Arquivo da tag: PL-89

Projeto de controle da Internet gera protestos e custos

Estimativas da Abranet, associação que representa 1.700 provedores de Internet do país, apontam que o custo para a manutenção dos dados de acesso dos internautas por três anos será de cerca de R$ 45 milhões.

O controle de acessos -pela identificação do IP do usuário (IP é o "RG digital" de cada computador que se liga à rede) e do horário de início e término da conexão- será obrigação dos provedores, caso o projeto do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), aprovado há dois dias, seja sancionado.

De acordo com o projeto, empresas de todos os portes e órgãos públicos também terão de investir para preservar os registros de conexões de todos os seus funcionários a partir de sua rede.

"Se elas não tiverem esses dados, podem ser responsabilizadas se um funcionário praticar crime durante o trabalho", diz Demi Getschko, um dos integrantes do CGI (Comitê Gestor da Internet, que coordena a Internet no país). Os provedores são responsáveis pelo acesso até a "porta" das empresas. "Lá dentro é com elas," afirma.

O projeto determina ainda que os provedores gravem conteúdos (e-mails ou conversas instantâneas) mediante pedido judicial. Eles também terão de denunciar crimes às autoridades. "O projeto melhorou [em relação ao texto anterior], mas tentam conferir aos provedores um papel policialesco", diz Eduardo Parajo, presidente da Abranet. "Não há como os provedores checarem todas as denúncias recebidas. Isso já é feito em relação às práticas de racismo e à pedofilia. Agora querem incluir todo o resto," diz.

Nos blogs especializados e nas comunidades da Internet, o projeto de Azeredo é acusado de forçar os provedores a serem "dedos-duros", gíria que traduz uma denúncia gratuita sem ter, necessariamente, respaldo. "Denúncias de crime têm de ser feitas à polícia", diz Getschko.

A preocupação dos internautas se refere, principalmente, à troca de arquivos em redes P2P (peer-to-peer), que permitem o compartilhamento de músicas e vídeos. Nessas redes, é maior a chance de violação de direitos autorais. "Esse negócio de proibir baixar arquivos de música nunca houve. Nosso objetivo é dar mais segurança para quem usa a Internet", diz Azeredo.

Segundo ele, o projeto tenta controlar o acesso, e não o conteúdo. Para o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que fez 32 emendas ao projeto, o que está em jogo é a definição dos crimes pela Internet, como a pedofilia. "Com a inclusão digital, 55 mil escolas públicas terão acesso à banda larga", afirma Mercadante. "É preciso segurança."

Nos EUA e na Europa o armazenamento de "logs" (como são conhecidos os dados de acesso) não é obrigatório. Na Europa, há apenas uma recomendação para que seja feito o registro por três meses.

O projeto do senador Azeredo segue para a Câmara dos Deputados sem consenso. Muitos deputados duvidam de que seja aprovado antes de outubro. Júlio Semeghini (PSDB-SP) garante que vai trabalhar para acelerar os trâmites até setembro. "Quero trabalhar para [o projeto] estar nas mãos do presidente Lula para sanção até outubro", diz Semeghini.

Miro Teixeira (PDT-RJ) afirma que ainda deve haver uma "batalha" em torno do assunto. "É inútil tentar controlar a Internet, e já temos definições de crimes, que se aplicam a qualquer meio", afirma. "Pedofilia é pedofilia, não importa se via fax, carta, Internet ou pessoalmente," diz Teixeira.

Na Câmara dos Deputados, o projeto chega com regime de urgência, o que significa que ele pode ser votado diretamente no plenário, sem passar pelas comissões de mérito, como a de Ciência e Tecnologia e a de Constituição e Justiça.

Relator diz que alvo são fraudadores

O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), relator do projeto de lei sobre os crimes cibernéticos, contesta o parecer dos professores da Fundação Getulio Vargas. Segundo sua assessoria, os alvos do projeto são os fraudadores que invadem as redes de computador para disseminar vírus, capturar informações e dar golpes, e não haveria risco para os demais internautas.

Já o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que fez o parecer favorável na Comissão de Assuntos Econômicos, disse à Folha que pode propor mudanças no texto se a assessoria do Senado concordar com os argumentos dos professores.

"A alma da internet é a liberdade de expressão, e isso não pode ser perdido. Mas acho que é preciso criar legislação que assegure os direitos e os deveres na internet. O projeto prevê novos crimes, como inserção ou difusão de vírus. Hoje, o cidadão está indefeso contra eles."

O senador Azeredo disse, via assessoria, que a proposta de combate aos crimes cibernéticos é o fruto de consenso entre os senadores, o Ministério da Justiça, as autoridades policiais e especialistas de diversas áreas.

Azeredo afirmou que o texto foi aprovado pelas comissões de Educação, Ciência e Tecnologia, Assuntos Econômicos e de Constituição e Justiça e que foi debatido em duas audiências públicas no Senado, em uma audiência na Câmara, em reuniões técnicas e em seminários.

Baixar arquivo na Internet pode virar crime

Projeto de lei sobre crimes eletrônicos, ou cibercrimes, em tramitação adiantada no Senado, pode levar à criminalização em massa de usuários de internet que baixam e trocam arquivos (músicas, textos e vídeos) sem autorização do titular.

Esse é o entendimento de seis professores da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, em parecer conjunto divulgado no Rio. Segundo eles, as conseqüências iriam além do âmbito da internet. Pela amplitude da redação, poderia haver conseqüências até para donos de celulares que desbloqueiam seus aparelhos. O Brasil tem 130 milhões de celulares.

Assinam o parecer os advogados Ronaldo Lemos, Carlos Affonso Pereira de Souza, Pedro Nicoletti Mizukami, Sérgio Branco, Pedro Paranaguá e Bruno Magrani, fundadores do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV.

O projeto de lei foi aprovado pelas comissões de Assuntos Econômicos e de Constituição e Justiça do Senado, no mês passado, e está em fase de recebimento de proposta para votação em plenário.

O mesmo projeto já causara polêmica em 2006, quando especialistas e provedores de acesso à web reagiram contra a obrigatoriedade de identificação prévia dos internautas nas operações com interatividade, como envio de e-mails, que burocratizaria a rede.

O texto foi modificado, mas novos questionamentos estão sendo feitos. O parecer dos professores da FGV sustenta que os artigos 285-A e 285-B do projeto, que tratam dos crimes contra a segurança de sistemas informatizados, atingem ações triviais, praticadas por milhares de pessoas, na internet, e criam um instrumento de ""criminalização de massas".

O artigo 285-A qualifica como crime -com pena de reclusão de 1 a 3 meses e multa- ""acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado sem autorização do legítimo titular, quando exigida".

Segundo o professor Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, as pessoas poderiam ser condenadas por desobedecer a termos de uso criados por particulares.

""Cada "legítimo titular" decide quais são os termos de autorização e passa a ser dele o papel de preencher o conteúdo da lei penal. A violação passa a ocorrer de acordo com condições subjetivas e com interesses específicos, dando margem para abusos de direito", afirma o parecer dos professores.

MP3

Segundo Ronaldo Lemos, ao se referir a ""rede de computadores", ""dispositivos de comunicação " e ""sistema informatizado", o projeto engloba não só computadores mas reprodutores de MP3, aparelhos celulares, tocadores de DVD, sistemas de software e até conversores de TV digital, além de websites. Nessa linha, segundo ele, o projeto alcançaria até o desbloqueio de celular.

Os professores alegam que nenhum país criminaliza o acesso a informações na internet de forma tão ampla. ""A legislação mais próxima ao que se propõe foi adotada nos EUA, que criminalizaram o ato de quebrar ou contornar medidas de proteção tecnológica. Mas nenhuma criminalizou o próprio acesso", diz o parecer.

O artigo 285-B qualifica como crime, também sujeito a reclusão de um a três anos, e multa ""obter ou transferir dado ou informação" sem autorização do legítimo titular.

Os professores da FGV propõem a exclusão ou a mudança do texto dos dois artigos. Querem que só sejam considerados crime o acesso e a transferência de informações na internet se feito por meio fraudulento e com a finalidade de obter vantagem para si ou para outrem.

Vigilância

Um terceiro artigo do projeto de lei -o artigo 22- também está sendo questionado tanto pelos provedores de acesso à internet quanto pelos professores da Escola de Direito da FGV do Rio de Janeiro. Ele cria a obrigação para os provedores de informar, sigilosamente, às autoridades indícios de prática de crime de que tenham tomado conhecimento.

Para os professores da FGV, o artigo cria um sistema de delação e de vigilância privada sobre os internautas, na medida em que os provedores estariam obrigados a informar os casos em que – de acordo com suas próprias convicções – haveria indício de crimes.