direito de toda a classe e que, se ganharem na justiça, todos ficariam sem receber por um ano (manobra covarde e inescrupulosa).

As trilhas sonoras de TV representam a maior fatia da arrecadação do Ecad, motivo pelo qual o órgão reduziu os valores a serem repassados, de 12/12 para 1/12.

(Ata 294ª Assembléia Geral do Ecad, 29 de abril de 2004 5.3) a) Posicionamento sobre reunião de trabalho […] a.1) As obras de background deverão passar a valer 1/12 e não mais 1/6, a partir da distribuição de julho. […] A ABRAMUS e a SBACEM […] votaram contra. Por maioria, foi aprovada a modificação do Regulamento de Distribuição com os votos das sociedades UBC, SICAM, AMAR e SOCINPRO […] a.3) Mantido o não pagamento de direitos conexos em obras audiovisuais, nos termos já definidos anteriormente, adotando-se os pareceres da área jurídica do Ecad e também da SOCINPRO, bem como o disposto no art. 5º, inciso IX, da Lei Autoral vigente. […] a. 5) A área de distribuição deverá estudar e sugerir […] um redutor para a TV Planilha😉

Até quando?

O Ecad vem manipulando estes valores desde 2001, sem a nossa autorização, reduzindo-os de 12/12 para 1/3, 1/6 e por último 1/12, fora o bloqueio dos direitos conexos, um direito protegido por lei.

A nossa reivindicação é que o Ecad pague pelo prejuízo, e não a classe autoral. Não violamos o direito de ninguém e, portanto, a dívida não é nossa. Se os critérios fossem determinados por nós, como o Ecad falsamente alega, certamente não haveria reclamações. Muito menos, haveria processos na justiça.

Aqui mesmo, neste Observatório, procurei alertar a classe autoral sobre a CPI de 1995 – que foi arquivada por motivos desconhecidos – com farta documentação e provas de tudo isso que vivemos hoje. Por isso, existe um movimento muito forte no sentido de desarquivar esta CPI.

Temos também a CPI de 2005, que o Ecad tentou manipular sem sucesso e cujas providências caíram na morosidade da nossa justiça.

Gostaria de saber quantas CPIs serão necessárias para que o direito dos autores seja efetivamente respeitado. Quando vamos poder viver do nosso trabalho e desfrutar dos nossos devidos valores econômicos e devida proteção? Até quando vamos colocar nossas músicas na gaveta por desacreditar na remuneração e respeito às mesmas? Quanto mais temos que pagar para que o nosso patrimônio seja preservado e reconhecido?

A fúria dos atingidos

Estamos convidando toda a classe para que participe dos debates e apresente suas opiniões. Não podemos mais conviver com a ausência do Poder Público nas regras e critérios utilizados nas assembléias do Ecad – o nosso patrimônio não esta seguro.

Não poderia deixar de agradecer e dar o meu apoio incondicional ao maestro Tim Rescala, o qual, em uma manifestação legítima publicada no jornal O Globo, levantou questões de extrema importância para a classe, despertando a fúria dos que foram atingidos diretamente.

Roberto Lopes Ferigato é músico, compositor, produtor fonográfico e editor em Jundiaí

200 anos de imprensa no Brasil: História de continuidade e de ruptura

Os 200 anos da imprensa no Brasil vêm sendo celebrados em todo o país. Comemora-se a primeira edição do Correio Braziliense por Hipólito José da Costa, em Londres. O mensário circulou de 1º de junho de 1808 a dezembro de 1822. No território nacional, a atividade ainda era proibida pela Coroa portuguesa. O Correio era lido "por portugueses que ali [Londres] residiam e por comerciantes ingleses que tinham correspondentes no Brasil e em Portugal" e, depois de três meses de viagem clandestina, pela aristocracia do poder no Brasil.

A marca Correio Braziliense foi negociada com a família de Hipólito da Costa por Assis Chateaubriand, à época embaixador do Brasil na Inglaterra (1957-1960). Quando Brasília foi inaugurada, em 1960, começou a circular um outro Correio Braziliense, agora como parte dos Diários e Emisssoras Associados, desde então o principal jornal do Distrito Federal.

Dificuldades da História

Historiadores nos ensinam que nada mais equivocado do que tentar compreender o passado usando as categorias do presente – e que história não necessariamente tem algo a ver com memória. Além disso, sempre é preciso estar alerta para a construção de uma história do passado que só existe na medida em que serve aos interesses de quem a conta no presente.

O mundo e o país de 1808, por óbvio, não são os mesmos de 2008. Ao longo destes dois séculos, o Brasil passou de Colônia a Império e a República. A imprensa – a opinião impressa de uma única pessoa – virou mídia de massa – grupos empresariais e profissionais especializados. Registrar todas essas mudanças no tempo e no espaço, e ainda o que elas significam, não é tarefa fácil.

Consideradas as dificuldades de se fazer história, arrisco-me a duas reflexões sobre a imprensa brasileira tomando como referência o Correio Braziliense de Hipólito da Costa: uma de continuidade e outra de ruptura.

Hipólito e o seu Correio

Nelson Werneck Sodré em sua pioneira A História da Imprensa no Brasil (Mauad Editora, 4ª. edição, 2004) considera que é "discutível" a inserção (do Correio) no conjunto da imprensa brasileira. Para ele, isso decorre "menos pelo fato de ser feito no exterior, o que aconteceu muitas vezes, do que pelo fato de não ter surgido e se mantido por força de condições internas, mas de condições externas".

Deixando, todavia, de lado a polêmica, as celebrações correntes têm apresentado o brasileiro Hipólito da Costa e o seu Correio como marco inicial da imprensa no país e como defensores da independência, do interesse nacional, da abolição da escravatura e da permanência de D. Pedro I no Brasil. Existe, no entanto, uma outra versão para os compromissos de Hipólito da Costa e de sua publicação.

Em seu livro 1808 (Editora Planeta, 8ª. reimpressão, abril de 2008), o jornalista Laurentino Gomes – referenciado em historiadores como Manuel Correia de Andrade, Manuel de Oliveira Lima, Roderick J. Barman, Magalhães Júnior e Wilson Martins – argumenta que Hipólito e seu jornal foram financiados pela Coroa portuguesa de 1812 a 1822, isto é, ao longo de 12 dos 14 anos em que o Correio foi publicado.Vale a longa citação:

"O mesmo Hipólito que defendia liberdade de expressão e idéias liberais acabaria, porém, inaugurando o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por um acordo secreto, D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de um determinado número de exemplares do Correio Braziliense, com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões expressas no jornal. Segundo o historiador Barman, por esse acordo, negociado pelo embaixador português em Londres, D. Domingos de Souza Coutinho, a partir de 1812, Hipólito passou a receber uma pensão anual em troca de críticas amenas ao governo de D. João, que era um leitor assíduo dos artigos e editoriais da publicação. `O público nunca tomou conhecimento desse acordo´, afirma o historiador. De qualquer modo, Hipólito mostrava-se simpático à Coroa portuguesa antes mesmo de negociar o subsídio. `Ele sempre tratou D. João com profundo respeito, nunca questionando sua beneficência´, registrou Barman. O Correio Braziliense, que não apoiou a Independência brasileira, deixou de circular em dezembro de 1822. Hipólito foi nomeado pelo Imperador Pedro I agente diplomático do Brasil em Londres, cargo que envolvia o pagamento de uma nova pensão pelos cofres públicos" (pp.135-136).

Em outra passagem, Laurentino Gomes, após registrar a negativa de Hipólito da Costa em colaborar com os revolucionários pernambucanos de 1817, comenta:

"Num despacho oficial de Londres, o embaixador português, D. Domingos de Souza Coutinho, avalia os resultados do acordo (da Coroa com Hipólito): `Eu tenho-o contido em parte até aqui com a esperança da subscrição que pede. Eu não sei outro modo de o fazer (sic) calar´. O historiador Oliveira Lima, ao avaliar essa relação secreta, dizia que Hipólito José da Costa, `se não foi propriamente venal, não foi todavia incorruptível, pois se prestava a moderar seus arrancos de linguagem a troca de considerações, de distinções e mesmo de patrocínio oficial´" (pp. 290-291).

Essas informações mostram que o Correio Braziliense de Hipólito da Costa inaugura um tipo de vínculo que tem marcado a história da imprensa no Brasil desde sempre. Pesquisas contemporâneas, sobretudo no ambiente acadêmico, têm revelado que mesmo após as reformas "modernizadoras" da década de 1950, os principais jornais da cidade do Rio de Janeiro (à época, capital do país) continuaram "vinculados" ao Estado através de várias formas de financiamentos, isenções fiscais, empréstimos, subsídios e publicidade oficial.

Neste sentido, pelo menos parte de nossa imprensa não foge ao padrão de outras instituições brasileiras, já analisado por Roberto Schwarz no seu clássico sobre "as idéias fora do lugar". Liberal no discurso, a imprensa nega o liberalismo e seus principais valores na prática empresarial e jornalística.

Os leitores dos jornais

O Correio Braziliense circulava e era lido por um número reduzido de pessoas: comerciantes, altos funcionários da Coroa portuguesa e o círculo mais restrito do poder. Na verdade, Hipólito da Costa não escondia o que ele pensava sobre a maioria da população brasileira na sociedade escravista daquele primeiro quarto do século 19. Em uma das edições ele afirmava:

"Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis, mas ninguém aborrece mais do que nós sejam essas reformas feitas pelo povo. Reconhecemos as más conseqüências desse modo de reformar. Desejamos as reformas, mas feitas pelo governo, e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo" (Correio Braziliense, p. 573, VI, 1811; citado em Sodré, p. 33).

Não há dúvida, portanto, que a imprensa brasileira nasceu elitista. E foi a continuidade dessa característica que levou Bernardo Kucinski a afirmar, quase 190 anos depois, no final do século 20, que…

"…a elite dominante é ao mesmo tempo a fonte, a protagonista e a leitora das notícias [da imprensa]. Uma circularidade que exclui a massa da população da dimensão escrita do espaço público definido pelos meios de comunicação de massa" (Síndrome da Antena Parabólica, Editora Fund. Perseu Abramo, 1998).

Há, no entanto, evidências de que rupturas importantes estão ocorrendo. Após um longo período, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) anuncia o crescimento da circulação e do faturamento do setor. Os diários auditados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) tiveram 10,7% de crescimento na circulação em 2007 em relação a 2006.

Entre os 10 jornais de maior circulação em 2007 (cf. quadro abaixo), quatro são jornais populares que circulam no Rio de Janeiro (Extra e Meia Hora), em Belo Horizonte (Super Notícia) e em Porto Alegre (Diário Gaúcho). O Extra, do Rio de Janeiro, é o mais vendido.

Jornais de maior circulação em 2007

Título Editora Circulação
1. Folha de S.Paulo Empresa Folha da Manhã 302.595
2. O Globo Infoglobo Comunicações SA 280.329
3. Extra Infoglobo Comunicações SA 273.560
4. O Estado de S.Paulo S/A O Estado de S.Paulo 241.126
5. Super Notícia Sempre Editora S/A 238.611
6. Meia Hora Editora O Dia S/A 205.768
7. Zero Hora Zero Hora Editora Jornalística S/A 176.412
8. Diário Gaúcho Zero Hora Editora Jornalística S/A 155.328
9. Correio do Povo Empresa Jornalística Caldas Júnior 154.188
10. Lance! Arete Editorial S/A 112.625

       Fonte: ANJ

A exemplo do que já acontece com o acesso à internet (ver "Inclusão digital: A internet e os novos `formadores de opinião´), o aumento de circulação dos jornais populares também é uma conseqüência da expansão das classes C e D. Além disso, apesar de ainda existir espaço para casos policiais, os jornais populares se voltam hoje para pautas como serviço público, direito do consumidor, entretenimento, trabalho, saúde, transporte e educação. Estas são as exigências dos seus novos consumidores.

Vale ainda registrar que o jornal não-pago de maior circulação no país é a Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus, com cerca de 2,7 milhões de exemplares por semana.

Direito à comunicação

Como se vê, na história da imprensa no Brasil, há continuidades e há rupturas e nem tudo é exatamente como se celebra. Deve-se ter cuidado com as versões do passado sobre Hipólito da Costa e seu Correio. Por outro lado, há razões de sobra para celebrar a ruptura na circularidade que até recentemente excluía grande parte da nossa população do espaço público criado pela mídia impressa.

O que se espera é que a história dos próximos anos possa ser construída em torno de novas continuidades e rupturas que contribuam para a consolidação do direito à comunicação e de uma verdadeira democracia entre nós.

Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

Beijo gay não devia incomodar ninguém

Na quarta-feira (28/5) a atriz Lilia Cabral declarou em entrevista à Folha Online que o dilema de ter ou não ter um beijo gay no último capítulo da novela Duas Caras já lhe "encheu o saco". Completou dizendo que "essa história (do beijo) torna tudo muito pequeno. O beijo é na intimidade. Acho que o que vale é a capacidade de se encontrar em outra pessoa e ser feliz. Isso tem muito mais valor humano do que simplesmente essa história de ter ou não beijo gay".

Se, por um lado, Lilia Cabral elege a intimidade como o lugar do beijo, por outro ela ignora o valor sócio-cultural da sua representação. A alcova pode ser um dos lugares que escolhemos para demonstrar nosso amor e nosso afeto, mas é o olhar do outro que confere a esse afeto valores positivos – que nos motiva a continuar a expressá-los – ou negativos – que nos causam acanhamento, interdição e dor.

A alteridade diz que "todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, a existência do `eu-individual´ só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro – a própria sociedade diferente do indivíduo). Dessa forma, eu apenas existo a partir do outro, da visão do outro, o que me permite também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo".

"Princípios de qualidade"

Quando Ayrton Senna flamulava a bandeira do Brasil após suas vitórias, nos emocionávamos porque nos reconhecíamos nele, elevados a um lugar que almejávamos na visão do outro, nesse caso, o mundo inteiro. Agimos assim quando um atleta olímpico nos leva ao pódio, ou quando "somos reconhecidos" – em um caminho psíquico inverso – nos romances, filmes e novelas. Nenhum deles nos faria sentido se não pudéssemos encontrar ali uma identificação possível. Perderiam sua emoção, seu encanto, sua audiência.

Desta forma, todos desejam se reconhecer na TV, no cinema, na arte; todos querem ser acolhidos no espelho público do simbólico, no grande olhar do outro, seja na representação da sua paixão, do seu sofrimento, dos seus sonhos e conquistas.

No entanto, a proibição pela emissora na questão da exibição de um beijo entre pessoas que representam outros milhões verdadeiros nas suas legítimas aspirações, além da declaração de uma de suas representantes condenando esse tipo de afeto a uma obscura "intimidade", confronta a idéia de uma sociedade baseada na alteridade onde, como diz Frei Betto, "só existe generosidade na medida em que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então, sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível porque, se tirar essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou – a via do amor, se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral".

A emissora justifica sua censura declarando temer "prejuízos institucionais e comerciais" – como reportado por Daniel de Castro na Folha (11/05/2008) – e que a exibição da cena fere "princípios de qualidade" da emissora. Diz ainda que pode "chocar" a audiência.

Proposta da alteridade

Chocante é constatar a fraqueza ética de pessoas e instituições que se dizem chocadas com uma manifestação de afeto que elas mesmas legitimam somente para uma parte da população. Contudo, permitem a si mesmas distrair com cenas de violência descarada, exposição e grafismo sexuais apelativos, consumismo, escárnio do próximo e comportamentos vis. Uma fraqueza tão parcial pode ser alegada para justificar tal objeção? Um véu que esconde o temor de algo tão autêntico, verossímil e digno que sua simples admissão pode abrir definitivamente as comportas de uma grande represa criada por séculos de negação?

O filme de Ang Lee O segredo de Brokeback Mountain não fez concessão alguma ao que a sociedade supostamente estava ou não preparada para ver. O diretor usou sensibilidade e talento para mostrar uma história de amor universal que contempla todos, revelando que "a experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar" e que "devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única".

Assim, relacionar-se com o outro reconhecendo a legitimidade da sua expressão é a base de uma co-presença ética. José Roberto Goldim diz que a proposta da alteridade "rompe com a perspectiva autonomista e individual para remetê-la a uma visão de rede social. Deixa de ter sentido a máxima `a minha liberdade termina quando começa a dos outros´, sendo substituída pela proposta de que a minha liberdade é garantida pela liberdade dos outros".

Mesquinhez e fraqueza ética

Por outro lado, quando uma emissora comercial representa em uma obra de ficção a existência de certas entidades como, por exemplo, o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, não o faz de forma gratuita. A recusa em fazê-lo soaria como um indesejável atestado de atraso, falta de visão e esterilidade criativa. Então, em contraponto, deve haver uma responsabilidade maior que se sobreponha a interesses econômicos, por exemplo. Uma responsabilidade que se sobreponha ao simples argumento da tolerância, sobre a qual diz Saramago:

"Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas, da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância."

É por isso que o beijo gay, ou a sua discussão, não devia encher o saco de ninguém. Não basta tolerá-lo na alcova escura destinada ao medo e à feiúra. É necessário perceber a sua beleza, sob o sol e à luz porque é a beleza possível do outro, que não se recusa a celebrar a nossa.

A lenda grega diz que Narciso causou muita dor aos seus admiradores porque reservava somente para si próprio o amor e a beleza. Acabou sucumbindo à morte triste e solitária em um lago de desespero. Mas se queremos ser belos, merecedores de justiça e amor, devemos desvendar nossa beleza despindo-a de seu egoísmo narcisista, onde só o nosso beijo é legítimo e belo, e assimilar a beleza do outro, para que não sucumbamos a um poço profundo de mesquinhez e indefensável fraqueza ética.

Lúcio Antunes é empresário de Belo Horizonte.

A promiscuidade no jornalismo político

Certa vez estive envolvido numa discussão interna do Sindicato de Jornalistas do Rio sobre uma coluna iniciada por Pelé no Jornal do Brasil. Discordei da idéia de impedi-lo de escrever a pretexto de não ser jornalista. Mas o próprio craque, interpelado pelo sindicato, acabaria por recuar: concordou em expor suas análises sempre na forma de entrevistas, cabendo o texto a um jornalista.

Mais tarde ouvi dizer que Tostão, formado em Medicina, fez curso de comunicação para não ter de enfrentar a ira de jornalistas inconformados com a competição de não diplomados em comunicação. A disputa permanece, mas minha opinião continua a mesma. Não acho certo insistir em restrições assim para impedir um Pelé, um Tostão, um Gerson, um Sócrates e tantos outros de escrever sobre o que conhecem tão bem.

O jornalismo ganha com eles. Se esse caso e outros semelhantes violam a lei que regulamenta a profissão, os colegas jornalistas e os professores de comunicação que me desculpem, é hora de mudar a lei. Mas há certas sutilezas a serem examinadas. Volto à questão por causa do que acontece nos EUA, onde Karl Rove, marqueteiro tido como "o cérebro de Bush", tornou-se a mais nova estrela do jornalismo político americano.

Rove, Russert, Stephanopoulos

Nos EUA existem escolas de jornalismo e de comunicação, mas não a exigência de diploma para o exercício da profissão. Um dos jornalistas mais bem-sucedidos da TV – Mike Wallace, do 60 Minutes da CBS – celebrizou-se primeiro como animador de programas de prêmios. Tim Russert, que faz sucesso no Meet the Press da NBC, começou como assessor do governador Mario Cuomo e, depois, do senador Daniel Moynihan.

O programa político da ABC, que hoje disputa o horário de domingo com Russert na NBC, é This Week, de George Stephanopoulos, formado em Ciências Políticas, Direito e Teologia – mas até então sem nenhuma experiência jornalística. Ele só se tornou conhecido em 1992, como secretário de imprensa da campanha presidencial de Bill Clinton e, posteriormente, diretor de comunicações da Casa Branca.

Na mesma campanha presidencial, destacaram-se ainda James Carville, principal estrategista de Clinton e, do outro lado, Mary Matalin, a serviço da campanha rival de George Bush I, o pai. Carville e Matalin (ela passou a servir, em 2001, ao vice-presidente Dick Cheney) casaram-se depois e ganham a vida desde então com política e jornalismo. Fazem na TV (inclusive na NBC) um número tipo vaudeville: brigam no palco, expondo as posições democrata e republicana. Pura encenação teatral, claro.

Obama, o próximo alvo dos "527"

Desde segunda-feira (12/5) o New York Times – que dias antes devassara o escândalo dos "analistas militares" da TV, generais treinados pelo Pentágono para melhor defender na mídia as opções bélicas dos EUA – expôs a situação atual de Karl Rove, transformado em analista político da mídia após dirigir com sucesso as duas campanhas de Bush (2000 e 2004) [ver aqui]. Ele fala às câmeras da Fox News e escreve para o Wall Street Journal e a Newsweek (saiba mais AQUI sobre esse novo papel dele).

Convenhamos que enquanto o debate é sobre Pelé, Tostão, Sócrates, está fora de dúvida que o jornalismo – como os leitores ou telespectadores – só tende a ganhar. Mas uma relação promíscua mídia-política corre o risco de comprometer a própria integridade do jornalismo. E Rove, especialista em truques sujos da política, traz ainda seu status de celebridade e muitas dúvidas éticas.

Sobre a competência do personagem, nada tenho a opor. Dificilmente alguém domine tão bem o tema que analisa – como na certa concordam os que acompanharam sua participação na cobertura das últimas primárias pela Fox News. Mas, entre outras coisas, Rove pode estar envolvido, segundo sugeriu o Times, num projeto para produzir e veicular comerciais difamatórios contra Barack Obama.

Esses comerciais viriam do que é chamado nos EUA "grupos 527". O número refere-se a dispositivo de legislação fiscal. Eles são organizações desregulamentadas, livres de impostos e sem ligação visível com a campanha de qualquer candidato. Exemplos expressivos ocorreram nas duas campanhas de Bush II, o filho, ambas dirigidas por Rove. Em 2004 a difamação de John Kerry em forma de comerciais inundou o país, iniciativa do "Swift Boat Veterans for Truth", um grupo 527 [ver aqui].

A mesma porta de vaivém

Coube ao mestre de Rove, Lee Atwater, fazer a campanha de Bush pai em 1988 e usar um comercial semelhante – sobre Willie Horton, presidiário negro que, liberado para passar um fim de semana em casa, estuprou e matou uma mulher branca em Massachusetts, estado governado por Mike Dukakis. O anúncio foi produzido por um grupo sem vínculo com a campanha. Sabe-se hoje que, ante a vantagem (quase 20 pontos percentuais) do democrata Dukakis, Bush autorizou a veiculação dos comerciais – e se elegeu.

Depois de Atwater prever que ao fim da campanha Horton seria célebre em todo o país, um ex-assessor de mídia de Ronald Reagan – Roger Ailes, hoje presidente da Fox News, que acaba de contratar Rove – completou: "A única dúvida é se vamos mostrá-lo com a faca na mão ou sem ela". E Larry McCarthy, que produzira o comercial e antes tinha trabalhado para Ailes, encarregou-se de convencer as TVs a aceitá-lo [ver aqui a carta de um leitor do Washington Post convencido de que em 2008 o ex-pastor de Obama, Jeremiah Wright, será transformado num Willie Horton].

As relações promíscuas de gente como Rove com a mídia são e serão sempre uma preocupação para quem se preocupa com a ética e a integridade jornalística. Rove foi da Casa Branca para a redação – como Ailes, Stephanopoulos, Carville, Matalin e outros. Mas às vezes o fluxo é inverso na porta de vaivém: Tony Snow, depois de ser âncora do principal programa político da Fox, tornou-se porta-voz de Bush na Casa Branca.

O fim da Ceará Rádio Clube

Nossa pioneira é mais uma das que se rende ao canto de sereia das redes nacionais e que vai perder a identidade cultural e a cara do povo cearense com emissões que muitas vezes nada têm a ver com nossa cultura, nossa identidade e com as raízes de nosso povo. Sabe-se que haverá uma reviravolta na programação com a saída de nomes expressivos de nosso rádio. Essa mudança soa para o ouvinte como uma agressão aos seus anseios, visto que sequer lhes foram comunicadas as transformações oficialmente nem lhes foi perguntado se aceitam ou não tais modificações. No caso cearense, já é a terceira rádio que é engolida pelo "padrão sul de rádio", visto que os interesses econômicos falarão sempre mais alto do que os interesses verdadeiros dos usuários dos meios de comunicação.

O que revolta mais é a passividade dos que representam os profissionais de rádio e do próprio Ministério do Trabalho, pois tais modificações resultarão em demissões de trabalhadores – no caso, radialistas e operadores. Este caso não é único e parece virar uma febre no rádio cearense, que prefere migalhas da mídia nacional ao invés de investir na qualidade da programação ou na profissionalização de seus locutores. No rádio cearense, a força do dinheiro tem tirado bons programas do ar e deixado muitos profissionais privados de seu trabalho e os ouvintes sem a oportunidade de terem um rádio genuinamente cearense. Será que nosso rádio não tem qualidade para ser independente e conquistar novos ouvintes? A nossa pioneira, onde tantos deram sangue e suor para manter seu nome e sua força, perde deste modo identidade, valor e cidadania. Que este péssimo exemplo não se repita no rádio cearense, que sofre de abandono, desrespeito e, sobretudo, de uma programação que seja realmente de interesse da sociedade.

Geração de conhecimento

Certamente não é esse o rádio que nosso povo quer, subordinado exclusivamente ao mecanismo do capitalismo e que promove processos de construção de programas que não têm a consolidação dos interesses de seus ouvintes visto que para ter um programa não é preciso outra coisa senão dinheiro para arrendar um horário e dizer o que bem quer sem planejamento de programa, sem preparação, sem profissionalismo ou ética no trabalho de locutor. Se não houver uma organização imediata dos ouvintes ou uma ação expressiva dos órgãos de controle da comunicação, nosso combalido rádio AM vai perder seu público e vai sucumbir diante dos interesses dos que se dizem proprietários de rádio e que, infelizmente, insistem em usar este meio apenas como instrumento de poder, barganha e atrelamentos políticos.

O povo quer que o rádio seja um instrumento de comunicação que traga a comunicação verdadeira e a informação que propicie um processo de geração do conhecimento e que possibilite a formação do senso crítico do ouvinte e seu engajamento na luta por um mundo melhor e mais solidário.

Melhoria das emissões

As modificações que ocorrerão na rádio prejudicarão ouvintes e profissionais de rádio, pois trarão incertezas no processo de programação e de geração de empregos. O rádio está se rendendo ao capital e o povo será privado de saber o que se passa na sua terra, sendo invadido por informações que nada têm a ver com o seu cotidiano. Esta experiência já foi promovida no rádio cearense e temos a comprovação que não faz parte do que o ouvinte quer de seu pequeno rádio, pois priva-o da interatividade e muitas vezes fala de coisas que são irrelevantes para o cotidiano do povo que vive e luta nesta terra.

Algumas rádios onde este tipo de ação foi desenvolvida promoveram o desemprego de muitos profissionais e alguns até hoje estão doentes e desesperançosos de recuperação de seu lugar no rádio, que foi conquistado com luta, profissionalismo e muito esforço – o que não foi reconhecido pelos supostos proprietários de rádio.

O rádio é um meio de comunicação rentável desde que hajam investimentos na sua melhoria e na captação de novos ouvintes através da ação prática de melhoria das emissões, investimentos em programação profissionalizada, garantia de meios para uma boa produção e programas e canal aberto para verificar o que os usuários pensam da programação.

Força voraz de quem tem

No entanto, os que se dizem proprietários do rádio preferem míseros tostões de uma entrega da programação às grandes redes a investir em um meio que não é seu, mas é do povo. Os órgãos de fiscalização da comunicação também são responsáveis por este quadro, pois não revêem a lei de concessões nem permitem que o povo se apodere da comunicação fazendo com que o rádio seja barganhado de todas as formas e interesses.

A bandeira por um rádio democrático e popular não tem nenhuma guarida por parte de nossos parlamentares, que têm usado este meio para garantir poder e prestígio, porém sequer ouvem e analisam a programação que tem sido agressiva, sofrível e anti-democrática.

O certo é que a nossa Ceará Rádio Clube, pioneira em nosso estado, sucumbe aos interesses do capital e da força voraz de quem tem e quer. Que pena que nosso pobre rádio cearense esteja se rendendo ao poder do capital, deixando mais uma vez seus ouvintes órfãos de uma programação popular e cidadã.