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PL esquenta debate sobre marketing infantil

As discussões e diferentes posições quanto ao projeto de lei que regulamenta a publicidade para crianças no País foram o fio condutor dos painéis do dia de abertura da I Conferência Internacional de Marketing Infantil, nesta quarta-feira, 4, em São Paulo.

O polêmico PL 5921/2001 permeou os debates de todas as sessões, independente dos assuntos-temas ou da diversidade dos palestrantes de cada uma delas. Uma das posições mais veementes contrárias à proposta em trâmite em Brasília partiu do representante da indústria de licenciamentos. Sebastião Bonfá, presidente da Associação Brasileira de Licenciamentos (Abral), ressaltou os 1500 empregos diretos mantidos pelo setor e os R$ 4 bilhões que os licenciamentos movimentarão em 2009.

"Não somos contra a regulamentação. Mas já existem órgãos competentes que fazem isso, como o Conar", afirmou.

Diretor acadêmico da escola de negócios e direito da Universidade Anhembi Morumbi, Giancarlo Ricciardi, seguiu a mesma linha. "O Estado é falho e carece de especialistas competentes para analisar a área. Não cabe a ele a regulamentação", opinou.

Em defesa da participação do governo na regulamentação da publicidade para crianças, a gerente geral de monitoramento e fiscalização de propaganda da Anvisa, Maria José Delgado, citou números de estudos nacionais e internacionais. Um mostrava que a estrutura da pirâmide de anúncios de produtos alimentícios é exatamente inversa a da pirâmide de alimentação ideal. O outro indicava que, para cada dólar gasto pela Organização Mundial de Saúde para promover uma alimentação saudável, US$ 500 são gastos pela indústria de alimentos para a promoção de seus produtos processados.

"Hoje, essa responsabilidade (de educar os filhos quanto ao consumo de alimentos saudáveis) não pode ser só da família. Ela não tem habilidade para tratar da maneira mais correta sobre esse tema porque os pais foram criados como consumistas", analisou Maria José.

O deputado federal Marco Aurélio Ubiali (PSB-SP) endossou as palavras da gerente da Anvisa. "O Estado, como ente político, tem de ter sua participação. Se deixar o mercado – que tem como essência o lucro – decidir, não teremos uma regulamentação real", enfatizou.

Multinacionais ignoram compromissos e mantêm anúncios

As crianças brasileiras não merecem o mesmo tratamento das européias e estadunidenses quando o assunto é o respeito aos seus direitos. Esta é a situação revelada por um levantamento sobre as práticas publicitárias de 12 corporações multinacionais que demonstrou o desrespeito no Brasil aos limites que estes grupos se propuseram a adotar na Europa e nos EUA. O estudo foi produzido pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, e divulgado neste mês.

A iniciativa surgiu após a divulgação de compromissos assumidos pelas 12 empresas – Burger King, Cadbury Adams, Coca-Cola, Danone, Ferrero, Kelloggs, Kraft Fojosdireitoaco, Mars, McDonalds, Nestlé, Pepsico e Unilever – em tratados com a União Européia, os EUA e com a Organização Mundial da Saúde (OMS) de não produzir mais anúncios publicitários ou adotar práticas de marketing de alimentos e bebidas não saudáveis voltados a crianças de até 12 anos. Alguns grupos decidiram, inclusive, abolir aqueles personagens promocionais e até não fazer nenhuma publicidade mesmo que a composição nutricional dos alimentos permita.

No Brasil, no entanto, a postura é bastante distinta. As filiais instaladas no país insistem em uma prática cujos malefícios já haviam sido reconhecidos por suas matrizes. Os compromissos assumidos em outros países partiram do reconhecimento de que as peças publicitárias voltadas a crianças têm fortes impactos nos seus hábitos de consumo. Apesar disso, elas continuam sendo veiculadas normalmente nos meios de comunicação nacionais.

Para realizar a comparação, as organizações promotoras monitoraram a publicidade televisiva de alimentos e bebidas nas emissoras Globo, SBT, Discovery Kids e Cartoon Network, além de sites na Internet. A análise foi feita a partir do mês de janeiro, data estipulada para a entrada em vigor na União Européia dos compromissos de auto-regulamentação assumidos pelas empresas.

O estudo mostra que todas as 12 corporações adotam de alguma forma o chamado “duplo padrão de conduta”, ou seja, patrocinam no Brasil campanhas publicitárias que não poderiam ser realizadas na União Européia e nos Estados Unidos. Mesmo aquelas que não fazem publicidade na televisão ou na Internet utilizam-se de outras técnicas, como o uso de personagens.

“A postura das empresas nos parece preconceituosa. Há um tratamento desigual em relação ao Brasil”, afirma Isabela Henriques, coordenadora do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. Ela conta que algumas empresas assumiram a restrição à publicidade infantil como um compromisso global. Contudo, só europeus e estadunidenses parecem saber disso. A Nestlé, que divulgou recentemente a disposição em aplicar a auto-regulamentação, ainda não o fez.

‘Liberdade de expressão comercial’

Em solo brasileiro, as empresas não apenas refutam o que suas matrizes fazem como caminham justamente em sentido contrário. A criação, no Congresso Nacional, da Frente Parlamentar da Comunicação Social deu fôlego para que publicitários e empresários cunhassem um novo conceito, o da “liberdade de expressão comercial”. De acordo com Isabela Henriques, este termo é inexistente, tendo sido “inventado pelo mercado”.

A advogada do Idec Daniela Trettel endossa a crítica argumentando que comunicação mercadológica não é manifestação de idéias, mas tem como objetivo a venda de mercadorias e serviços. Este tipo de comunicação, acrescenta, não consta no capitulo dos direitos fundamentais da Constituição Federal e a sua exploração indiscriminada pode chocar-se com direitos da população, especialmente os de crianças e adolescentes. “Entre proteger o direito da empresa de anunciar ou o da criança, é preciso escolher a criança”, defende.

Isabella Henriques acredita que este discurso arrefeceu nos últimos meses e espera que as corporações da área alimentícia tenham compreendido a questão. “As empresas estão entendendo que há um debate ético e que negá-lo é ruim para a imagem delas”, espera.

Iniciativas legais

Atualmente, este tema também está em discussão no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 5921/2001, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que proíbe qualquer tipo de publicidade ou comunicação mercadológica dirigida a crianças, em qualquer horário e por meio de qualquer mídia. Ele precisa ainda ser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde será votado um substitutivo da deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), para ir a plenário.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por sua vez, propôs um regulamento que visa a disciplinar a publicidade e outras estratégias de marketing de alimentos com elevada quantidade de açúcar, sódio, gordura saturada, gordura trans e bebidas de baixo teor nutricional. Segundo Maria José Delgado, gerente de monitoramento e fiscalização da Agência, o objetivo é “proteger os princípios da alimentação saudável e o público infantil de práticas comerciais que possam dificultar a implementação de hábitos alimentares saudáveis e, assim, minimizar o impacto do ambiente obesogênico na saúde da população.”

A falta de regulamentação é uma limitação à institucionalização do disciplinamento desta prática já condenada em outros países. No entanto, as representantes do Idec e do Instituto Alana concordam que, se as empresas aplicassem no Brasil as mesmas condutas que assumiram na Europa e EUA, já seria uma medida intermediária importante. “Se as empresas fizessem aqui o que fazem lá fora já seria ótimo”, acredita Isabela.

Campanha quer restrição a anúncios para crianças

As últimas eleições colocaram na agenda pública o tema da ética no jornalismo. Com os debates em torno da classificação indicativa de obras audiovisuais, a discussão se estendeu para o campo do entretenimento. E agora, chega ao espinhoso terreno da publicidade, com a disputa pela regulamentação dos anúncios voltados às crianças. Enquanto as empresas fabricantes de produtos infantis e publicitários fazem lobby para manter a ausência de normas, entidades da sociedade civil dos campos da pediatria, psicologia e comunicação se mobilizam para regulamentar a publicidade infantil.  

“O principal malefício causado às crianças é que a publicidade age na subjetividade. É feita para trabalhar com a formação de desejos e transportar o que é necessidade para o campo do desejo. Seria leviano afirmar que as propagandas mexem com a saúde mental das crianças, porque não há comprovação científica disso, mas podemos afirmar que é perverso fazer propagandas para crianças ou de produtos adultos com apelos infantis sob o argumento de que a criança tem alto grau de influência na decisão de compra da família”, afirma o pesquisador Edgard Rebouças, da Universidade Federal de Pernambuco, integrante da Campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania. Rebouças defende que não haja intervalos comerciais em programas infantis. “É muito mais fácil atingir uma criança, porque ela não tem os filtros sociais que os adultos têm. É aí que reside a perversidade dos publicitários que se valem disso”, diz.  

Mantendo a postura histórica pela não-regulamentação da atividade publicitária, o Conar (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária) rebate as críticas e afirma que “a educação se dá com a informação e não com a falta dela” e que a proibição de propaganda infantil é um “atentado à liberdade de expressão comercial”. “A propaganda contribui para que os cidadãos exerçam bem o direito de fazer escolhas. Informação editorial e informação publicitária são complementares”, afirma Gilberto Leifert, presidente da entidade. 

Rebouças faz a defesa de uma regulamentação ampla da publicidade destinada a crianças e adolescentes. “Lutamos para que não sejam usadas crianças em comerciais, e que o anúncio não seja destinado a elas usando personagens ou personalidades que fazem parte de seu universo. E que o apelo seja direcionado aos pais”, diz. “Não somos contra que haja publicidade de leite em pó, desde que seja direcionada para os pais. Não somos contra que exista propaganda do Mc Donald's, mas que fale aos pais”, completa. 

Por isso, o professor afirma que o ideal seria se não houvesse nenhum tipo de comercial durante um programa infantil. “Principalmente na primeira fase da infância, uma criança não consegue identificar o que é comercial. Em outras fases, ela passa a ter outra percepção, mas fica mais condicionada a consumir os produtos anunciados do que se divertir, se educar e se informar com os programas. A TV deve seguir alguns princípios básicos: educar, informar e divertir. Neste caso, está servindo para vender”, diz.  

Frentes de atuação
Segundo Rebouças, a busca da regulamentação dos anúncios destinados às crianças tem atualmente  três frentes. A primeira delas está na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados: um substitutivo da deputada Maria do Carmo Lara, feito a partir do projeto de lei de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) que sugeria a proibição da publicidade destinada a crianças. “O estava tramitando para ser votado com a proibição, mas a Campanha entrou na discussão e ponderou que ele teria poucas chances de passar. Assim, começamos a brigar pela regulamentação. Houve audiências públicas em alguns estados, mas o projeto foi para o final da pauta. Seria interessante que voltasse a tramitar”, informa o professor. 

A segunda frente é implementada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que colocou em consulta pública a regulamentação de publicidade de alimentos de baixo valor nutritivo e de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, gordura saturada, gordura trans, sódio e bebidas com baixo teor nutricional. Além da consulta, a Anvisa realiza, no próximo dia 12, na Comissão de Saúde do Senado, uma audiência pública para discutir obesidade infantil. “Estarão presentes pesquisadores e profissionais dos campos da pediatria, cardiologia e psicologia, além de empresários da indústria alimentícia”, informa Rebouças, que vai à audiência apresentar uma pesquisa sobre como outros países regulamentam a publicidade infantil. 

A terceira frente é a da regulamentação de publicidade de bebidas alcoólicas. Pela lei, para publicidade, são bebidas alcoólicas aquelas com teor alcoólico acima de 13 graus. Ou seja: a cerveja, que tem de 4 a 5 graus, não é. “Uma portaria que regulamenta a publicidade de bebida alcoólica está em consulta pública, mas a portaria não é superior à lei, então, é muito difícil que adiante algo, a não ser que seja alterada a lei”, informa Rebouças. 

Exposição exagerada
Com a digitalização da televisão, este cenário pode piorar, já que dentro do próprio programa a criança vai poder acessar hiperlinks de consumo. Mas, hoje em dia, mesmo sem a implantação da TV digital, as crianças estão submetidas a uma avalanche de comerciais. Segundo pesquisa do Rio Mídia realizada em 2006, em uma semana de programação infantil matinal, três emissoras de TV aberta do país exibiram 447 comerciais, o equivalente a cerca de três horas e 45 minutos da faixa horária oferecida (8,76%). No topo da lista dos produtos anunciados estão brinquedos, remédios de emagrecimento, jogos de aposta, CDs de música, mensagens via celular, cereais e comidas fast-food. O levantamento analisou os intervalos das únicas emissoras comerciais de TV aberta que oferecem, pela manhã, programas destinados às crianças. São elas: Rede Globo, Rede TV e SBT.  

Além das propagandas em intervalos de programas infantis, anúncios de produtos adultos usam apelos para crianças. “Desde os anos 40, os publicitários descobriram que crianças têm influência na percepção de compra da família. Em um estudo clássico dos anos 60, afirma que as crianças têm influencia de 60% nas compras das famílias. De qualquer tipo de compra, desde alimento a móveis e eletrodomésticos. Os publicitários se valeram deste dado e fazem uma publicidade indireta às crianças, o que também é extremamente perverso”, explica Rebouças. 

Os limites da auto-regulamentação
Para Leifert, do Conar, as tentativas de regulamentação revelam que o Estado não acredita no poder de discernimento do cidadão. “É um evidente paradoxo. Em relação à publicidade, temos insistido nessa tecla: muitas vezes o projeto de lei ou a intervenção do Estado sugere que o cidadão é considerado plenamente capaz apenas para constituir família, eleger representantes políticos, pagar impostos, mas seria incapaz de fazer escolhas a partir da publicidade”, afirma. 

Tentando dar conta da pressão pela regulamentação da propaganda infantil, em setembro de 2006, o Conar colocou em prática novas normas éticas para a publicidade de alimentos e de produtos destinados a crianças e adolescentes. Para Leifert, o balanço é positivo. “Houve consenso que crianças e adolescentes merecem tratamento diferenciado e resultado pode ser medido pela ampla adesão às novas normas adotadas em junho de 2006 e que entraram em vigor em setembro. O pequeno número de processos éticos abertos desde então também confirma essa impressão”.  

Rebouças, porém, é ponderado em relação à eficiência da auto-regulamentação. “No artigo reformulado, a entidade coloca uma série de aconselhamentos para os publicitários sobre o uso de crianças, personagens, produtos destinados a crianças. Já é um avanço, porque antes não havia nem isso. Mas o Conar não é instância do Estado para regulamentar, é uma entidade de auto-regulação de empresários de comunicação, empresas de publicidade e anunciantes. É um clube que tem varias atuações louváveis e interessantes, mas defendem interesses próprios e como suas determinações não tem força de lei, se alguém do clube não quiser seguir as normas, a sanção máxima é ser excluído do clube”, diz Rebouças. “O Conar modificou sua regulamentação justificando que deveriam ser formados consumidores conscientes. Temos que formar cidadãos conscientes e não consumidores conscientes”, aponta o professor. 

Links:

Substitutivo da deputada Maria do Carmo Lara
(http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=326953) 

Projeto de Lei de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que sugere a proibição da publicidade destinada a crianças
(
http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=24887) 

Consulta pública da Anvisa sobre o regulamento para a publicidade de alimentos
(http://www4.anvisa.gov.br/base/visadoc/CP/CP%5B16556-1-0%5D.PDF)

Pesquisa do Rio Mídia
(http://www.multirio.rj.gov.br/riomidia/)

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