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Sobre sindicatos, diplomas e ouvidorias

A discussão sobre a exigência do diploma para exercer a profissão de jornalista merece um outro ponto de vista, não longe dessa arenga, claro. Quero refletir sobre as mudanças da modernidade (ou pós-isso) e o papel dos sindicatos e da sua federação.

Um dos elementos-chaves das mudanças é o fato da era Gutenberg estar se extinguindo ou, pelo menos, deixando de ser o foco da comunicação. Traduzindo: as notícias já não precisam de tinta e papel para circular. Desconfio (porque não tenho a numerologia) que a maior parte dos fatos ou acontecimentos (como diria Mouillaud) já está na internet; a notícia já não precisa virar jornal ou revista para ser notícia. E tem mais – atenção, irmãos de fé! – boa parte do que circula como informação não é produzido por jornalistas.

Enfim, estamos apenas no começo de algo que se avizinha maior que o tsunami. Todo mundo vai virar fonte, todo mundo vai produzir notícia, todo mundo é notícia. A única saída é fechar a internet e proibir as pessoas de falarem, fotografarem e escreverem. Ou então, estabelecer: só pode fazer notícia, escrever notícia, distribuir notícia quem fizer um curso superior de Jornalismo. Não vai ser fácil estabelecer esta censura. Com a ágora cibernética mundial, misto de clube de amigos e espaço de xingamento planetário, lugar onde se pode saber o que ocorre na Eslovênia ou na Manchúria antes dos jornais, todo mundo vai querer escrever, mostrar sua foto, fazer "reportagens", fazer-se de jornalista, pelo menos.

Enunciadores se transformam em um só

A internet está pondo em xeque a imprensa. Como dizer o que já foi dito? Como mostrar o que já foi mostrado? E, do ponto de vista ideológico, como manter o pensamento único se todo mundo agora tem acesso a outras fontes, isto é, o "pensamento único" se tornou apenas o pensamento um? Hoje é corrente que qualquer pessoa tem acesso a várias versões do mesmo fato; são versões que se contrapõem ou se somam aquilo que foi dito em tom maior.

E não é de agora. Quando os Estados Unidos resolveram invadir o Iraque, a grande imprensa mundial (e os clones nacionais) reproduziu os releases do Departamento de Estado norte-americano garantindo que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. Mas quem tinha um computador e acesso à internet sabia que era mentira, tratava-se de um saque, um roubo. Quando os grandes veículos e seus pequeninos repórteres instalados em Nova York ou Bagdá disseram que não havia armas de destruição em massa, o sujeito lá em Quixeramobim, Ceará, no seu barraco, onde pega mui rudimentarmente a internet, falou baixinho: "Ôxe, mas eu já sabia disso…" Ele e boa parte do mundo.

Este é apenas um exemplo de como a grande imprensa (e nossos valores guerreiros da notícia) deveria pensar duas vezes antes de espalhar uma mentira, ou pelo menos uma meia verdade (o que dá no mesmo). O que não está acontecendo.

Vamos considerar, como Nelson Traquina, que a "teoria conspiratória" de Noam Chomsky seja uma espécie de teoria hipodérmica ideológica sobre os profissionais. Isto é, a tese de Chomsky de que os jornalistas obedecem aos patrões que, por sua vez, impõem interesses ideológicos e de Estado, estaria furada. Acontece, porém, que há algo na notícia e em quem traz a notícia – o jornalista – que nos sugere Chomsky. Quando os enunciadores se transformam em um só – pelo querer ou não do patrão – é porque tem algo muito troncho na categoria dos jornalistas. E isto é assunto para os sindicatos. Qual a posição do sindicato, ou da Fenaj, quando o jornalista mente, engana a sociedade? Parece que nenhuma.

Objeto de uso restrito

Com a multiplicação das fontes, é sabido que a grande imprensa (burguesa, capitalista, cada vez mais um partido político, como quiserem tratar) continua cometendo seus grandes crimes; fazendo suas grandes bobagens; distribuindo seus grandes xingamentos… E a sociedade não tem muitas opções para reagir. Conta-se nos dedos da mão esquerda os poucos espaços de análise e crítica da mídia. Aqui tem o Observatório da Imprensa, e acolá o recifense Fopecom, mais adiante alguns sítios acadêmicos, mais uma ou outra ONG… e pronto. Acabou. Por que os sindicatos não entram nessa? Corporativismo?

Os sindicatos têm grandes desafios neste momento. Desafios do lado de fora e do lado de dentro.

O que farão os sindicatos dos jornalistas e a Fenaj diante do fato de que pedreiros e marceneiros, motoristas de caminhão, garis, estão fazendo rádiojornalismo em rádios comunitárias? Vão denunciar à Polícia Federal? À KGB? À CIA? Ou apenas ao Ministério do Trabalho? Em todas as boas rádios comunitárias há essa realidade: o rádiojornalismo, ou seja lá o que for, acontece. Isto é crime? Se for, a quadrilha hoje deve superar 50 mil meliantes. Dentro de um ano esse número vai dobrar. E vai sempre aumentar. Haja presídios para botar tanta gente.

Ironias a parte, se a Fenaj e os sindicatos defendem tanto a liberdade de expressão e a democracia na comunicação, não podem limitar o direito a liberdade de expressão ou o fazimento da democracia (como diria Darcy Ribeiro) a uns poucos, aos da entidade, aos da corporação, aos ricos e belos que conseguiram obter um diploma. Isto é, a democracia ou a comunicação não podem ser objeto de uso restrito daqueles que dominam determinado campo (Bourdieu).

Governador sem crítica alguma

O jornalismo comunitário está crescendo apesar das botinadas estatais, da legislação, do governo Lula. E ele não descarta o jornalista formado. É isso que os sindicatos (incluindo alguns de radialistas que desprezam quem faz rádio comunitária e defendem o patrão) dos jornalistas não perceberam. O jornalismo no Brasil dará um grande salto quando jornalistas formados se unirem aos jornalistas (ou repórteres) não formados para fazer comunicação.

Esta é a primeira sugestão.

A segunda é: os sindicatos e a Fenaj não podem ficar omissos diante das barbaridades cometidas contra a sociedade pela grande imprensa. Minha proposta é de que cada sindicato de jornalistas tenha uma ouvidoria para avaliar a atuação dos jornalistas. E que essa ouvidoria aja de forma honesta e objetiva em defesa dos interesses maiores, com ampla divulgação dos erros e acertos da categoria. Devemos ser corporativos com os interesses maiores da sociedade, e não dos coleguinhas que abusam do seu poder e do crachá de jornalista para defender patrão, seu dinheiro, sua armações e até sua má-fé – coisas, aliás, que acontecem em todas as categorias.

Se já tivéssemos ouvidorias funcionando no Brasil, certamente alguns jornalistas de projeção nacional não estariam cometendo as baixarias que cometem hoje. E melhor ainda seria seu efeito nas localidades.

Por exemplo, 99% dos jornais (e jornalistas) do Distrito Federal não conseguem publicar uma linha de crítica ao atual governador José Roberto Arruda. Não se trata do autor deste artigo ser contra ou a favor de Arruda, mas de defender o jornalismo. Porque não é preciso ser crítico de jornalismo para perceber que Arruda ainda não chegou à perfeição divina e, portanto, deve cometer seus erros. O que aparece nos jornais de Brasília, porém, é coisa de outro mundo: é Arruda inaugurando obras, Arruda obtendo recursos, Arruda defendendo a cidade.

Isto é jornalismo? Qual a opinião da sociedade sobre esse jornalismo? Talvez o jornalista esteja sendo pressionado. Talvez seja uma opção sua. Mas caberia ao sindicato denunciar a verdade.

Arrogância é ardil dos medrosos

No interior do país, as coisas são mais dantescas. Lá, o poder local (executivo, judiciário, legislativo) muitas vezes não aceita uma imprensa crítica; pelo contrário, é comum o executivo financiar uma imprensa servil. O que o sindicato diz disso? Nada? Pois a sociedade precisa exatamente é de uma instituição que receba as suas críticas ao mau jornalismo, às falcatruas, às aberrações da profissão.

Com as ouvidorias nos sindicatos, a sociedade poderia questionar o papel do jornalismo e do jornalista, tornando-se um apoio para o cidadão e para a cidadã, hoje desprotegidos, à mercê do poder local que domina a imprensa.

Por princípio um ente autônomo, o sindicato dos jornalistas tem todas as condições de exercer esta função. Na verdade, em alguns sindicatos existe um "comitê de ética" ou de "liberdade de expressão". Mas é um apêndice limitado do sindicato, ele não supre a carência da sociedade de aliados na luta contra o jornalismo de má qualidade, que não é questão de ter ou não diploma.

A criação de ouvidorias nos sindicatos dos jornalistas romperia as barreiras estabelecidas entre os pretensos arautos da verdade e da decência, colocaria no seu devido lugar o jornalismo ruim, faria com que nós, jornalistas, nos aproximássemos mais do nosso público (Wolton revela que poucos jornalistas estão interessados em saber como é seu público), aprendendo sobre realidade, gente, povo, sociedade, pessoas, seres humanos, cidadania… Essas coisas que uma boa parte da categoria despreza. Com as ouvidorias em funcionamento, estaríamos abrindo um debate com a sociedade sobre o jornalismo e os jornalistas. Ah, sim, poucos têm coragem de fazer isso. Entendo: a arrogância é o ardil maior dos medrosos.

* Dioclécio Luz é jornalista, escritor, autor de livros sobre rádios comunitárias e diversos artigos sobre democracia na comunicação.

Publicidade para crianças: A raposa vigia o galinheiro

A tropa de choque contrária ao projeto de lei que regulamenta a publicidade destinada a criança ganhou um aliado de peso. Na segunda-feira (24/11), em debate na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio sobre o PL 5.921/2001, de autoria de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), o deputado federal Osório Adriano (DEM-DF) deu parecer como relator rejeitando o substitutivo apresentado pela deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG) na Comissão de Defesa do Consumidor.

Seria tudo normal no jogo democrático de posições favoráveis e contrárias dentro do parlamento se não fosse por um detalhe: o PL 5.921/2001, com o substitutivo da deputada mineira, é o que propõe a regulamentação da publicidade destinada a crianças, e o novo relator, além de deputado federal, é o proprietário da fábrica da Coca-Cola no Distrito Federal, a Brasal Refrigerantes.

O mais estranho nesse cenário é que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, no parágrafo 6º de seu artigo 180 (sobre o processo de votação) diz:

"Tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o Deputado dar-se por impedido e fazer comunicação nesse sentido à Mesa, sendo seu voto considerado em branco, para efeito de quorum".

Cinco sessões

Após três anos de intensos debates na Comissão de Defesa do Consumidor, onde empresários da mídia, fabricantes de brinquedos e de alimentos, publicitários, psicólogos, nutricionistas, juristas e pesquisadores colaboraram para que o interesse público – mais especificamente das crianças – fosse superior aos interesses econômicos, corre-se o risco de tudo escorrer por goela abaixo como se estivéssemos em um comercial de Coca-Cola… quente.

Em recente disputa de interesses semelhantes, no caso da classificação indicativa para os programas de televisão, não conseguindo desfigurar completamente a proposta fruto de anos de debates, os empresários da mídia recorreram a uma força superior: conseguiram mudar a rotação da Terra e o movimento do Sol, quase igualando todo o fuso horário no país. Desta vez, acionaram outro mecanismo: o deputado/empresário Osório Adriano.

Somente a título de curiosidade: segundo o Ibope/Monitor Evolution, no primeiro semestre de 2008 a divisão de refrigerantes da Coca-Cola investiu R$ 176.370.000,00 em publicidade, o que representa 64% do que foi gasto pelo setor em todas as mídias no país.

O novo substitutivo ao projeto da regulamentação da publicidade destinada a crianças precisa passar ainda por cinco sessões na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara, a contar de quarta-feira (26/11). Há tempo ainda para impedir que as raposas tomem conta do galinheiro.

* Edgard Rebouças é jornalista, doutor em Comunicação, professor de Legislação e Ética no curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Observatório da Mídia Regional.

Imprensa regional: A grande usina de absurdos

Pense num absurdo, na Bahia tem precedente. Essa frase do ex-governador Octávio Mangabeira é tão real e triste que ainda assusta alguns baianos que não perderam o poder da indignação. Os absurdos na "boa-terra" são tão comuns quanto o acarajé da esquina. Em geral, são produzidos pela política e a imprensa.

Os meios de comunicação baianos sempre foram marcados pela fortíssima influência política. Em geral, numa polarização entre carlistas e seus opositores. Mas, política à parte, falemos da grande usina de absurdos locais. A imprensa.

Temos em nosso quadro de jornalistas figuras inusitadas, que não dificilmente fariam o sucesso em qualquer outro lugar do mundo, mas aqui disputam picos de audiência. O carismático Zé Bin é um dos exemplos clássicos. Em seu programa Que venha o povo descobre figuras engraçadas no meio da rua, visita favelas, dança de forma desajeitada e usa chavões ridículos para definir a situação de detentos entrevistados por ele nas delegacias. Como exemplo, a célebre frase "acabou o milho", à qual os presos respondem "acabou a pipoca".

Subindo um canal no controle remoto, saímos da Aratu-SBT e entramos na Record Bahia, onde Zé Eduardo comanda o “Se liga, Bocão”. Uma cópia do programa anterior, idealizado pelo próprio Bocão antes de mudar de emissora, com ênfase nas discussões de vizinhos, confusões, baixarias e as mesmas entrevistas com bandidos presos. Nesse ponto, ele supera o seu ex-parceiro. A pergunta ao detento é ainda mais ridícula: o fumo entrou?

Apoio aos perdedores

Mas passemos ao grande campeão de audiência da Bahia, Raimundo Varela, mais conhecido como "Seu Valera". Usando o formato de programa que consagrou o antigo apresentador Fernando José, que virou prefeito de Salvador, Seu Valera usa e abusa do populismo, ainda mais que todos os outros. Seu programa, Balanço Geral, virou padrão nacional na Rede Record por influência do presidente da emissora, Alexandre Raposo, ex-parceiro de Varela na TV Itapoan, quando Raposo era o diretor da emissora baiana. Homem de muita visão, Raposo viu a força do formato do programa e o distribuiu por todo o país. Deu certo.

Varela na Bahia é o novo pai dos pobres. Denuncia os descasos administrativos, a corrupção, o abandono das periferias locais e se diz não-político. Essas características criaram sobre esse personagem ímpar uma imagem quase santificada junto ao povo carente. Infelizmente, isso não se reverteu em votos e Varelão apoiou dois candidatos perdedores nas eleições municipais de Salvador esse ano. No 1º turno apoiou ACM Neto, do Democratas, e perdeu. Pulou fora dessa coligação e passou a apoiar, pasmem, Walter Pinheiro, do PT. Mas o pior ainda está por vir.

O filho da ditadura

Como se não bastassem esses exemplos vamos agora ao maior de todos os absurdos: o senhor Mário Kertész, ex-prefeito nomeado pela ditadura e afilhado político do finado senador Antonio Carlos Magalhães. Carreira política a parte, o senhor Kertész comprou uma estação de rádio em Salvador onde apresenta três programas diariamente. Pois bem, no dia 28/10, ao ser questionado por um ouvinte sobre o porquê de só abrir espaço para os comentários políticos do democrata Paulo Souto e não colocar outros políticos de outras tendências no ar, o comunicador chamou o ouvinte de asno – literalmente e enfatizando sua expressão. Defendeu-se dizendo ser democrático e afirmando que o seu programa entrevista pessoas de diversas correntes.

Mas entre entrevistar e colocar no ar semanalmente a opinião política de um único partido existe uma grande diferença. Segundo Kertész, atitudes como a desse ouvinte, tentam "censurar o seu programa, é uma completa burrice, uma asneira sem tamanho, coisa de asno mesmo". Essas doces palavras do radialista destinadas a um ouvinte são um exemplo clássico dos absurdos a que são submetidos os baianos.

Mas, cá entre nós, ser chamado de burro não é o pior. O pior é continuar ouvindo as zurradas desse "senhor da verdade". Esse exemplo de democracia e tolerância política foi apenas uma das demonstrações da postura ética desse comunicador baiano. Porém se vivemos alimentando essas figuras que se alimentam da miséria e da ignorância do povo, como questionar o argumento do filho da ditadura?

A "boa terra"

Será que devemos ser como os três macaquinhos? Não ouvir rádio, não ver TV e muito menos nos pronunciar? Será essa a regra na Bahia dos absurdos?

Certo mesmo estava o meu ilustríssimo conterrâneo Gregório de Matos quando, muitos anos atrás, em uma profética poesia, definiu a "Boa Terra" com uma profunda verdade que se arrasta a dezenas de anos:

"Triste Bahia! Oh quão dessemelhante
Estás, e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vejo eu já, tu a mi abundante."

* Erick da Silva Cerqueira é estudante de Marketing da Faculdade 2 de Julho, em Salvador.

Violência e controle social

Por ocasião dos 16 dias de ativismo contra a violência à mulher, trago para reflexão a influência da mídia no estímulo à violência em geral e, em particular, contra a mulher.

Certamente, seremos questionadas: o procedimento da mídia, afinal, remete mais à sedução do que à violência. Mas, lembrando Foucault, propomo-nos a apontar os mecanismos de violência sutil da produção de imagens socialmente valorizadas, que controla de forma mais eficiente do que o mando e a violência explícitos. E a presença de violência explícita, que também encontramos em suas páginas, fotos, matérias, programação etc.

Se nos concentrarmos na mídia televisiva, podemos perceber várias formas de violência, a começar pela violência da sua intensa concentração. Os especialistas se dividem sobre o número de famílias que detêm em mãos este formidável poder de decidir o que vamos ver, e o que não veremos, além da interpretação que será dada aos fatos e notícias mostrados – seis ou nove famílias concentram este poder em suas mãos.

Decorre desta violência, mais uma: a violência da usurpação de nosso direito à comunicação. O direito à comunicação é um direito humano que nos subtraem, limitando-o ao "direito" de absorvermos as informações que nos passam, sem nos permitir exercer o direito de dizer e mostrar o que pensamos, aprovamos, desaprovamos. Afinal, a comunicação é uma via de duas mãos – e não de mão única, como nos impõem.

Imposição de modelos

Mas temos também a violência explícita, que se reflete na programação e que a banaliza. Se tirarmos por uma semana os filmes baseados em violência, ficaremos praticamente sem programação filmográfica. Neles, a violência abunda e se banaliza. Gera idéias e modelos. Aumenta a tolerância a esta carga enorme que se precipita em nosso imaginário. E, cúmulo da sofisticação, por vezes chega a ser erotizada – induzindo desapercebidamente (ou não), à aceitação de relações sexuais forçadas e "romantizadas", como foi o caso do artigo do colunista Henrique Goldman, intitulado "Carta Aberta para uma Luisa", na revista Trip, que mereceu cartas de protesto que sequer foram reproduzidas, desrespeitando o direito de resposta.

Ou no noticiário, como ocorreu com o caso do seqüestro seguido de morte da Eloá, em Santo André, intensa e extensivamente explorado em forma de espetáculo, e que parece ter estimulado uma série de crimes contra as mulheres, noticiados na mesma semana.

Ou mesmo no que a Globo decidiu batizar de "merchandising social", quando foca o tema em sua teledramaturgia, como fez em algumas de suas novelas. O que entra em discussão, no caso, é o timing – um número infindável de episódios em que alguma mulher sofre impunemente violência física por parte de algum homem próximo, finalmente coroado por um capítulo em que tal violência é punida. Que valor afinal é mais promovido: a impunidade da violência contra a mulher, ou o contrário?

E temos também a violência implícita, que vem de nossa invisibilidade seletiva (nunca aparecemos com nossas demandas sociais em nossas manifestações e reivindicações, em nossos feitos e manifestações, como especialistas em questões de interesse geral, onde se prefere entrevistar tão-somente homens) e na imposição sutil e poderosa de modelos – de beleza, de comportamento, de consumo, de "felicidade", de valores, de normatização.

Termo de ajustamento de conduta

E estes modelos todos reproduzem imagens mais ou menos sutis de submissão, de manutenção de valores segregadores que já foram largamente ultrapassados pelas transformações sociais que promovemos na estrutura e no tecido social. Nos mantêm presas a uma imagem empalidecida e conservadora, prenhe de valores ultrapassados e conformistas.

A nossa diversidade e o nosso contraditório são cuidadosamente ocultados, através de exibição ad nauseam de um modelo único e repetitivo de jeito de ser e ter, que se confundem…

O impacto dessas imagens – e dessas ausências – na formação da subjetividade deixa suas marcas em uma geração de homens e mulheres.

Em nome da saúde mental e do desenvolvimento pleno e saudável da população, esta situação tem que mudar.

Temos – as mulheres e a sociedade civil organizada – promovido uma série de ações contra alguns destes abusos. Como quando a Campanha pela Ética na TV obteve o "direito de resposta", substituindo o programa de João Kleber por um mês, em que os diversos segmentos sociais ridicularizados em seu programa (mulheres, negros, homossexuais) tiveram espaço para dizer a que vieram. Ou como quando a mesma campanha conseguiu a mudança de horário do “Pânico na TV”.

Ou, ainda, quando o CLADEM e o Instituto Patrícia Galvão conseguiram um TAC – termo de ajustamento de conduta – com a Kaiser, que bancou um seminário para a discussão da imagem da mulher na propaganda, em conseqüência de suas "bolachas" espalhadas pelas mesas dos bares, com os dizeres "mulher e cerveja – especialidade da casa".

Responsabilidade social

As mulheres conseguiram, ainda, no Norte do país, a proibição da propaganda de uma oficina publicada em revista em que, sobre o rosto de mulher, de olho roxo, se lia "Está na cara que precisa de funilaria". No Sul, a ONG Themis conseguiu multa e a proibição da música "Um Tapinha não Dói".

Outras tentativas tiveram menos sucesso, mas não deixam de ser importantes. Como o processo movido pelo Observatório da Mulher contra a Skol, pela propaganda "A musa do verão", estranhamente transferida do Ministério Público Federal (depois de um ano de tramitação e de tentativa frustrada de chegar a um Termo de Ajustamento de Conduta) para o Ministério Público Estadual, onde terminou finalmente arquivado, sem que a entidade que encaminhou o processo tivesse ao menos sido ouvida.

Ou, ainda, as centenas de cartas de protesto encaminhadas ao jornal “O Estado de S. Paulo” por sua enquete – em que perguntava a que as mulheres aspiravam mais em termos de políticas públicas, se operação plástica ou outras medidas de embelezamento. Finalmente, a carta de protesto endossada por várias entidades feministas, e outras, protestando contra a matéria publicada na revista Trip, onde um articulista relatava, de forma galhofeira e romantizada, o estupro a que submeteu a empregada doméstica da casa de seus pais para a sua própria iniciação sexual (carta que a revista sequer publicou).

Nesses 16 dias de ativismo contra a violência à mulher, cabe pôr em pauta o papel da mídia na reprodução destes valores execráveis e da naturalização da violência. É mais do que hora de pensar num controle social, exercido pela sociedade civil organizada, para que a mídia efetivamente cumpra a sua função de informar e entreter, com toda a responsabilidade social que lhe cabe, tanto quando a sua propriedade é privada, como quando se trata de uma concessão pública, como no caso da rádio e da televisão.

* Rachel Moreno é psicóloga, pesquisadora e presidente do Observatório da Mulher.

Quem pode mais no PL 29?

Mexendo em casa de maribondo. Esta máxima popular, que alerta para os perigos de se envolver em algo arriscado, está perfeitamente adequada para ilustrar o texto substitutivo do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) ao projeto de lei nº 29/07 (PL 29). São tantos os atores de olho na redação final do projeto que a tramitação vai se estendendo no Congresso Nacional até tentar alcançar um texto palatável para as partes envolvidas. Porém, tal busca por consenso tende a inviabilizar possíveis conquistas da sociedade civil, perseguidas há muito tempo.

O projeto regulamenta os serviços de comunicação audiovisual social eletrônica de acesso condicionado no Brasil, hoje separados em vários instrumentos legais. Em um primeiro plano, a polaridade se dá entre o interesse público e o privado. De um lado, a sociedade civil cobra a inclusão de políticas públicas no campo da televisão paga. Já do outro, as empresas de TV por assinatura exigem liberdade de mercado; mas, paradoxalmente, temem a concorrência com as poderosas redes de telefonia fixa na disputa pelo consumidor, configurando, assim, um segundo plano de divergências.

Fomentar o audiovisual

Para análise, os dois lados podem ser representados, respectivamente, pelos posicionamentos do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) e da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA). O FNDC cobra uma maior intervenção da sociedade no mercado, através do fortalecimento do Conselho de Comunicação Social (CCS) e da aguardada Conferência Nacional de Comunicação. Com o apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a principal reivindicação do FNDC é de que as conquistas da Lei do Cabo sejam ampliadas ou pelo menos mantidas, destacando-se, entre elas, os conceitos de rede pública e rede única.

De fato, o texto do substitutivo de Bittar não reflete o acúmulo dos movimentos sociais pela democratização da comunicação, pois, apesar do razoável diálogo com vários atores da mídia brasileira, são as empresas de telefonia e de televisão paga que acabaram se tornando as maiores beneficiadas. Com exceção de alguns avanços, o capital novamente se sobrepõe à mobilização civil, a exemplo do que ocorreu na escolha do modelo de TV digital no Brasil.

Foram justamente os poucos avanços do substitutivo que fizeram a ABTA se manifestar contra o texto. Através de um discurso neoliberal, suas considerações solicitam a retirada do projeto de qualquer menção que traga mais ônus ao serviço, como a inclusão de cotas para a produção nacional, os canais obrigatórios e o novo tributo destinado à fomentação de audiovisual: a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine).

Gigantes da economia privada

Na compreensão das empresas, o problema da falta de investimento no audiovisual brasileiro está no mau uso dos impostos pagos pelo setor privado. Segundo elas, já há arrecadação de tributos suficiente para fomentar a produção nacional, a ponto de torná-la competitiva com a realização internacional. A ABTA considera injusto cobrar mais dos capitais e obrigá-los a reservar um espaço maior para o audiovisual brasileiro no pacote de assinatura porque encarece os custos do serviço, prejudicando a expansão da TV por assinatura no país. Esta, no entanto, já vem enfrentando uma enorme dificuldade de firmar-se junto à população, a qual, em sua maioria, não reconhece valor substancial no produto.

Para piorar as perspectivas das empresas, o substitutivo também possibilita a entrada de uma terceira força na discussão, capaz de ir aonde os atuais grupos não conseguiram chegar. São as operadoras de telefonia fixa, conhecidas como teles. Economicamente superiores às empresas de televisão paga e politicamente mais influentes do que os movimentos sociais, as teles aguardam autorização do Estado para investir pesado na TV por assinatura. É provável que elas tenham mais facilidade para lidar com os desafios impostos pelo PL 29, de modo a privilegiar o seu acesso ao mercado e ameaçar o atual oligopólio.

A ABTA exige medidas preventivas que permitam iguais condições de concorrência entre as empresas do setor e as companhias de telefonia fixa. Caso contrário, ela teme a superação dos seus associados por grupos mais estruturados, tornando-os vítimas da defendida liberdade de mercado. Em termos práticos, a concentração vertical do audiovisual nas mãos da teles possibilita uma maior difusão do serviço, em virtude da alta capilaridade decorrente das operações de telecomunicações. No entanto, se isso acontecer, o Estado estará dando um enorme poder a esses verdadeiros gigantes da economia privada.

Um momento derradeiro

Para saber quem pode mais no PL 29, os brasileiros terão de esperar um pouco. O projeto, que estava prestes a ser votado na Comissão de Ciência e Tecnologia, para, em seguida, ser encaminhado ao plenário da Câmara dos Deputados, foi entregue à Comissão de Defesa do Consumidor em agosto deste ano. O novo relator do PL 29, deputado Vital do Rêgo (PMDB-PB), afirma que vai apresentar seu relatório sobre o projeto no começo de dezembro, porém sem os acréscimos de emendas, mesmo aquelas que já foram aprovadas pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, no final de 2007, ou acatadas pelo substitutivo de Bittar. Rêgo trabalhará o seu relatório somente a partir do projeto original.

O deputado petista, por sua vez, tenta fechar um acordo entre as lideranças partidárias para viabilizar a tramitação da matéria em regime de urgência. Se o acordo acontecer e o pedido for aprovado, o PL 29 passará simultaneamente pelas últimas duas comissões envolvidas, além da Comissão de Constituição e Justiça. As votações internas seriam dispensadas e os pareceres apresentados diretamente no plenário. Portanto, vive-se um momento derradeiro para a sociedade civil, as empresas de televisão paga e as teles testarem suas forças no projeto, que pode vir a ser um marco regulatório da comunicação brasileira.