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A imprensa em cárcere privado

A imprensa brasileira é refém de si mesma, de um modelo baseado nas ações rápidas e quase sempre rasteiras em busca de audiência e repercussão. Desde os blogueiros e comentadores de televisão que não resistem a frases de efeito, mesmo que suas construções representem a demolição do bom senso, até as decisões editoriais que priorizam o espetaculoso e o rumoroso. Tem sido assim na cobertura das campanhas eleitorais nas capitais mais importantes, e assim foi no acompanhamento da tragédia anunciada que culminou com a morte da jovem E.C.P.M.

O acompanhamento do noticiário online que seguiu o desenrolar dos acontecimentos no conjunto habitacional de Santo André revela que os jornais não tinham, ou desprezaram, um manual de Redação. Desde a necessidade de cuidado extremo com informações que possam colocar a segurança de pessoas em risco, citada no Manual de Redação da Folha de S.Paulo e nos de outros jornais, até a recomendação de evitar a morbidez e a "curiosidade malsã" do público nas notícias de catástrofe e violência – recomendação do livro Ética para Periodistas, de Maria Teresa Herrán e Javier Darío Restrepo – praticamente todas as boas medidas foram deixadas de lado na corrida pela visão mais espetaculosa e pela versão mais recente dos fatos.

Até mesmo de uma comentadora de fofocas de celebridades, caso da jornalista Sônia Abrão, que já teve melhores momentos quando trabalhou num dos diários do Grupo Folhas, era de se esperar que tivesse o bom senso de evitar ceder holofotes para o jovem desvairado. Àquela altura, quando a jornalista – sim, ela é jornalista com vasta experiência na imprensa escrita – colocou no ar, pela RedeTV!, a entrevista do rapaz, ele ainda ouvia ponderações dos negociadores da polícia. A partir dali, e com a seqüência de outras entrevistas, ele claramente se colocou numa atitude superior aos interlocutores, o que prejudicou o diálogo e ajudou a conduzir ao desfecho trágico.

Cenários de guerra

Não foi apenas isso. Como, claramente, o criminoso e suas vítimas tinham acesso às transmissões de rádio e televisão, tudo que foi dito – das especulações de repórteres à profusão de "análises" mais ou menos especializadas de psicólogos, sociólogos e astrólogos ávidos por publicidade – podia ser ouvido no interior do cativeiro. Nem o mais arguto conhecedor da natureza humana poderia assegurar o quanto essa exposição poderia afetar o estado do jovem, que já dava sinais de estar alucinando.

A imprensa interferiu dessa forma nos fatos, o que é absurdo e inaceitável, e também condicionou as decisões do comandante da operação de resgate. Uma das razões alegadas pelo coronel Eduardo José Félix para usar atiradores especializados para – no jargão policial – "neutralizar" o criminoso, foi a percepção de que a imprensa condenaria tal atitude. Assim, por mais controversa que viesse a ser, essa medida deixou de ser considerada, justamente por ser controversa.

Desde que a legislação transferiu para o tribunal do júri os casos de mortes em ocorrências policiais e passou a impor cursos de reciclagem para os agentes civis e militares envolvidos em tiroteios, a polícia paulista evita ações drásticas quando há testemunhas. De qualquer modo, pode-se afirmar que faltou autoridade à maior autoridade presente aos acontecimentos, porque o coronel da Polícia Militar estava condicionado às conseqüências políticas de suas decisões.

A cobertura não foi apenas invasiva, espetacularizada, amadora e irresponsável. A imprensa continua omissa, ao aceitar passivamente a versão oficial e ao deixar de colocar em discussão o tipo de operação que costuma ser mobilizada em ocasiões como essa.

Já está mais do que em tempo de se colocar em debate público as estratégias de segurança adotadas no Brasil, a maioria delas inspirada em cenários de guerra e nos procedimentos desenvolvidos pelas forças de segurança americanas e israelenses. Se a chamada "inteligência" da Polícia Militar deu sinais de desinteligência, a imprensa dita séria se tornou refém da mídia de entretenimento, colocando-se voluntariamente no cárcere privado da irresponsabilidade.

* Luciano Martins Costa é jornalista.

Quem forma a opinião dos ‘formadores de opinião’?

A terceira edição da pesquisa Barômetro de Imprensa, divulgada na quinta-feira (9/10), traz alguns dados interessantes sobre os jornalistas brasileiros. Quinhentos e sessenta e três profissionais de mídia (320 de meios impressos, 111 de veículos online, 77 de TV e 55 de rádio) responderam ao questionário enviado por e-mail, em setembro, aos 39.772 listados no mailing da Maxpress. A pesquisa é realizada bimestralmente pela FSB Comunicações e seu relatório completo está disponível aqui [arquivo PDF, 1,5 MB, arquivo em zip].

Vale a pena listar alguns dos resultados:

1. A internet ultrapassou o jornal impresso como principal fonte de informação no trabalho dos jornalistas. Para 57% dos entrevistados, sites e blogs da internet constituem as principais fontes de informação usadas cotidianamente no trabalho jornalístico.

2. Apesar da internet, os jornais são lidos diariamente pela maioria dos jornalistas de todas as mídias pesquisadas, em índices superiores a 80%.

3. A Folha de S.Paulo é o jornal mais lido pelos profissionais de mídia em São Paulo: ele foi indicado por 73,1% dos entrevistados, contra 62,7% de O Estado de S. Paulo (cada jornalista podia fazer até duas indicações).

4. No Rio de Janeiro o preferido é O Globo (69%) e Folha aparece em segundo lugar, com 32,2% das indicações.

5. Nos resultados apurados com os 208 jornalistas entrevistados nos demais estados (excluindo Rio e São Paulo), o nome na liderança é a Folha de S.Paulo, seguida pelo Estado de S. Paulo e pelo Globo (ver abaixo).

Formador de opinião número 1

O resultado mais interessante, todavia, refere-se ao profissional mais ouvido/lido/assistido e mais admirado: o jornalista Arnaldo Jabor, das Organizações Globo, aparece em primeiro lugar em ambas as categorias.

Cada entrevistado tinha a opção de votar em até três nomes na categoria "jornalista ou colunista mais lido ou ouvido" e indicar apenas um na questão "jornalista/colunista mais admirado". Jabor só perde a liderança no item "jornalista/colunista mais admirado" entre os profissionais online, que escolheram preferencialmente Heródoto Barbeiro e Elio Gaspari (ver quadros abaixo).

Jornalistas/colunista mais lidos ou ouvidos

Jornalista/colunista mais admirado

Lições da pesquisa

Recomendo que o eventual leitor não deixe de examinar o relatório completo da pesquisa para tirar suas próprias conclusões. Lembro, no entanto, que já faz tempo os estudos no campo da produção das notícias (newsmaking) evidenciam que, na seleção das matérias a serem noticiadas, jornalistas se utilizam de referências ao grupo de colegas e às fontes, preferencialmente às referências ao seu próprio público. Enquanto o público em geral é pouco conhecido pelo jornalista, o seu contexto profissional imediato exerce uma influência decisiva na seleção do que vai ser noticiado.

Dito de outra forma: a origem principal das expectativas, das orientações e dos valores profissionais dos jornalistas não é o público para o qual escrevem, mas, sobretudo, o grupo de referência constituído por colegas e fontes.

Combinando essas indicações teóricas com os resultados da mais nova pesquisa Barômetro de Imprensa é possível compreender melhor quem de fato forma a opinião dos "formadores de opinião" na grande mídia brasileira.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

Professores de bico calado

Jornalistas que já trabalharam com reportagens envolvendo a área de educação sabem das dificuldades de encontrar professores da rede pública de ensino dispostos a abrir a boca quando a pauta trata de qualidade do ensino, problemas de gestão escolar ou condições de trabalho. Poucos falam ou denunciam. E quando aceitam dar declarações impõem restrições: na maioria dos casos, exigem que o jornalista preserve a identidade da fonte. Há, evidentemente, os corajosos, aqueles que abrem o bico custe o que custar. Mas não é essa a regra. O que mais se ouve são respostas evasivas, do tipo "não posso falar", "não quero falar", "isso vai me trazer problemas".

Salvo as exceções em que o assunto se relaciona com projetos pontuais, que projetam a imagem de uma escola, por exemplo, ou não a maculam, impera o silêncio do professorado em matérias que abordam políticas públicas educacionais. Mas mesmo em caso de matérias positivas, nem sempre é fácil conseguir a colaboração dos docentes.

Os educadores são protagonistas na implantação e execução de políticas públicas, são fontes primárias de informação, mas não têm presença na mídia. Nas reportagens aparecem pais, alunos, empresários da educação, fontes oficiais (como representantes do MEC, das Secretarias de Educação), mas raramente os professores.

Abuso ou insubordinação

Na terça-feira (7), participei do debate "Fala educador! Fala educadora!", organizado pela Ação Educativa, em parceria com a ONG Artigo 19 e o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, que levantou uma das causas desse silêncio dos professores: eles não podem, por lei, falar sem autorização de autoridades governamentais. Pesquisas desenvolvidas por estas organizações identificaram dispositivos na legislação brasileira que limitam a liberdade de expressão de servidores públicos. Uma dessas leis da mordaça encontra-se no Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, de 1968, ano do AI-5. Lamentavelmente, os resquícios da ditadura existem até hoje. O artigo 242 desse estatuto proíbe os servidores públicos de se referirem "depreciativamente" aos atos da administração ou às autoridades constituídas.

"Artigo 242 – Ao funcionário é proibido: I – referir-se depreciativamente, em informação, parecer ou despacho, ou pela imprensa, ou qualquer meio de divulgação, às autoridades constituídas e aos atos da Administração, podendo, porém, em trabalho devidamente assinado, apreciá-los sob o aspecto doutrinário e da organização e eficiência do serviço; (…) VI – promover manifestações de apreço ou desapreço dentro da repartição, ou tornar-se solidário com elas."

O problema não está só em São Paulo. Em 18 estados brasileiros foram encontradas legislações semelhantes. O texto, em alguns casos, apresenta diferenças, mas o caráter proibitivo é o mesmo. Em algumas dessas regiões do país, as normas não remontam à época da ditadura. Ao contrário de São Paulo, são legislações recentes, posteriores à Constituição, o que nos deixa apreensivos quanto ao caráter de algumas autoridades que legislam no Brasil atualmente. No Amapá, o estatuto foi promulgado em 1993. No Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Pará, em 1994. O da Paraíba está mais fresco ainda: é de 2003.

"Referir-se depreciativamente" pode abrir margens para inúmeras interpretações. Uma crítica de um professor a uma medida que poderá até prejudicar a escola pode ser identificada como motivo de punição. Uma opinião sobre a má qualidade de ensino também pode ser entendida como um abuso, como insubordinação.

Direito à informação tolhido

São recorrentes os casos de docentes penalizados (processados ou afastados) ou intimidados por concederem entrevistas. No debate do qual participei, o professor Josafá Rehem, da rede pública em São Paulo, relatou uma experiência que vivenciou recentemente. Após uma entrevista concedida a um repórter da rádio CBN, tratando sobre falta de professores e o acúmulo de funções, o educador recebeu da Diretoria Regional de Educação um documento (uma "folha de informação") impelindo-o a dar explicações.

Restrições como essas são ilegítimas, inconstitucionais, agridem a democracia e abusam do direito à liberdade de expressão, previstos na Constituição Federal brasileira (artigo 5º), bem como na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 19). O jornalismo é prejudicado: (1) por contar com um número restrito de professores que aceitam falar, as matérias citam sempre as mesmas pessoas – por isso, a imprensa não reflete a pluralidade de opiniões; (2) por utilizar de modo indiscriminado informações sem paternidade, sem a identificação da fonte – embora o anonimato seja um recurso justificável em algumas circunstâncias, limita a credibilidade da informação e pode servir de instrumento para entrevistados mal-intencionados transmitirem ao jornalista informações maliciosas e infundadas, sem arcar com a responsabilidade pelo que disseram. Mas, sobretudo, o cidadão é prejudicado por ter o seu direito à informação tolhido.

Uma cultura perpetuada

O jornalismo não pode ficar refém de assessorias de imprensa das secretarias de Educação. Precisa ter passe livre para se relacionar com a escola e com os professores. Hoje, para um jornalista entrar numa escola precisa ter autorização da secretaria estadual de Educação. O diretor de uma escola pode até possibilitar a entrada da imprensa, mas estará sujeito a penalidades dependendo do teor da informação que for publicada.

Embora em muitos municípios do interior não existam normas formalizadas, dando conta dessas proibições, o clima de repressão é expressivo. Ainda nesta semana, duas alunas de jornalismo reclamavam que não estavam conseguindo entrevistar responsáveis por creches na região. Elas procuravam informações relativas à existência ou não de vagas. Ninguém quis dar depoimentos. A maioria dos servidores públicos receia que uma declaração concernente a uma denúncia ou crítica possa custar-lhes o emprego.

Existindo uma legislação ou não, na prática muitos governantes locais não gostam da transparência e calam ou abafam aqueles que tentam colocar os fatos a limpo. Mesmo como representantes da sociedade, fogem de qualquer escrutínio. Jornalistas que pegam no pé são odiados. Para conseguir falar com certos personagens da administração municipal é uma maratona. Nunca estão, sempre se encontram ocupados ou, quando se pronunciam, o fazem mediante suas assessorias de imprensa (raramente compostas por jornalistas, por sinal). Em determinadas ocasiões, é de perder as contas do número de telefonemas feitos para, enfim, realizar a entrevista. Se o repórter os encontra indispostos e insiste, não raro, batem o telefone.

E assim essa cultura é perpetuada, mesmo porque os próprios jornais locais se colocam numa condição passiva, dependentes que são das receitas gordas provenientes das prefeituras.

* Márcio Tonetti é jornalista, professor de Jornalismo no Unasp (Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus Engenheiro Coelho) e diretor de Redação da Agência Brasileira de Jornalismo – Campinas/SP .

Debates na Globo e o interesse público

As eleições para cargos públicos no Brasil são reguladas pela Lei (Eleitoral) nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e suas alterações. No que se refere à presença de candidatos nas concessionárias do serviço público de rádio e televisão, além do horário gratuito de propaganda eleitoral, a lei prevê a possibilidade da realização de debates, promovidos pelas emissoras, de acordo com determinadas regras. Essas regras buscam garantir uma disputa eleitoral em igualdade de condições para todos cujos partidos tenham representação na Câmara dos Deputados, independente de percentuais eventualmente obtidos em pesquisas de intenção de voto. É isso que transparece das normas transcritas abaixo:

Artigo 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão, por emissora de rádio ou televisão, de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, sendo assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação na Câmara dos Deputados, e facultada a dos demais, observado o seguinte:

I – nas eleições majoritárias, a apresentação dos debates poderá ser feita:

a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo;

b) em grupos, estando presentes, no mínimo, três candidatos; (…)

III – os debates deverão ser parte de programação previamente estabelecida e divulgada pela emissora, fazendo-se mediante sorteio a escolha do dia e da ordem de fala de cada candidato, salvo se celebrado acordo em outro sentido entre os partidos e coligações interessados.

§ 1º Será admitida a realização de debate sem a presença de candidato de algum partido, desde que o veículo de comunicação responsável comprove havê-lo convidado com a antecedência mínima de setenta e duas horas da realização do debate. (…)

§ 3º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita a empresa infratora às penalidades previstas no art. 56.

As penalidades mencionadas no parágrafo 3º e previstas no Artigo 56 serão decididas pela Justiça Eleitoral a partir de requerimento de partido, coligação ou candidato e se referem à suspensão, por 24 horas, da programação normal da emissora e a transmissão, a cada quinze minutos, da informação de que ela está "fora do ar" por desobediência à Lei.

Globo cancela debates em 10 cidades

Na quinta-feira (2), a Rede Globo promoveu debates entre os candidatos a prefeito "mais bem colocados na última pesquisa do IBOPE" em 90 cidades brasileiras. Em matéria nos seus principais telejornais do dia seguinte, sexta-feira (3), universitários enaltecem a realização desses debates que oferecem aos telespectadores "mais uma oportunidade de conhecer os programas dos candidatos" e são importantes para "fortalecer a democracia". Informa-se também que os debates anteriormente programados para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, São Luís, Itabuna, Pelotas, Anápolis, Maringá e Londrina, todavia, não foram realizados.

No Jornal Nacional o apresentador acrescenta que "em dez municípios, não houve acordo para que candidatos de menor peso eleitoral abrissem mão do debate, uma imposição da lei eleitoral. Por esse motivo, o debate não se realizou (…). A TV Globo considera que a lei eleitoral restringe a liberdade de imprensa nesse ponto" (ver aqui).

No dia 30 de setembro, a menos de uma semana da realização das eleições, que aconteceram no domingo (5), a Central Globo de Comunicação já havia emitido um "Comunicado" informando a decisão de cancelar os debates antes do primeiro turno em algumas dessas cidades, inclusive nos dois principais colégios eleitorais do país, São Paulo e Rio de Janeiro.

O "Comunicado" alega que "a lei eleitoral em vigor impõe restrições que limitam a liberdade de imprensa" e acusa os candidatos – que não aceitaram ficar de fora dos debates – "de terem se beneficiado do critério de cobertura proposto a todos os candidatos" e, mesmo assim, não assinarem o acordo oferecido pela concessionária. Em tom de advertência pedagógica e aguardando reflexões da "sociedade e de seus representantes em Brasília", diz mais que:

"A TV Globo agiu assim constrangida pelas restrições à liberdade de imprensa presentes na lei eleitoral. A imprensa deve cobrir o que é notícia, de forma livre e espontânea: aqueles que, ao longo do processo, ganham densidade eleitoral são naturalmente mais bem cobertos, crescem nas pesquisas e asseguram um lugar nos debates. É assim a dinâmica no mundo democrático. É como deveria ser aqui também. (…)

"A TV Globo lamenta que estas restrições na lei eleitoral a impeçam de promover um evento que tem se mostrado valioso em eleições passadas – e espera que a sociedade e seus representantes, em Brasília, reflitam sobre a questão."

Matéria sobre o assunto publicada em O Globo (1/10/2008), sob o título "Paulo Ramos, com 1% em pesquisas, inviabiliza debate do Rio na TV Globo", afirma que a Rede Globo "foi impedida de realizar debates no primeiro turno" pela Lei Eleitoral e pelo candidato do PDT.

Da cautela à rejeição

Não há dúvida de que debates públicos entre candidatos a cargos eletivos, sobretudo quando já constituem uma tradição no processo eleitoral brasileiro, representam sim "mais uma oportunidade de conhecer os programas dos candidatos" e "fortalecem a democracia". Exatamente por isso, ao realizá-los, em conformidade com a Lei Eleitoral, as emissoras de radiodifusão cumprem o seu dever de concessionárias de um serviço público. E é também por essa razão que os candidatos a prefeito, naquelas cidades onde os debates foram cancelados, reagiram à decisão da Rede Globo.

Aqueles candidatos que, por razões eleitorais, acreditavam que o debate poderia prejudicá-los, lamentaram "formalmente" o cancelamento, mas foram cautelosos ao omitir qualquer julgamento sobre as alegações apresentadas pela Rede Globo. Por outro lado, aqueles que se sentiram prejudicados dividiram-se entre (1) os que acusaram outros candidatos de "tramarem" a não realização do debate, mas também pouparam diretamente a concessionária; e (2) aqueles que reagiram rejeitando as razões apresentadas pela Globo para o cancelamento.

Quem são os prejudicados?

O episódio, sem dúvida, convida a algumas "reflexões da sociedade", como espera a Globo.

Primeiro, chama a atenção o fato de que o cancelamento dos debates em 10 cidades – inclusive nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Curitiba e São Luiz – foi uma opção exclusiva da Globo. Debates na TV são facultativos e não houve qualquer impedimento legal para que eles se realizassem. Havia, isto sim, uma decisão prévia da própria Globo – fundada no conceito subjetivo de "debate proveitoso" – de somente realizá-los com a participação de, no máximo, seis (ou cinco?) candidatos.

Segundo, causa perplexidade que a Rede Globo de Televisão se exclua inteiramente do processo de formação da opinião do eleitor e, portanto, da sua decisão de voto. Ao afirmar no "Comunicado" que "aqueles [candidatos] que, ao longo do processo, ganham densidade eleitoral são naturalmente mais bem cobertos, crescem nas pesquisas e asseguram um lugar nos debates", ela se coloca como uma mera espectadora, fria, distante e imparcial. Age como se desconhecesse que é parte ativa da disputa eleitoral, construtora determinante do cenário de representação da política (CR-P) e também ator político muitas vezes decisivo, como, aliás, atestam episódios de nossa história política recente.

Terceiro, a Globo recorre ainda uma vez mais ao princípio da liberdade de imprensa, agora para atacar as garantias de igualdade na competição eleitoral estabelecidas em Lei. O que deve prevalecer na democracia representativa: a igualdade de condições para competição eleitoral garantida por Lei discutida, votada e aprovada no Congresso Nacional ou os critérios de noticiabilidade e "densidade eleitoral" arbitrados pelo maior grupo empresarial detentor de concessões dos serviços públicos de rádio e televisão do país?

Por último, vale perguntar: quem teriam sido os principais prejudicados pela não realização dos debates em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Fortaleza, São Luís, Itabuna, Pelotas, Anápolis, Maringá e Londrina? Por certo, os muitos milhões de excluídos, cidadãos eleitores dessas cidades. Exatamente aqueles em nome dos quais são outorgadas as concessões de serviço público de qualquer natureza; em nome dos quais se invoca – reiteradamente – o princípio da liberdade de imprensa e, sobretudo, em nome dos quais se realizam as eleições.

Em um ponto a Globo, certamente, tem total razão: o cancelamento dos debates mais as acusações à Lei Eleitoral e as justificativas oferecidas reforçam a necessidade de que "a sociedade e seus representantes, em Brasília" rediscutam as tensionadas relações entre o público e o privado em nosso país: o que, afinal, constitui o interesse público? E quais são as responsabilidades e deveres dos concessionários dos serviços públicos de radiodifusão com o interesse público?

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

Imprensa: O Senhor Mercado não manda mais

"Acabo de regressar da Europa. Lá como cá, os jornais investem pesado na tentativa de fidelizar leitores etc. etc." Este é o arrebatador início da maçaroca quinzenal assinada pelo guru da mídia, Carlos Alberto Di Franco ["O Globo" (pág. 7) e "O Estado de S.Paulo", (pág. 2) de segunda-feira (6/10)].

Não é preciso ir à Europa, à Espanha ou mais precisamente a Navarra para saber o que está acontecendo na mídia impressa no Novo e no Velho Mundo. Ela não está se reinventando. Está desabando.

Basta ler "El País", um dos melhores jornais da atualidade, escrito num idioma capaz de ser entendido pela maioria dos brasileiros de nível superior e que pode ser entregue na porta junto com os jornalões locais. É caro, custa 8 reais, mas a leitura da edição de sábado e/ou domingo é suficiente para satisfazer as necessidades daqueles que precisam entender a conjuntura mundial em qualquer esfera.

Pois o denso e fascinante "El País" começou a publicar no sábado (4) a cobertura preliminar da 64ª Assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), que congrega 1.300 publicações das Américas e Europa e que pela primeira vez se reúne em Madri.

Aqui surge o primeiro mistério: por que razão o evento madrileno está sendo praticamente ignorado pela mídia impressa brasileira reunida em torno da Associação Nacional de Jornais (ANJ)?

Se a entidade brasileira sempre foi o braço local da SIP, como explicar o súbito silêncio em torno do evento anual da entidade? Alguma ruptura entre os grandes? Alguma birra ideológica entre a turma de Miami (à qual a ANJ sempre esteve ligada) e o grupo Prisa (que edita o diário espanhol), à sua esquerda, anfitrião desta cúpula?

Matriz das distorções

Convém registrar que, depois do México, os EUA é o segundo país hispanófono do mundo – e em 2050 será certamente o primeiro. A investida do "El País" em cima da SIP é um lance político de alta significação, além de brilhante jogada de marketing global. Daí o empenho do governo espanhol em prestigiar a Assembléia com a presença do rei Juan Carlos, do chefe do executivo José Luis Zapatero, do ex-premier Felipe González, e de diretores dos grandes jornais liberais ou progressistas como "The Washington Post" e "Le Monde".

Alguns jornalistas brasileiros estiveram presentes à Cumbre del Periodismo (Cúpula de Jornalismo) na capital espanhola e certamente devem explicar o que efetivamente aconteceu na mídiaesfera ibero-americana. Este Observatório da Imprensa está à disposição.

Por ora interessa a surpreendente notícia publicada pelo tablóide espanhol em sua edição de sábado (4/10), na página dedicada à cobertura da Cúpula de Jornalismo (ver aqui): o presidente francês Nicolas Sarkozy, um dos mais extremados defensores das leis de mercado, produziu um documento sobre a sobrevivência da mídia impressa francesa que está sendo bem avaliado por todos os setores.

Os desdobramentos dessa agenda serão coordenados por um socialista, Bernard Spitz, e englobam questões de grande relevância e urgência:

** O futuro das profissões jornalísticas;

** O processo industrial da imprensa;

** A imprensa digital;

** As relações da imprensa com a sociedade.

O dado novo é que alguns dos relatórios serão produzidos pelos jornalistas franceses aos quais foi dado o prazo de dois meses para elaborar propostas destinadas a melhorar a qualidade e a competitividade da imprensa francesa. Nada de consultorias ou pressões corporativas, Sarkô quer jornalistas cuidando do futuro do seu ofício.

No mesmo documento, o presidente francês vai sugerir modificações na lei que proíbe a concentração da mídia. É desconhecido até agora o teor das modificações que Sarkozy vai propor. Mas a questão é central, matriz das distorções que relativizam o projeto sempre sonhado e raramente alcançado de uma imprensa livre, responsável e isenta.

Perigo no ar

A Cúpula de Madri ocorre num momento de grande perigo. A crise financeira internacional vai certamente forçar uma desconcentração dos meios de comunicação. Impossível gerir mastodontes empresariais no exato momento em que ficou transparente a responsabilidade dos executivos de grandes conglomerados financeiros no crash mundial.

A recessão e/ou a queda acentuada do ritmo de crescimento na maioria dos países, associadas às dificuldades de crédito, vão produzir inevitavelmente um desmembramento dos grandes grupos jornalísticos. As empresas terão que ser enxugadas – sobretudo as gigantes, responsáveis por mais desperdício e mais redundâncias.

A montagem de grandes operações digitais paralelas exigirá investimentos proibitivos que certamente afetarão as atividades-fim. A implantação de empresas multimeios terá que ser adiada sob pena de apressar a quebradeira geral no setor.

O meteorito que vai acabar com os dinossauros da indústria jornalística foi o mesmo que liquidou instituições financeiras seculares: uma bolha, a bolha hipotecária americana. Nosso amigo foi à Europa e não viu a cena mais importante do mais empolgante romance escrito pela dialética: o Senhor Mercado não manda mais.

***

Em tempo, às 14h10 de 7/10: A grande imprensa brasileira segue ignorando completamente a 64ª Assembléia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Na edição desta terça, dia 8, nenhuma linha sobre o assunto na "Folha", uma notícia secundária no "Estadão".

* Alberto Dines é jornalista, editor do Observatório da Imprensa.