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No sertão da Bahia, Convivência com o Semiárido é divulgada também pelas ondas do rádio

A presença do rádio na região do São Francisco data por volta dos anos de 1950, e até hoje “supera a televisão e todos os meios de comunicação”, conforme a opinião de Gilberto Cardoso, de 33 anos, que todos os domingos sai de sua propriedade, a 13 km da sede de Curaçá – BA, para apresentar o programa “A voz do homem do campo”, na Rádio Comunitária Curaçá FM.

O programa, produzido e apresentado ao vivo por Gilberto das 8h às 9h tem o objetivo de veicular informações de interesse dos produtores e produtoras rurais, dicas que auxiliam no manejo do rebanho, na produção agrícola, no cuidado com a caatinga, além de músicas e poesias que, segundo colaborador da rádio, falam da região, do modo de vida sertanejo e fazem as pessoas refletirem.

Gilberto, que mora com a esposa e dois dos quatro filhos no Sítio Mirante, área rural de Curaçá, faz questão de destacar sua atividade diária como produtor rural e vaqueiro, e diz que apesar do nome, o programa é voltado também para a mulher e para os meninos e meninas que vivem no campo e não deixam de ser protagonistas das atividades comuns à rotina da vida rural, tal como acontece em sua propriedade. “Eu sou a voz de Seu Manel em Caxaqui, de Toinho em Mundo Novo, de meu avô que já faleceu”, acredita o jovem produtor que recebe em média trinta ligações durante seu programa. Para ele, isso é reflexo de uma comunicação que fala do povo e para o povo, através de uma linguagem popular e da divulgação da proposta de Convivência com o Semiárido, algo que defende como necessário para manutenção das famílias no campo e para qualidade de vida das mesmas.

Sérgio Avilez, também locutor da Curaçá FM e ouvinte assíduo do programa, não cansa de elogiar o trabalho do colega e confirma que “A voz do homem do campo é um programa didático. Nasci na capital, mas aprendi muito sobre o campo com o programa do Gilberto”, relata. Não faltam elogios também na casa de Dona Maria Alice, de 80 anos, moradora da comunidade de Primavera, a poucos quilômetros do sítio de Gilberto. “Quando chega a hora do programa, a gente pode até tá tomando café e pára pra escutar”, conta entusiasmada D. Maria, que ao lado do irmão Antônio Freire, o “Guilé”, se diverte ouvindo seu radinho e sabendo as notícias do mundo como ela mesma diz. “Ele incentiva os produtores, ensina a desenvolver o trabalho no campo”, diz Seu Guilé.

 

Em casa, a prática da Convivência com o Semiárido

 

Depois de já ter morado em estados como São Paulo e Goiás e de ter um currículo cheio de experiências que vão desde auxiliar de escritório, pintor de paredes, agente de projetos ambientais, até trabalho voluntário com grupo de teatro e comunidade quilombola, Gilberto diz amar o pedaço de terra onde mora e afirma que uma de suas maiores felicidades é chegar em casa a noite e ouvir os filhos lendo uma cartilha. Ele que estudou até o ensino médio, faz o possível para garantir a formação dos herdeiros Gustavo, Glauco, Filipe e Gilberto Junior.

 

Procurado pelos vizinhos para auxiliar no controle de doenças dos animais, dicas para melhorias das propriedades e práticas de campo, Gilberto sempre compartilha o que aprende e diz já ter participado de 50 cursos voltados para caprinovinocultura. No trabalho em família, enquanto a esposa Rejane vai para a roça as crianças estão na escola e os pequenos também ajudam nas tarefas cotidianas do sítio. E é o cuidado com os caprinos, galinhas, suínos e o carinho com os animais domésticos que fazem Gilberto ter a certeza de que o Semiárido é viável e que o ambiente precisa ser preservado. Um de seus sonhos é ver uma produção sem adubos químicos na margem do rio, por isso, em seu programa incentiva a produção orgânica, a caprinovinocultura, a importância de políticas que garantam isso aos produtores. “Uso o rádio como uma forma de fomentar essa discussão entre as pessoas”, revela.

 

Tanto em sua propriedade quanto no programa de rádio, Gilberto diz colocar em prática o que aprendeu com a vida e com as experiências de trabalho que já teve. Entidades como o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA, Secretarias municipais que trabalham com a temática, EBDA, entre outras, também são consideradas como importantes parcerias e fontes de informação para “A voz do homem do campo”.

 

Por que uma outra Comunicação para Convivência com o Semiárido?

 

No Brasil, apesar da Constituição Federal assegurar a comunicação como direito, na prática, há um visível monopólio, onde os meios de comunicação encontram-se concentrados nas mãos de poucas famílias. As rádios comunitárias que atuam com responsabilidade e compromisso com a comunidade, a exemplo da Curaçá FM, são importantes instrumentos de mobilização social e da expressão da pluralidade de vozes que deveria estar presentes em todos os meios de comunicação.

 

O Irpaa, ao longo dos mais de 20 anos de atuação no Semiárido, tem apostado em uma comunicação que valorize as potencialidades da região, as formas diversas e viáveis de convivência com o clima. Essa necessidade decorre da urgência em desconstruir um imaginário de uma região seca, atrasada, onde há muita miséria e as pessoas contentam-se com medidas paliativas e/ou assistencialistas. Com o propósito de levar à população informações importantes para o desenvolvimento sustentável do Semiárido e também valorizar a ação dos movimentos sociais, a cultura regional, o Instituto produz o programa “Viva bem no Sertão”, veiculado em seis rádios comunitárias da Bahia e em uma do Piauí.

 

Iniciativas como a de Gilberto Cardoso – que há oito meses faz a alegria de muitos ouvintes da Curaçá FM – ajudam a difundir experiências importantes que asseguram a viabilidade da Convivência com o Semiárido e a possibilidade de uma comunicação democrática, voltada para os reais anseios da população.

Comunicadores comunitários se reúnem no Rio de Janeiro

Comunicadores comunitários das cinco regiões do país lotaram o auditório Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro durante o IV Seminário de Legislação e Direito à Comunicação, realizado pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) no dia 11 de agosto.

Segundo a presidenta mundial da entidade, Maria Pía Matta, a intenção da Amarc em realizar o seminário é debater junto a outros atores sociais e unir forças para a defesa do Marco Regulatório para as comunicações que permita a democratização do setor no Brasil. “A mídia comunitária possui um acúmulo que tem que ser somado aos demais movimentos que também lutam pela democratização da comunicação. Precisamos agregar as reivindicações dos profissionais da mídia e dos cidadãos na luta por uma política social para o país”, defendeu a presidenta.

Durante o evento, o representante do Ministério das Comunicações, Demerval da Silva Júnior, adiantou que governo estuda enviar de forma fragmentada a Lei Geral das Comunicações. “Estamos estudando se enviaremos uma Lei Geral com todas as propostas de regulamentação para o setor ou se vamos fatiar esse envio. O Ministério está estudando a melhor forma para aprovar no Congresso Nacional”, confirmou. Ainda segundo Demerval, existe a possibilidade das rádios comunitárias ganharem uma lei específica para o setor. Porém, as TVs Comunitárias poderão não estar inclusas nessa legislação. “Ainda não definimos a questão das TVs comunitárias, mas a gente enxerga a TV comunitária como parte do Canal Cidadania no âmbito da TV Digital”, finalizou.

Criminalização das Radcoms

Para o professor Adilson Cabral, da Universidade Federal Fluminense (UFF), é preciso desconstruir a imagem negativa que os grandes meios de comunicação criam em relação às rádios comunitárias. “Não se trata de um negócio, nem de um mercado ou segmento de mercado, comunicação comunitária é comunicação pública”, sustentou o docente.

Seguindo a mesma linha na defesa dos veículos comunitários, o pesquisador Dioclécio Luz criticou a criação de novos dispositivos que aumentam a criminalização do movimento. “O Estado vem aprimorando sua repressão às rádios comunitárias. No governo Lula, a lei foi modificada para permitir aos agentes da Anatel a recolherem equipamentos”, criticou o pesquisador. Para ele, é preciso criar uma legislação que reconheça os serviços prestados pelos radiodifusores comunitários, que são limitados pela lei a operar em um “galinheiro eletromagnético de 1km”.