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Democracia e PL-29, nada a ver

Após o fim do regime tirânico de Pisístrato e de seus dois filhos, Hiparco e Hípias, por volta de 550 a.C., os regimes aristocrático, monárquico e oligárquico em Atenas estavam enfraquecidos. O povo, então, deu poderes ao novo líder, Clístenes, para a elaboração de uma nova Constituição que, por sua vez, instituiu algo inédito: a democracia, um regime governado diretamente pelo povo.

O termo democracia vem do grego demos, povo, e kratein, governo. O governo do povo ateniense evoluiu da assembléia (eclésia), realizada em praça pública (ágora) com a presença dos cidadãos, à moderna democracia representativa, onde a população elege representantes para decidirem os rumos do governo em seu nome. Esta mudança se deve principalmente pelo desenvolvimento das polis e crescimento do número de eleitores, impulsionado pelo sufrágio universal.

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Assembléia Constituinte se declara, ainda no preâmbulo, representante do povo brasileiro com o objetivo de instituir, através daquela Constituição, um Estado Democrático. O parágrafo único do art. 1º afirma que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou de forma direta.

Proposições de diferentes espécies

Dito isso, não resta dúvida que no Brasil adotamos a República através da democracia representativa e nossos representantes, escolhidos através de processo eleitoral, têm por função exercer o poder originado no próprio cidadão.

Nos últimos um ano e meio, a Câmara dos Deputados brasileira discute um projeto de lei, o PL-29/2007. Este projeto dispõe, basicamente, sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado, mais comumente chamado de TV por assinatura; reúne em apenas uma lei todas as formas de TV por assinatura (cabo, MMDS, TVA, satélite e DTH) e cria regras para a produção, programação, empacotamento e distribuição do conteúdo no setor.

O deputado Paulo Bornhausen (PFL-SC) apresentou o projeto em plenário no dia 5 de fevereiro de 2007. Até o dia 9 de julho de 2008, o PL já passou por quatro substitutivos, um do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) e três do deputado Wellington Fagundes (PR-MT); 177 emendas sobre os substitutivos pela CCTCI (Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática) e CDEIC (Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio); 37 emendas feitas pelas CCTCI e CDEIC; e 11 requerimentos (redistribuição, apensação, audiência, recurso).

De 4 a 11 de setembro de 2007, a Câmara dos Deputados discutiu o pedido do deputado dr. Ubiali de tramitar o PL 29/2007 juntamente ao PL 1631/2007. O pedido foi negado "pois as proposições são de diferentes espécies" (o PL 1631 fala sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, FNDCT, de natureza puramente contábil e com objetivo de financiar a pesquisa e inovação – realmente, bastante importante, mas não combina com uma discussão sobre regulação de transmissão televisiva).

A lógica capitalista

Mais recentemente, o deputado Cezar Silvestri (PPS-PR) solicitou que o projeto fosse apreciado também pela Comissão de Defesa do Consumidor. Sendo que este pedido já havia sido feito e retirado em abril de 2008.

Toda solicitação, seja pedido de redistribuição ou análise, leva tempo para ser julgada; por isso, qualquer pedido tem que ser avaliado antes de solicitado oficialmente. Infelizmente, o processo burocrático usado para transparecer o método democrático de tramitação de um projeto de lei na Câmara é usado como instrumento protelatório pelos grupos contrários.

E que grupos são esses? Visivelmente, os radiodifusores e as empresas de TV por assinatura (Abert e ABTA). A pressão com que atuam sobre os deputados é extremamente forte e eficaz. Seus motivos também são claros: defendem um modelo de negócios há muito tempo lucrativo e livre de regulamentação. Qualquer insinuação de criação de leis que limitem sua liberdade é combatida ferozmente através de pressões políticas e da influência sobre as massas, através de propagandas incompletas sobre o que está acontecendo no governo (aquele comercial da ABTA foi ridículo).

No entanto, não podemos crucificar os empresários. Seus motivos contrários à aprovação do projeto de lei estão de acordo com a lógica capitalista com que sempre dirigiram seus negócios. A defesa do mercado já conquistado é uma reação normal e previsível. Apesar de a transmissão televisiva ser uma concessão pública, as emissoras são privadas e, como qualquer empresa, visam ao lucro.

Divulgação independente

Esta resistência à criação de novos paradigmas que envolvam os radiodifusores não é exclusividade da PL -29. Toda a discussão sobre a implantação da transmissão digital de televisão no Brasil foi guiada por interesses comerciais das emissoras de TV aberta (além das empresas de eletrônicos), que fizeram de tudo para manter o antigo modelo econômico ao mesmo tempo em que divulgaram para a população uma revolução no modo de assistir televisão. No fim, a televisão digital brasileira não passa de analógica com enfeites.

Mesmo assim, os radiodifusores não podem ser excluídos da discussão. Entretanto, não podem ser os únicos ouvidos. O conceito de democracia possui princípios como igualdade, participação e liberdade. Todos têm o direito de participar: empresários, agentes sociais, cidadãos, teóricos, especialistas… E a opinião de todos deve ser aceita e igualmente valorizada. A interpretação dos radiodifusores é voltada para interesses próprios, e não da população, então por que seguir estritamente o que dizem? Ideal é valorizar também a visão não-mercadológica, dar espaço para a sociedade civil se manifestar e atribuir o real valor à sua análise (não adianta nada pedir um relatório e ignorá-lo).

Chega a ser ridícula a situação quando, para dar prosseguimento ao processo, os deputados usam como trunfo o apoio de grandes radiodifusores e sua esfera de influência midiática. A comunicação é parte de um Estado democrático e o acesso à informação, antes de ser constitucional, é garantia mundial e explicitamente definida na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, de 1948. A divulgação do projeto deve ser feita independente da aceitação da mídia. Obviamente, estou sendo inocente neste momento em considerar que isso poderia acontecer…

Os interesses da maioria

Globo, Band, SBT e companhia comparecem em peso às comissões e fazem de tudo para convencer os deputados sobre seus interesses. E, pior, conseguem! A força política dos radiodifusores já é conhecida e não surpreende. O que espanta é a total falta de respeito com o cidadão. Um projeto de lei deve ser avaliado sobre os benefícios que trará à população. A visão empresarial será analisada, mas o principal é montar um projeto que represente os reais interesses do cidadão. Não estou avaliando aqui o conteúdo da PL, se está correto ou não (particularmente, acho que possui pontos positivos e negativos – o que falta é conseguir balanceá-los).

Se o assunto precisa ser discutido exaustivamente, então que os parlamentares façam direito. Coloquem em consulta pública; peçam relatórios para os atores direta e indiretamente envolvidos (radiodifusores, representantes governamentais, sociedade civil); e, mais importante, façam com que tudo seja divulgado na mídia. A consulta pública deve ser divulgada, tanto quanto seu processo e sua conclusão; as análises devem ser distribuídas a todos os interessados e devem se encontrar disponíveis para consulta; o processo de discussão da PL precisa ser coberto pela imprensa de forma objetiva (sei que é uma utopia imaginar esta posição da mídia, mas não custa nada tentar).

Eu não quero que o radiodifusor decida o que é melhor para o país. Eu não moro no Projac e não votei na Globo para me representar. Quero que meu deputado tenha personalidade, inteligência, ética e saiba que ele está lá para mim, para a sociedade; ele está lá para representar os interesses da maioria.

Afinal, esta é a definição de democracia.

* Gustavo Audi é formado em Rádio e TV pela UFRJ e especialista em Mídias Digitais pela Unesa

A perigosa relação do bebê com a TV

Crianças têm necessidade de atividade motora para construir seu universo mental. A capacidade de interagir com o meio que o cerca e a aquisição progressiva da motricidade são fundamentais para o desenvolvimento psicológico do bebê.

Quem discorda dessas assertivas, que deixe seu bebê entre 6 meses e 3 anos diante da TV para "se distrair" ou para "adormecer". Quem acredita que a TV é um instrumento positivo no desenvolvimento de uma criança, ligue a BabyFirst e reze para que seu bebê não tenha o cérebro atrofiado nem seu desenvolvimento motor prejudicado.

O debate sobre a televisão e suas conseqüências sobre os espectadores de fraldas foi aberto na França há pouco mais de um ano com um texto publicado no jornal Le Monde, assinado por dois pedopsiquiatras de renome, Pierre Delion e Bernard Golse. Os especialistas pediam uma "moratória" para o canal BabyFirst, destinado a crianças de 6 meses a 3 anos e que tem como slogan "Veja seu bebê se desenvolver" [ver, neste OI, "Cientistas franceses pedem moratória para canal"].

O manifesto que pedia a moratória para esse tipo de canal destinado aos bebês era enfático:

"Numa época em que se fala muito de ecologia, é preciso que nos conscientizemos de que proteger nossos filhos do risco de desenvolver uma forma de dependência em relação à tela luminosa é uma forma de ecologia do espírito. Por isso, é urgente que nos mobilizemos para a criação de uma moratória que proíba a existência desses canais, antes que a ciência possa conhecer melhor a relação da criança pequena com a tela."

Bebê necessita de atividade física

A moratória foi apenas uma boa idéia de cientistas humanistas, vencidos pela realidade do mercado e pelo poder da nova mídia.

Agora, a polêmica volta através da revista semanal do Le Monde, a Monde 2, que ouviu especialistas sobre a exposição precoce dos bebês à TV. Eles não recomendam a babá eletrônica para o público de fraldas. Muito pelo contrário. Serge Hefez, um dos psicanalistas que assinaram o manifesto, diz:

"A simples idéia desse canal contraria tudo o que sabemos sobre o psiquismo do bebê. Ele o transforma em espectador quando ele precisa tornar-se ator; o torna passivo no momento em que ele aperfeiçoa suas capacidades de ser ativo. Será sempre mais saudável deixá-lo brincar sozinho com um bichinho de pelúcia e aprender tranqüilamente a se entediar para desenvolver sua capacidade de ser autônomo."

O primeiro canal dirigido aos espectadores de chupeta foi criado em Israel em 2003 e se chamava BabyTV, depois comprado pela Fox, de Rupert Murdoch. Na chegada à França, em 2005, o canal suscitou o alerta e o pedido de "moratória" dos pedopsiquiatras Delion e Golse até que a ciência possa determinar a inocuidade da TV para o desenvolvimento psicológico e motor dos bebês. Os cientistas frisam que para formar a inteligência nessa idade em que o cérebro se organiza, forma categorias e se constrói, o bebê necessita de atividade física.

Robô que forma robôs

Não houve moratória e, como os sinais são emitidos da Inglaterra, o Coletivo Interassociativo Infância e Mídia (Collectif interassociatif enfance et média – CIEM) também não pôde impedir, em nome da lei francesa, a difusão de programas do canal por assinatura, suscetíveis, segundo o Coletivo, de "prejudicar gravemente o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores". Um organismo do governo, a DGS (Direction générale de la santé), advertiu, contudo, que as empresas que comercializam programas destinados ao público de menos de três anos "não podem fazer publicidade atribuindo a eles benefícios para a saúde ou para o desenvolvimento da criança".

O pediatra Frederick Zimmerman, professor da Universidade de Washington e especialista nos efeitos das diferentes mídias sobre as crianças, dirigiu no ano passado uma pesquisa sobre a televisão para crianças de 2 a 24 meses. Constatou que 40% dos bebês de três meses vêem televisão todos os dias. Aos 24 meses, eles já são 90% a ver TV.

O estudo do doutor Zimmerman desaconselhava qualquer programa de TV para crianças menores de dois anos. Por quê? Segundo ele, as dificuldades de aprender a ler e a estudar matemática, a tendência à obesidade (25% das crianças norte-americanas de 1 a 6 anos estão com peso acima do normal), a síndrome de hiperatividade e os comportamentos agressivos foram relacionados pelo estudo a um longo período de exposição das crianças aos programas ditos "infantis". A Academia Americana de Pediatras (AAP), que publicou o estudo de Zimmerman, também condenou a exposição de menores de dois anos à televisão. O estudo do doutor Zimmerman mostra que a visão da televisão como um robô que forma robôs não é unicamente francesa.

Cabe aos pais defender os bebês de até três anos da famosa "máquina de fazer doido", que o jornalista Sérgio Porto intuiu, muito antes das pesquisas que provam que ela pode ser muito nociva.

Principalmente para os espectadores de fraldas.

* Leneide Duarte-Plon é jornalista.

PL-29 em debate: Quem tem medo das cotas?

O panorama da TV por assinatura no Brasil está prestes a mudar. Mas qual seria o milagre capaz de baixar o alto preço da mensalidade? O que fazer para elevar o atual patamar de 5 milhões de lares para algo mais próximo da vizinha Argentina, onde 30 milhões de famílias possuem TV por assinatura? Como ter o direito de consumidor respeitado, fazendo com que canais não sumam de uma hora para outra, obrigando o cliente a mudar para pacotes cada vez mais premium e com complicadas cláusulas de fidelidade?

As respostas são duas: regulação e choque de capitalismo. O problema é que nossos capitalistas gostam muito de concorrência para os outros. O Projeto de Lei 29 da Câmara dos Deputados tenta atender à primeira parte da questão. Quanto ao choque, este parece estar acontecendo com a pressão das teles por uma fatia desse mercado. Hoje as companhias de telefonia estão impedidas por lei de vender TV por assinatura, embora a tecnologia o permita. Cada dia que passa mantida a proibição é mais prejuízo.

A interessante discussão levada ao longo de 2007 pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados teve o mérito de apresentar os vários agentes que gravitam em torno desse mercado. Mostrou quem são os produtores independentes de conteúdo audiovisual brasileiro. São empresários que até agora buscam mercado para suas produções fora do Brasil. Não por falta de qualidade, já que produtos brasileiros cada vez mais são vistos em canais como Discovery, National Geographic, ou outros para audiências mundiais em torno de 300 milhões de pessoas. No entanto, suas produções não passam no Brasil porque aqui a televisão exibe tudo o que ela mesma produz dentro de casa.

Riqueza e empregos

O debate também iluminou um pouco o nevrálgico tema das cotas. Ficamos sabendo que nos Estados Unidos, a partir da década de 70, vigorou o ato conhecido como Fin Syn (Financial Interest and Syndication Rules). Os norte-americanos entenderam que a televisão, por já ter o direito de exibição, não podia ser produtora de conteúdo, pois isso criava concorrência desleal com as produtoras que não tivessem canais de exibição. A legislação norte-americana limitou o número de horas que os canais podiam produzir internamente, garantiu ao produtor independente direitos patrimoniais e promoveu a regionalização do conteúdo. Hoje, nos EUA, 70% dos programas são feitos por independentes.

Na Europa, a diretiva "Televisão Sem Fronteiras" exige, desde 1997, que os canais de TV de seus Estados-membros exibam conteúdo europeu na maior parte da transmissão. Isso não inclui notícias, esportes e publicidade. E garante que pelo menos 10% da programação seja feita por independentes. No Canadá, há uma cota de 50% para produção canadense e tudo é feito por produtores independentes, exceto jornalismo. Todos os países que hoje possuem uma indústria audiovisual robusta protegeram seu conteúdo local e por algum tempo ampararam seus produtores com cotas. Isto gera riqueza para um número maior de pessoas. No Canadá, a indústria audiovisual responde por 4% do PIB do país e gera 600 mil empregos.

Por que assustam?

Na iminência de ser votado, o PL 29 prevê três horas e meia de conteúdo nacional por semana e, dessas, escassos 15 minutos diários realizados por independentes. É quase nada. Mesmo assim, pesadas baterias são assestadas contra o texto por canhoneiras diversas. A lei pretende ainda injetar 300 milhões de reais por ano no fomento sem criar imposto, apenas redirecionando 11% da Taxa de Fiscalização do Fistel para o Fundo Setorial do Audiovisual.

A entrada das operadoras de telefonia vai aumentar o mercado consumidor e o estabelecimento de cotas mínimas para a produção independente garantirá um acesso à distribuição que hoje não existe. Cotas não deveriam ser bicho-papão. Por que será que assustam tanto?

* Leonardo Dourado é vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Televisão (ABPI-TV).

Mídia & Governo 2: Uma câmera na mão, irresponsabilidade na cabeça

Sobre o artigo "Angu-de-caroço em Minas Gerais", publicado no Observatório da Imprensa em 8/7/2008 de autoria de Daniel Florêncio, a Superintendência de Imprensa do Governo de Minas vem se pronunciar em razão da grave acusação de cerceamento à imprensa formulada pelo autor, que assina também o vídeo “Gagged in Brazil”.

Em seu trabalho veiculado na internet e fartamente distribuído por meio de e-mails de servidores gratuitos, Daniel Florêncio afirma que "recentemente" existiram rumores de que o governador Aécio Neves "tem suprimido a liberdade de imprensa no Estado". Não há rumores recentes. O que existiu – e é de conhecimento de todos os profissionais de imprensa que realizaram a cobertura jornalística das eleições de 2006 – é um vídeo produzido naquele ano, lançado na internet como arma de campanha da oposição nas eleições para governador, com ampla divulgação e espaço no programa do horário eleitoral gratuito.

“Gagged in Brazil”, publicado neste ano no You Tube, basicamente reedita as imagens e depoimentos da produção realizada em 2006 e, o mais grave, descumpre os procedimentos mínimos necessários a um trabalho que pretenda tratar de fatos reais veiculando acusações falsas. É como se o célebre slogan de Glauber Rocha pudesse ser tristemente atualizado para: uma câmera na mão e nenhuma responsabilidade na cabeça.

Vamos aos procedimentos adotados pelo autor.

O vídeo afirma "ser difícil encontrar qualquer notícia negativa sobre o governador", mas Daniel Florêncio não realizou qualquer pesquisa sobre o noticiário publicado no país ou em Minas em qualquer período de tempo, ou mesmo utilizou qualquer critério que possa ser considerado como base de pesquisa para a acusação que faz. Simplesmente editou recortes de jornais e matérias de TV, coletados aleatoriamente. Uma análise de conteúdo e de comparação entre a cobertura oferecida por veículos de diversos estados seria suficiente para jogar por terra a afirmação feita.

"Gagged in Brazil" exibe dois depoimentos que seriam de supostos jornalistas, embora não tragam qualquer identificação de nomes, funções, local ou cidade onde teriam ocorrido. O autor do vídeo usa do recurso de distorção de voz e imagem pretensamente para proteger suas "testemunhas". Num deles, de um suposto jornalista da Rede Globo, afirma-se que todas as matérias sobre o governo de Minas são revisadas pelas chefias. Ora, não apenas as matérias sobre o governo de Minas são revisadas. Em qualquer veículo, os editores revisam matérias sobre acidentes de trânsito, resultados do futebol, ocorrências policiais ou agenda cultural – sem que isso se caracterize ato de censura. É assim em Belo Horizonte, no Rio, São Paulo, Londres, Nova York… O repórter apura e redige; o editor edita.

Os únicos depoimentos de jornalistas claramente exibidos são cópia do vídeo de 2006. E não merecem credibilidade alguma, já que foram renegados pelos entrevistados. Os jornalistas Marco Nascimento e Ugo Braga gravaram, ainda naquele ano, depoimentos acusando ter havido edição enganosa de suas falas, com vistas a provocar distorção de entendimento.

Daniel Florêncio, que gosta de produzir documentários sobre ética e comunicação, abandonou a ética na criação de “Gagged in Brazil”. Ele sonega à sua audiência a informação de que o vídeo foi contestado pelos próprios entrevistados e, contrariando outra regra básica, não se preocupou em ouvir pessoalmente os dois únicos jornalistas possíveis de serem identificados em seu trabalho.

O vídeo traz um quinto depoimento com críticas ao governador de Minas, todas elas inerentes ao debate político-ideológico. Entre as quais, a de que ele "representa a direita conservadora a serviço da privatização de todos os serviços".

Por fim, "Gagged in Brazil" trata equivocadamente informações sobre investimentos financeiros feitos pelo governo na área de comunicação, utilizando a moeda americana, mas sem considerar a variação cambial do período, gerando uma grave distorção na informação apresentada.

Mesmo não sendo jornalista, como afirma em seu artigo, é inaceitável que o autor não se sinta eticamente obrigado as ouvir as fontes que utilizou, checar dados ou confirmar números antes de dar eles publicidade.

Florêncio fez contato com a Assessoria de Imprensa do Governo de Minas solicitando posicionamento oficial em agosto de 2007, quando afirmou estar em Londres, onde residia. Mesmo tendo assegurado ter estado em Belo Horizonte durante a produção de seu vídeo, em nenhum momento de sua estada procurou o governo de Minas para gravação ou coleta de depoimento. O produtor também não veiculou o teor da nota enviada pelo governo do Estado, por e-mail, em 31 de agosto de 2007.

Nos exatos 7.199 caracteres de seu texto para o Observatório da Imprensa, o autor do vídeo não respondeu a nenhuma das contestações feitas ao trabalho. Vale destacar que ele próprio manifesta, no seu artigo, estranheza com a forma rápida, intensa e antinatural com que o trabalho foi distribuído pela internet.

O governo de Minas acompanha com atenção as críticas publicadas pela imprensa, mesmo porque elas servem de balizamento para a correção de rumos na administração estadual. A relação entre veículos de imprensa e diversas instâncias de governo – municipais, estaduais ou federal – tem sido tema de importantes discussões. A internet – espaço democrático e propício ao debate – está repleta de questionamentos dessa natureza. É necessário, no entanto, discernir o legítimo e necessário debate de insinuações que afetam a honra pessoal e profissional de tantas pessoas.

* Hugo Teixeira é superintendente de Imprensa do Governo de Minas Gerais.

Sem limites para a propriedade cruzada

A concentração do controle da mídia, sobretudo eletrônica, é um fato histórico no nosso país. Ignorada pelos responsáveis pela sua regulação e negada por empresários do setor, ela certamente é uma das causas da crescente homogeneização do conteúdo bem como da ausência significativa de pluralidade, diversidade e de regionalização na mídia brasileira.

A concentração na mídia, no entanto, não é um problema só brasileiro. A convergência tecnológica e o processo de privatização das telecomunicações fizeram com que, desde o último quarto do século 20, ela se transformasse numa das características do setor. Um grupo cada vez menor de conglomerados globais controla a produção e a distribuição de dados, informação e entretenimento (e publicidade) no mundo. O Brasil é apenas uma parte – importante, diga-se de passagem – de uma tendência universal.

Dados recentemente divulgados pela consultoria KPMG – ela própria uma empresa global – confirmam a continuidade dessa tendência e mostram como, na verdade, a comunicação é um dos setores onde ocorreu o maior número de fusões e aquisições no Brasil nos últimos 15 anos (ver aqui).

Nos números divulgados para o primeiro trimestre de 2008, o setor de tecnologias da informação (TI) aparece em 1º lugar; a publicidade e as editoras aparecem em 5º; enquanto as telecomunicações e a mídia aparecem em 16º lugar no ranking de fusões e aquisições. Todavia, se observadas as curvas históricas desde 1994 – quando os dados começaram a ser divulgados –, verifica-se que as tecnologias de informação (TI) aparecem em 2º lugar; as telecomunicações e a mídia em 3º e a publicidade e as editoras, em 7º lugar. Se fossem agrupados – o que já ocorre na realidade dos mercados –, esses setores certamente estariam entre os primeiros com maior número de fusões e aquisições. É mais um dado que confirma a tendência de concentração da mídia no Brasil.

Concentração ainda maior nos jornais?

Há algumas semanas circula com insistência em blogs de comprovada credibilidade a informação, não confirmada, de que as Organizações Globo estão avaliando a oportunidade de comprar o grupo O Estado de S.Paulo. Demissões de jornalistas e, por outro lado, a contratação de pelo menos um conhecido e respeitado profissional para comandar a sucursal do Estadão no Rio de Janeiro são apenas dois "sintomas" de que algo está a ocorrer.

A ser verdadeira a informação – um negócio que só é possível pela ausência de regulação sobre a propriedade cruzada – significa um importante aumento da concentração da mídia brasileira. O maior grupo de mídia, líder na televisão e proprietário de um dos dois maiores jornais em circulação no país, estaria comprando o mais tradicional jornal de São Paulo, o principal mercado nacional.

Conseqüências do monopólio

Registre-se, aliás, que algumas das conseqüências da concentração no setor de telecomunicações – incluído nas comunicações pela convergência tecnológica – começam a se tornar mais perceptíveis para o cidadão comum, ao contrário do que sempre aconteceu em relação à concentração nas áreas de jornais, revistas, emissoras de rádio ou televisão.

Exemplo emblemático foi a recente pane no sistema de transmissão de dados quase monopolizado da Telefônica, em São Paulo. Empresas públicas e privadas foram igualmente afetadas e a rotina do cidadão comum prejudicada em relação à prestação de serviços essenciais como transporte, segurança e saúde.

A Telefônica de Espanha – desnecessário dizer – é um dos símbolos da privatização das telecomunicações no Brasil; e sua filial brasileira é hoje comandada por um ex-executivo da agência reguladora do setor, a Anatel.

Por tudo isso, nunca será demais lembrar a concentração da mídia e a necessidade de uma regulação que – na defesa do interesse público – estabeleça barreiras e limites à sua continuidade. Nunca será demais lembrar, mesmo quando a história insiste em mostrar que a realidade caminha na direção oposta.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de “A mídia nas eleições de 2006” (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)