A audiência pública sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) realizada ontem (30), na Comissão de Ciência e Tecnologia Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados foi mais uma vez palco da disputa sobre o modelo a ser adotado para o que o governo pretende ser um programa para massificar o acesso à internet em alta velocidade no país. Os temas principais da disputa são o regime de prestação do serviço da banda larga e também a reativação da Telebrás, ou seja, o papel do Estado na oferta do serviço. O secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento Rogério Santanna, que também é membro do Grupo de Trabalho criado pelo Governo Federal para elaboração do PNBL, afirmou que a questão central do plano não é se o serviço da banda larga é prestado em regime público ou privado, mas sim como fazer para aumentar a concorrência entre os atores e tirar as concessionárias de telecomunicações que prestam serviço de internet da “zona de conforto” em que se encontram.
Na semana passada, em outra audiência pública realizada na Câmara, entidades de defesa do consumidor – a ProTeste e o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idec) – e do direito à comunicação – Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social – defenderam a adoção do regime público como questão chave para a universalização da banda larga (saiba mais). Ontem, Santanna defendeu que o regime público não resolveu o problema da telefonia fixa porque, neste setor, “não teve concorrência”. Portanto, para o secretário, este não deve ser o centro do debate.
A tentativa do representante do governo de tirar o foco da discussão da natureza do serviço e colocar na concorrência, aponta para uma já possível definição do governo sobre o tema. Reforça a ideia de que o governo não mexerá no regime de prestação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) o pedido feito por Santanna para que os deputados votem a favor do Projeto de Lei 1.481/07, que estava ontem na pauta do plenário da Câmara, mas cuja votação foi novamente adiada. O PL muda substancialmente o caráter do Fundo Nacional de Universalização das Telecomunicações (Fust), criando a possibilidade de seus recursos serem usados nos serviços prestados em regime privado – como a banda larga. O secretário, entretanto, seguiu afirmando que “nada foi resolvido até agora”.
A favor do regime público
Em defesa da prestação dos serviços de banda larga em regime público, posicionou-se, tão somente, o representante da empresa pública Informática de Municípios Associados (IMA), Pedro Jaime Ziller, que relembrou também que as discussões da reativação da Telebrás permeiam os debates da Câmara dos Deputados desde 2003. Ziller, ex-conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), foi taxativo quanto à impossibilidade de o setor privado prestar o serviço de banda larga de forma a universalizá-lo sem que isso se dê no regime público.
Apoiando-se na fala do representante das prestadoras, José Fernandes Pauletti, que afirmou que o papel do Estado deveria ser fazer chegar a internet onde “não havia interesse das operadoras” por não haver “mercado”, Ziller defendeu a reativação da Telebrás e a criação de subsidiárias para prestação dos serviços finais. Segundo ele, não se pode deixar um serviço essencial nas mãos de quem só pode prestá-los a partir da lógica de mercado.
“Se não fosse um acordo do governo pela troca de metas do Plano Geral de Metas e Universalização do Serviço de Telefone Fixo Comutado por internet nas Escolas Públicas, por exemplo, isso não teria sido feito pelas concessionárias”, afirmou Ziller, que estava na Anatel quando houve a mudança no PGMU. “Estados e municípios precisam ter acesso às redes públicas. É necessário e oportuno que a prestação desse serviço seja em regime público, conforme deixa muito clara a Lei Geral de Telecomunicações em seu artigo 64.”
Ziller lembrou que o que está em questão com a discussão do Plano Nacional de Banda Larga é fundamentalmente a democratização dos meios de comunicação, para a proporcionar a pluralidade e a diversidade de forma a não mais fazer dos meios de comunicação indutores da formação de consensos.
Telebrás, pomo da discórdia
A fala de Rogério Santanna polarizou principalmente com a de José Fernandes Pauletti, representante Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), obviamente não em relação ao regime em que deve ser prestado a banda larga. O tema da discórdia entre governo e empresários segue sendo a reativação da Telebrás, e, mais especificamente, a função que deverá cumprir a estatal na execução do PNBL.
Na opinião de Pauletti, não é papel do Estado, em princípio e no atual modelo, atender ao usuário final. Para o representante empresarial, o Estado deve se ater à tarefa de organizar os debates sobre o PNBL e também favorecer que haja o uso intensivo das infraestruturas existentes.
Santanna não deixou claro se o Estado vai ou não prestar a última milha – levar o serviço até a porta da casa dos usuários, como temem às concessionárias. O secretário defendeu que a Telebrás é fundamental para o que ele chamou de “mudança de paradigma tecnológico” que estaria em curso no Brasil.
Segundo o secretário, neste novo cenário, onde aparentemente não há mercado para as concessionárias hoje pode haver amanhã e o Estado também poderia atuar nessas áreas e ainda ter rendimentos. Para Santanna o critério da inovação pode ser um boa aliada das novas tecnologias, e citou o Google e o Skype como modelos de serviço que “exploraram o inusitado e se deram bem”. O recado velado de Santanna aos empresários foi: invistam em outros serviços.
Rede pública e soberania
O secretário defendeu que a Telebrás e não os Correios, como quer o agora ex-ministro das Comunicações Hélio Costa, ou a Serpro, como andou sendo ventilado na mídia esta semana, seja a gestora do PNBL. A favor da Telebrás pesam o fato de que o Brasil não tem ofertantes suficientes para atingir a grande maioria da população estruturalmente – ou seja, faltam os backbones (estrutura central de cabos) e backhauls (as estruturas que dão acesso aos estados e municípios) necessários – e a necessidade da existência de uma rede pública também como uma questão de soberania nacional.
“Ter o controle das comunicações, ter uma rede própria do Estado nos dias de hoje é tão estratégico como ter submarinos e outros aparatos de defesa nacional”, afirmou o secretário. “Como será a situação do Brasil se em um momento de conflito mundial depender de um satélite que está nas mãos de uma empresa estrangeira, que é influência de outra nação? Em um possível conflito de interesses, eles podem deixar o Brasil incomunicável. As forças de defesa de uma país precisam de autonomia nas comunicações.”
A falta de uma infraestrutura de cabeamento que atenda à grande maioria da população, para Santanna, também estaria resolvida com a revitalização da Telebrás. A estatal tem uma rede de aproximadamente 20 mil quilômetros de fibra ótica que pode ser usada na expansão da banda larga, além dos ativos de energia das redes da Eletronorte e da Eletrobrás que também podem ser usados.
Apesar de não ter deixado explícito isso em sua fala, Santanna mostrou-se próximo a ideia de a Telebrás servir como um órgão catalizador da concorrência entre grandes e pequenos provedores e chegando, possivelmente com a ajuda destes últimos, onde não há interesse dos primeiros. Não informou, porém, se o governo vai ou não prestar a chamada última milha, ou seja, se tornar ele mesmo um provedor público de internet.
Santanna mostrou-se, a princípio, motivado com a instabilidade que gera a discussão da Telebrás para as concessionárias, que na opinião do secretário só fazem concessões sob pressão e ameaça do Estado. “Às vezes a instabilidade ajuda, porque estávamos acomodados. Se as concessionárias continuarem achando que o Estado é um leão sem dentes vão continuar como estão. Só quando acham que vão ter concorrentes é que se movimentam, como no caso da banda larga. Podem ver: as empresas de telecomunicações são as campeãs de reclamação no Procon.”
Ao responder às provocações do Secretário, Pauletti avaliou que o governo acerta no diagnóstico sobre os desafios da banda larga, mas erra nas conclusões que, ainda na opinião do representante da Abrafix, são tendenciosas. As concessionárias parecem temer que a Telebrás venha a ter facilidades que dificultem a concorrência em pé de igualdade entre os atores públicos e privados.
“Os competidores devem ser tratados de forma isonômica e devem poder utilizar os fundos também de forma isonômica, bem como participar das licitações. Devemos todos estar submetidos à mesma regra”, advertiu Pauletti. O empresário disse ainda que a diminuição do preço das tarifas da telefonia – e , supostamente, também dos demais serviços de comunicação –, citada por Rogério Santanna nas críticas às teles, dependia também da diminuição da carga tributária cobrada pelo Estado a este serviço.
Pequenos a favor do PNBL
Ao contrário das grandes operadoras de telecomunicações, os pequenos provedores de internet estão alinhado com o governo federal. O representante da Associação Brasileira de Pequenos Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrappit), Ricardo Sanchez, defendeu a reativação da Telebrás. Segundo ele, a associação, desde o início do debate do PNBL, vem fazendo testes de uso da rede pública já existente e, atualmente, 250 pequenos provedores estão usando a rede da Eletrobrás para prestar internet por rádio para alguns municípios do país. Segundo Sanchez isso responde a uma das perguntas iniciais da deputada proponente da audiência, Luiza Erundina (PSB-SP), sobre a viabilidade da rede das redes que possivelmente serão geridas pela Telebrás.
Sanchez defende justamente que a Telebrás atue como a tal catalizadora da concorrência entre os pequenos e grande provedores, visto que os primeiros não querem chegar onde não há um grande mercado a ser explorado e os pequenos provedores poderiam contar com a rede públicas para não mais depender das rede que estão sob domínio das concessionárias.