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Crimes de ódio na TV brasileira podem ganhar repercussão internacional

Os espetáculos de ódio estimulados pelas emissoras de televisão no Brasil podem ganhar repercussão internacional e servirem como ponto de partida para reforma no sistema de segurança pública e também nas concessões de radiodifusão do País. No último dia 13 de junho, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, o caso Paulo Sérgio Silva, humilhado e condenado arbitrariamente numa delegacia baiana com o endosso de Rede Bandeirantes em exibição nacional, foi ponto de partida para enviar a Organização das Nações Unidas (ONU) os casos de violações aos direitos humanos na TV aberta nacional.

Parlamentares, representantes da sociedade civil e até gestores do Executivo Federal apontaram os mecanismos responsáveis pela junção entre arbitrariedade do poder policial e concessionários de radiodifusão. O vácuo na legislação da radiodifusão foi identificado na apresentação de Octavio Penna Pieranti, representante do Ministério das Comunicações: “Violação de direitos humanos não aparece na lei como passível de suspensão e cassação. A empresa só pode ser multada administrativamente em até 76 mil reais”.

O diretor do Intervozes, Pedro Caribé, relatou na ocasião um estudo na Bahia sistematizando a recorrência destes casos, e a  necessidade de servirem de “bandeira” na reforma regulatória em curso no país, em especial, por incitar o ódio racial, já que a grande maioria da fontes violadas são negras: “Os direitos constitucionais e pétreos, individuais e coletivos, são desrespeitos pelos concessionários. No caso desses programas policialescos, o que está em jogo é a legitimação do genocídio da população negra”.

Pedro Caribé também apontou as deficiências do Judiciários e Ministério Público em lidar com esses casos, em especial no deferimento do direito de resposta, por falta de entendimento dos limites constitucionais da liberdade de expressão.

A deputada Luiza Erundina, integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCIC), afirmou o viés criminoso dos programas policialescos: “É um crime de classe, mas também racial, já que por ser negro, aquele adolescente despreparado foi punido na sua imagem e intimidade em um espaço de serviço público”. Erundina também reforçou que o caso transmitido na Bandeirantes precisa ser emblemático para a sociedade civil caçar as concessões das empresas.

Impunidade
O deputado Luiz Alberto, membro da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM),  ressaltou a ausência dos veículos de comunicação convidados para o evento e encaminhou o pedido de nova audiência pública em Salvador onde há mobilização para  por fim as práticas das emissoras e viabilizar a liberdade de Paulo Sérgio, preso há quase três meses sob autos arbitrários da polícia baiana.

 

Entre os argumentos utilizados pelos movimentos negros e de comunicação do estado estão os 170 pontos recomendados pela ONU recentemente ao Brasil na área de segurança pública. Também é utilizado como referência um ação civil impetrada no Ministério Público pelo Conselho do Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN) da Bahia, ainda em 2009, para paralisar as práticas dos programas policialescos; bem como estudo realizado na Faculdade de Comunicação da UFBA em parceria com a Cipó e o Intervozes sobre esses conteúdos desde 2009. 

 

Até o momento, só a repórter Mirella Cunha sofreu algum tipo de sanção: foi demitida da Band Bahia. José Augusto Camargo, secretário-geral da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), ressaltou que a culpa no caso Paulo Sérgio não pode recair só nas costas da jornalista: “É responsabilidade também dos técnicos, produtores, da empresa, de todos os envolvidos. A repórter [Mirella Cunha] cometeu um erro, mas é preciso envolver nesse debate as empresas de comunicação que não podem ser eximidas de culpa”.

Já o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Veiga Rios, explanou as dificuldades  enfrentadas para continuidade da Classificação Indicativa e criticou programas em que há  humilhação e ridicularização do cidadão: “Nessas horas, a gente se sente impotente. Tem que haver um respeito mínimo pela pessoa seja ela negra, pobre, presa, ou em qualquer situação”.

Carlos Alberto de Souza, ouvidor da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), diz que a dignidade da pessoa humana é protegida pela Constituição. “Para mim isso é um crime, não é permitido incitar racismo e preconceito. Precisamos nos prevenir para que casos como este não se repitam, pois esse conteúdo tem uma disseminação gigantesca que só colabora na renovação do racismo”.

 

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O caso da repórter Mirella Cunha, do programa “Brasil Urgente Bahia”, da TV Bandeirantes, está na mira da justiça. Após uma onda de críticas nas redes sociais e de manifestações de entidades civis à matéria da jornalista, o episódio pode gerar processos contra a repórter, o programa e a emissora por violar direitos constitucionais e os direitos humanos. A coordenação do Núcleo de Criminal do Ministério Público Federal da Bahia apresentou nesta quarta-feira (23) uma representação pedindo a investigação do caso e a tomada de medidas cabíveis. Já o Ministério das Comunicações eximiu-se da responsabilidade de punir a Bandeirantes.

A reportagem feita dias atrás pela jornalista Mirella Cunha com um rapaz suspeito de crime sexual causou indignação de diversos setores da sociedade. Durante a matéria, feita dentro da 12ª Delegacia de Itapoã, em Salvador (BA), a repórter acusa o jovem de ter tentado estuprar uma pessoa e faz piadas com o fato de o detido ter confundido exame de corpo delito com exame de próstata, além de debochar dos erros de português do acusado. Enquanto a jornalista conversa com o preso, embaixo da tela aparece a frase “Chororô na delegacia: acusado de estupro alega inocência”

O procurador Vladimir Aras, autor da representação, alega haver indícios de abuso de autoridade, mau uso da concessão pública por parte da emissora e dano à honra do preso. “Presos tem direitos também, e um deles é a presunção de inocência até ser julgado”, diz o procurador. Ele também aponta para outros riscos subsequentes à matéria veiculada pela Band. “O caso nem foi apurado, mas sabe-se muito bem o que se faz com esses suspeitos na cadeia”, observa Aras, se referindo à violência física, incluindo estupro, comumente exercida contra acusados de violência sexual. A representação foi encaminhada à Secretaria de Segurança do governo da Bahia e ao Ministério Público estadual, que também recebeu denuncias de entidades da sociedade civil a respeito do caso.

O jornalista Pedro Caribé, do Coletivo Intervozes e um dos representantes da sociedade civil no Conselho de Comunicação da Bahia, lembra que casos como esses não são raros, e diz que não só as emissoras, mas também o Estado tem responsabilidade nessa questão. “Esse exemplo espelha bem a relação histórica entre empresas de comunicação e o aparato policial. Ele demonstra como esses parceiros atuam sem controle social devido, passando por cima dos direitos individuais e da Constituição”. Caribé também diz que o Conselho Estadual de Comunicação, implementado há um mês, pode servir como ponte entre esses casos e os entes jurídicos, mas observa que isso é insuficiente. “É necessário uma reformulação no marco regulatório, a fim de facilitar reivindicações da sociedade”, opina.

Em carta manifesto divulgada na terça (22) , diversos jornalistas baianos relembram que, além de violação constitucional, o caso também infringe o artigo 6° do Código de Ética dos jornalistas brasileiros, que diz ser “dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. O documento também denuncia “uma evidente vinculação entre esses programas e o campo político, com muitos dos apresentadores buscando, posteriormente, uma carreira pública, sendo portanto uma ferramenta de exploração popular com claros fins político-eleitorais.”

A grave violação aos direitos humanos identificada por milhares de pessoas, movimentos sociais e órgãos da justiça parece não ter sensibilizado o Ministério das Comunicações, responsável por aplicar sanções aos concessionários de rádio e TV quando cometem abusos. Em nota, a assessoria do Minicom afirmou simplesmente que não cabe ao órgão se posicionar quanto ao caso.

O governo tem respaldo legal para agir, caso tenha interesse. Cabe lembrar que o Decreto Presidencial nº 52.795, de 1963, institui no Art. 28 (incluído em outro decreto de 1983) que cabe as emissoras concessionárias “não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”. A multa para estes casos chega até 50 salários mínimos.

Recorte social

“Acredito que eles escolhem a nós, negros oriundos da periferia, para suas matérias, pois acreditam que somos ignorantes, e que se ao menos sabemos falar, para eles, não saberemos nossos direitos”, denuncia Enderson Araújo, diretor do grupo Mídia Periférica, um dos organizadores do twitaço realizado essa semana em protesto contra o episódio. O procurador Vladimir Aras concorda com a análise fazendo uma comparação com a cobertura da mídia em relação ao caso Carlinhos Cachoeira. Segundo ele, o caso do bicheiro também há um interesse público em interrogar o suspeito, mas seus direitos foram resguardados. “Enquanto um aparece na TV respondendo apenas o que lhe convém, o outro é exposto algemado”, compara ele.

Já a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em nota , declarou que "programas policialescos, irresponsáveis e sensacionalistas não podem ser tolerados pela sociedade por se travestirem de produções jornalísticas. Na verdade, estes programas ferem os princípios e a ética do Jornalismo e configuram abuso das liberdades de expressão e de imprensa, por violarem os direitos constitucionais da cidadania". A Fenaj ainda defende a aplicação de medidas cabíveis aos profissionais envolvidos, mas também aponta para a "necessidade de responsabilização das empresas da mídia, que definem os formatos de seus programas e os impõem aos profissionais e ao público".

Apesar da grande visibilidade atingida pelos manifestos feitos pelas redes sociais Twitter e Facebook, Enderson reconhece a importância de se tomar medidas reais. Ele aponta como uma das possíveis ações a realização de audiências públicas sobre esse tipo de programa, além da intenção de ajudar o jovem acusado. “Ele cometeu um crime sim, mas não sabemos a realidade deste jovem, nem podemos julgar, como fez a repórter. Vamos tentar ressocializá-lo, para que ele volte à sociedade”.