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Coronelismo, antena e voto: a apropriação política das emissoras de rádio e TV

Por Carlos Gustavo Yoda*

“Coronel” é patente militar em quase todos os exércitos do mundo. O mais alto posto antes de “general” dentro das Forças Armadas do Brasil, figura responsável pelo regimento de uma ou mais tropas ou companhias. No Nordeste brasileiro, “coronel” também é sinônimo de grandes proprietários de terra, “os coroné”, quem manda, aquele que dita as regras. Daí o termo “coronelismo”, cunhado, em 1948, no clássico da ciência política moderna Coronelismo, Enxada e Voto, do jurista Victor Nunes Leal, para dar nome ao sistema político que sustentou a República Velha (1889-1930). Entre as interpretações de documentos, legislações e dados estatísticos, o livro explica como o mandonismo local se misturava aos altos escalões das estruturas de poder.

Mais de 60 anos se passaram desde a publicação de Victor Nunes Leal. E o coronelismo de outrora ganhou novos contornos, entre eles, o chamado coronelismo eletrônico. Em período eleitoral, nada mais importante do que revisitar essa história e analisar como o controle de emissoras de rádio e televisão por políticos segue influenciando os rumos da política brasileira.

Para provocar essa reflexão, a partir desta semana, o Intervozes, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, publica uma série de reportagens sobre o fenômeno da concentração dos meios sob o controle de grupos políticos. Daqui até o final da campanha eleitoral vamos mostrar por que e como esta prática é prejudicial à democracia, o que diz a legislação e a quem cabe fiscalizar e punir os abusos, quem são os principais partidos e grupos econômicos que violam a Constituição e se aproveitam desta ilegalidade. Por fim, buscaremos conhecer como funcionam as regras em outros países que desenvolveram mecanismos eficazes de combate ao coronelismo eletrônico.

A publicação das reportagens é uma contribuição do Intervozes à campanha Fora Coronéis da Mídia, lançada em julho deste ano pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), com o objetivo de mobilizar os mais diversos movimentos sociais e sensibilizar a sociedade e as esferas de poder sobre o tema.

Origens do problema

De acordo com Victor Nunes Leal, durante a Velha República, a milícia imperial estava a serviço dos grandes proprietários de terras e escravos. Esta articulação entre quem comandava as instituições públicas e os grandes fazendeiros passou a influenciar os processos eleitorais. Sucessivos governos locais, estaduais e federais se elegeram com o chamado “voto de cabresto”, a partir da relação estabelecida em locais pobres. O coronelismo se sustentava, assim, em um sistema político de troca de favores recíprocos, onde o voto é moeda de troca por benefícios pessoais, em detrimento do interesse público e do bem comum, também interpretados como clientelismo e fisiologismo.

Mesmo em meio a uma lavoura economicamente decadente, os coronéis continuaram a manter uma moeda de valor inestimável: a influência absoluta sobre a vontade e os destinos de empregados, meeiros e todos aqueles envolvidos em torno do grande latifúndio. O valor dessa moeda aumentou com a democratização formal do País, sobretudo no período republicano quando se universaliza o direito ao voto: o “coronel” passa a ser então o elo de ligação entre o poder estadual e os eleitores. Aos governos cabia, como contrapartida, o reconhecimento da autoridade local e a alimentação desse poder, através da cessão de alguns recursos: empréstimos, empregos e, sobretudo, os favores das forças policiais. A liderança do coronel exige o sistema representativo, e essa é a preocupação central de Victor Nunes ao longo de seu livro. Ele destaca ainda que o sistema coronelista depende sobretudo de um ambiente baseado na estrutura arcaica de concentração de propriedade do latifúndio.

Com indicadores censitários da década de 1940, Victor Nunes aponta que os grandes latifúndios ocupavam mais de 75% em área das terras disponíveis no País e que 70% da população ativa pertenciam à categoria dos não-proprietários, cifra que chegava a 90%, somados os pequenos proprietários, cuja situação era de total precariedade, na maior parte dos lugares.

Apesar do coronelismo ser um episódio histórico, consequências e processos culturais do sistema coronelista ainda se fazem sentir na arcaica distribuição fundiária, de renda e de poder no Brasil.

Coronelismo eletrônico

“Mais sofisticado, sutil e ainda mais perverso”, na opinião do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Francisco Fonseca é o “moderno” fenômeno do coronelismo eletrônico, ou seja, o uso de canais de comunicação de radiodifusão para atender a interesses políticos – prática que perdura nos tempos digitais. Suas origens estão no autoritarismo coronelista de décadas passadas e a prática política traz inúmeras semelhanças com seus modelos de concentração de propriedade. Só que, em vez do poder sobre as terras, o controle agora também alcança as ondas do rádio e da TV.

No início da década de 1980, um repórter da Rádio Rural, de Concórdia (SC), abria espaço para o depoimento do ex-senador Atílio Fontana: “Senador, o microfone é todo seu”. O senador, ciente de suas propriedades, disse a quem quisesse ouvir: “Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda”. Este episódio foi narrado em matéria do Jornal do Brasil que, naquela época, já denunciava o uso eleitoreiro de 104 estações de rádio e televisão, espalhadas por 16 estados, de propriedade de deputados, governadores, senadores ou ministros.

O cenário da época foi analisado pela professora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Suzy dos Santos, no artigo “o Coronelismo Eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras”. Nos anos 80, o processo de abertura política do regime militar dava seus primeiros passos. Depois de 15 anos de bipartidarismo, em novembro de 1979, a Reforma Partidária foi aprovada. Os novos partidos começavam a ser articulados.

“Também naquele ano, foram liberadas as eleições diretas para governos estaduais. A concentração partidária, através dos governadores, senadores e prefeitos ‘biônicos’ e da maioria do Congresso com representantes da Arena, deu o tom da distribuição das outorgas de radiodifusão para as elites políticas. Na reportagem do Jornal do Brasil, 81,73% das estações de rádio e televisão mencionadas eram controladas por afiliados do PDS”, partido de remanescentes da Arena, explica Suzy.

Desde a denúncia no Jornal do Brasil, a expressão “coronelismo eletrônico” tem sido usada com frequência na mídia e em artigos acadêmicos para se referir ao cenário brasileiro no qual políticos eleitos se tornam proprietários de empresas concessionárias de rádio e televisão – ou, então, tão comum quanto, radiodifusores são eleitos para cargos do poder público e passam, no caso dos eleitos para o Congresso Nacional, a participar das comissões legislativas que outorgam os serviços e regulam os meios de comunicação no país, legislando em causa própria. Não foram poucos os casos na história. Todos passaram impunes.

Neste cenário, alerta Francisco Fonseca, da FGV, as instituições políticas acabam cooptadas pelo poder econômico dos grupos de comunicação. “O coronelismo midiático provoca o fim da diversidade. É antidemocrático. Estimula as estruturas de oligopólios e as pautas [jornalísticas] em nome de uma elite. É uma censura de mercado, econômica”, afirma.

O impacto desta prática nos processos eleitorais e na configuração das representações das instituições também é significativo. O rádio e, principalmente, a televisão continuam sendo os meios de comunicação de massa de maior alcance na população. A última PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) mostrou que 97,2% das residências possuem pelo menos um aparelho de televisão e 75,7%, um de rádio.

A esses meios de comunicação cabe o papel de dar expressão às demandas e à diversidade da sociedade em todos os seus aspectos, mas também de fiscalizar os poderes públicos e a iniciativa privada. É também por meio de uma mídia livre que se estabelece a ligação e o controle entre representantes e representados, como princípio fundamental para o ambiente democrático. Por isso, a Constituição Federal garante o direito de acesso à informação aos cidadãos e, em conjunto, a liberdade de imprensa.

Num quadro em que um meio de comunicação de massa, que deveria cumprir uma função pública, é controlado por um político, que pode influenciar sua linha editorial, a autonomia e independência deste veículo para exercer o controle sobre o poder público estão totalmente comprometidas. Ao mesmo tempo, o proprietário do veículo passa a ter o poder de filtrar e restringir informações e conteúdos a serem divulgados, na medida de seus interesses e de seus correligionários, numa prática de autopromoção.

Fica caracterizado, assim, um claro desequilíbrio nos princípios de igualdade dos processos eleitorais, numa situação que pode configurar até mesmo a violação de eleições livres, com candidatos e partidos em condições totalmente desiguais de disputa.

Compreendendo o risco para a democracia brasileira do controle de serviços públicos, como a radiodifusão, por políticos, a Constituição Federal, em seu artigo 54, proíbe que deputados e senadores sejam proprietários ou diretores de empresas concessionárias de serviço público ou exerçam cargo ou emprego remunerado nesses espaços privados. A medida vem sendo respeitada para diversos serviços, mas segue ignorada no caso do rádio e da televisão (como veremos nas demais reportagens desta série).

No próximo artigo, você vai saber o que pensam o Ministério das Comunicações, o Ministério Público e a Justiça Eleitoral sobre esta prática. E saber como a sociedade civil e partidos políticos contrários a este uso das concessões de rádio e TV estão lutando contra o problema.

* Carlos Gustavo Yoda é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Radiodifusores dominam comissões no Congresso Nacional

Levantamento realizado pelo Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom-UnB), repassado ao Observatório do Direito à Comunicação, revela que 37,5% dos membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) e 47% dos titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado (CCT) são proprietários de emissoras de Rádio e TV ou têm familiares controladores destes tipos de veículos de comunicação.

O estudo mapeou as concessões que cada parlamentar ou familiares do mesmo possuem e chegou à alarmante conclusão de que quase metade dos integrantes titulares das comissões responsáveis pelas atividades legislativas da área das comunicações são radiodifusores, ou seja, diretamente interessados nos resultados dos trabalhos estas instâncias. Entre eles estão a avaliação do mérito dos processos de outorga e renovação de concessões de rádio e TV e a apreciação de projetos relacionados à legislação da área das comunicações.

No total, a listagem do Lapcom mostra que 15 dos 40 deputados integrantes da CCTCI na condição de titulares estão envolvidos direta ou indiretamente com emissoras de rádio ou televisão. Entre os 39 suplentes, a pesquisa encontrou outros 10 parlamentares que possuem esse tipo de relação, totalizando 32,91%. A contagem da suplência se deu com um parlamentar a menos porque Barbosa Neto (PDT-PR), sócio da Rádio Brasil Sul, do Paraná, saiu licenciado para ocupar a prefeitura de Londrina (PR).

No Senado, a pesquisa atual denuncia que, dos 17 membros titulares, oito controlam direta ou indiretamente a emissoras de rádio ou TV. Dos 17 suplentes, seis também possuem ou estão nesta condição. Se considerados todos os membros, um total de 34, a presença de radiodifusores chega a 14 integrantes (41%) .

Conflito de interesses públicos e privados

Na avaliação de Bia Barbosa, membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a grande presença de parlamentares radiodifusores gera um conflito entre interesses públicos e privados. “Cada vez mais, a gente vê as bancadas formadas com objetivos e interesses próprios. E aí não importa se a concessão está no nome do parlamentar ou da sua mulher, do seu filho. O que importa é que os interesses privados do parlamentar vão entrar em contradição com o interesse público que deve ser o da concessão”, enfatiza.

Segundo a Deputada Luiza Erundina (PSB–SP), apesar de grave essa situação não é novidade na CCTCI. “Estou nessa comissão há dez anos e esse é um fato que já foi denunciado inúmeras vezes até mesmo pela grande mídia. É uma realidade que sugere a existência de falhas, alimentadas pelas brechas na legislação”, analisa.

Entre essas, a principal é o Artigo 54 da Constituição Federal, cuja redação sobre as restrições nas relações entre parlamentares e concessões públicas não deixa claro a proibição de que aqueles sejam proprietários de entes que exploram estas. Os parlamentares radiodifusores apóiam-se nesta ambigüidade para rebater as críticas ao conflito de interesses estabelecido nesta “dupla condição”.

Este vácuo jurídico foi uma das principais preocupações do relatório final da Subcomissão de Radiodifusão que funcionou na CCTCI durante o ano de 2008, presidida por Luiza Erundina. O documento sugere uma emenda ao Artigo 54 que visa defini-lo mais claramente ao estender a qualquer ocupante de cargos públicos a proibição de “firmar ou estabelecer contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público”.

Na opinião da deputada paulista, “só vamos corrigir essa problemática na CCTCI se mudarmos a regulação do setor e é neste sentido que devem apontar os resultados da Conferência Nacional de Comunicação que vai acontecer no final do ano”.

Problema histórico

Levantamento semelhante ao produzido pelo Lapcom foi feito pelo Professor Venício Lima analisando a presença de parlamentares radiodifusores nas comissões e sua atuação em causa própria nos de 2003 e 2004. A pesquisa detectou que os deputados Corauci Sobrinho (PFL-SP), à época presidente da CCTCI, e Nelson Proença (PPS-RS), membro titular da comissão, participaram e votaram favoravelmente nas renovações de suas próprias concessões de rádio. Proença continua na CCTCI e aparece na listagem apresentada pelo Lapcom.

Para Venício Lima, a despeito da falta de clareza do Artigo 54 da Constituição, o parágrafo 6º do artigo 180 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e o artigo 306 do Regimento Interno do Senado Federal deixam claro que os deputados e senadores devem se declarar impedidos caso a matéria em votação seja relativa à causa própria ou a assunto de interesse pessoal.

Lima recorda que esse é um problema histórico, tendo ocorrido repetidas vezes durante a Assembléia Constituinte que construiu a atual Carta Magna brasileira. “Dentro da própria subcomissão da Constituinte que tinha a reponsabilidade de discutir o capítulo da comunicação social, por muitas vezes foi solicitado dos parlamentares envolvidos com meios de comunicação que se dessem por impedidos, mas isso não aconteceu. Hoje a coisa se dá da mesma forma”, compara.

Outro cruzamento de informações semelhante foi feito pela agência Repórter Social em 2006 [veja aqui ]. Nos dados levantados pela pesquisa, que cruzou informações fornecidas pelos parlamentares aos Tribunais Regionais Eleitorais com as pesquisas realizadas por Venício Lima e pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM), a Repórter Social revelou que 80 parlamentares eleitos em 2006 para o quadriênio 2007-2010 controlam emissoras de rádio e televisão.

Segundo a pesquisa, “entre os detentores diretos ou indiretos de concessões estão dois ex-presidentes, José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor de Mello (PTB- AL), e 11 ex-governadores: Antonio Carlos Magalhães [falecido depois da pesquisa] e César Borges (PFL-BA), Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Mão Santa (PMDB-PI), Garibaldi Alves (PMDB-RN), Jayme Campos (PFL-MT), Jorge Bornhausen (PFL-SC), José Maranhão (PMDB-PB), Edison Lobão e Roseana Sarney (PFL-MA) e Tasso Jereissati (PSDB-CE)”.

Na época, o relatório também indicou que, do total de parlamentares radiodifusores eleitos, 11 integravam a CCTCI: Aníbal Gomes e Eunício Oliveira (PMDB-CE), Jader Barbalho, Fábio Souto (PFL-BA), José Bezerra (PFL-PE), José Rocha (PFL-BA), Júlio César (PFL-PI) e Ricardo Barros (PP-PR), todos como titulares, e dos suplentes Henrique Alves, Arolde de Oliveira (PFL-RJ) e Manoel Salviano (PSDB-CE).

Três anos depois, a presença na principal comissão da área na Câmara dos Deputados aumentou em 27,2%, chegando a 15. Dos parlamentares listados pela pesquisa do Repórter Social em 2006, seis continuam na listagem do Lapcom de 2009: Eunício Oliveira, Jader Barbalho, José Rocha, Manoel Salviano, (titulares) José Bezerra, Arolde de Oliveira (suplentes). No Senado, a comparação fica prejudicada pelo fato da CCT ter sido criada recentemente.

A visão dos parlamentares

O senador Welligton Salgado (PMDB- MG), identificado na listagem do Lapcom como um dos parlamentares ligado ao maior número de concessões, defende que os membros das comissões devem entender do assunto de que trata a instância. Salgado afirma ter deixado de gerir os veículos dos quais é concessionário desde que assumiu a vaga no Senado. Ele diz ainda que se lembra de ter se retirado da presidência de uma comissão por entender que havia conflito de interesses em um caso específico.

Salgado pondera que, se a proibição defendida para a área da comunicação fosse também aplicada a todas as comissões, parlamentares com o título de procuradores, por exemplo, não poderia compor a Comissão de Constituição e Justiça. “Dessa forma as comissões vão ser compostas por quem não entende do assunto. Assim o Brasil não vai para frente”, opina.

José Agripino (DEM-RN), também entre os dez parlamentares com maior número de concessões próprias, acredita não haver conflitos de interesses em ser radiodifusor e compor a CCT do senado. “Eu sou herdeiro, o sócio era o meu pai que, em vida, cedeu ações para mim e para os meus irmãos. Eu não vejo nenhum inconveniente. Não vejo porque o meu voto é apenas um dentro do colegiado e a renovação das concessões é objeto de debate antes da votação. Se tiver algum problema, ele é exposto”, justifica.

Reforma regulatória necessária

O professor Venício Lima acredita que sem uma reforma na legislação que possa promover mudanças em todo sistema de radiodifusão essa situação só tende a piorar. “Essa é uma situação absurda e insanável com a regulamentação que se tem para radiodifusão. O levantamento do Lapcom mostra que a quantidade de parlamentares envolvidos com veículos de comunicação aumentou com relação à pesquisa realizada há cinco anos. Caso não haja uma legislação que reprima esse tipo de relação isso vai se repetir nas próximas eleições”, pontuou o pesquisador.

Uma importante oportunidade para isso é a Conferência Nacional de Comunicação, prevista para o final do ano de 2009. Para Bia Barbosa, do Intervozes, pela primeira vez os movimentos que historicamente lutam pela democratização das comunicações vão ter a chance de quebrar esta lógica privada que foi incorporada historicamente à comunicação.

Ela identifica ainda a relação entre parlamentares e meios de comunicação como um dos maiores desafios a serem superados no marco regulatório brasileiro. “É fundamental que pesquisas como essa sejam publicizadas para esclarecer ao máximo a população. A gente sabe que a maior parte do povo não sabe que os meios de comunicação são concessões públicas. A comunicação não é vista como um direito humano, sequer é gerida como um serviço público e figura mais no campo do interesse comercial, como pode ser visto na pesquisa”, comenta.

Para a Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), a Conferência Nacional de Comunicação, para resolver todos os problemas da área, deve ser democrática e ter representação plural. Contudo, ela mostra receio com relação à forma como o processo vai ser organizado, principalmente quanto à correlação de forças na Comissão Organizadora Nacional que será criada.

“O decreto ainda não foi assinado, o que indica que deve estar havendo negociação das representações. Se não chegarmos na Conferência com uma boa correlação de forças e com representação de segmentos de toda a sociedade organizada, vamos estar fortalecendo o setor empresarial. Não podemos deixar a Conferência para discutir apenas questões relacionas a plataforma digital”, reforça.

A pesquisa do Laboratório de Políticas de Comunicação da UNB pode ser vista na íntegra aqui .

Grampo da PF indica que Sarney usou jornal e TV para atacar grupo de Lago

O senador José Sarney (PMDB-AP) e seu filho Fernando Sarney aparecem em uma escuta legal da Polícia Federal discutindo o uso de duas empresas do grupo de comunicação da família – a TV Mirante (afiliada da Rede Globo) e o jornal O Estado do Maranhão – para veicular denúncias contra seus rivais do grupo do governador Jackson Lago (PDT).

O Maranhão vive uma acirrada disputa política entre Sarney, eleito presidente do Senado na segunda-feira, e Lago -que também é acusado pelo grupo do senador de utilizar a mídia local para atacá-lo.

Em uma das conversas, a cujo áudio a Folha teve acesso, Sarney liga para seu filho pedindo que ele levasse à TV acusações contra Aderson Lago, primo e chefe da Casa Civil do governador Lago, que derrotou a filha de Sarney, Roseana, em 2006. Como as emissoras de TV operam por meio de concessão pública, a lei 4.117/62 veda seu uso para fins políticos.

O grampo foi feito pela PF nos telefones de Fernando, principal alvo da Operação Boi Barrica, que apura movimentações financeiras de empresas da família Sarney no período eleitoral de 2006. Fernando sacou R$ 2 milhões nos dias 25 e 26 de outubro daquele ano, três dias antes do segundo turno. O senador não é alvo do inquérito. Procurados pela Folha, Sarney e Fernando não quiseram se manifestar sobre o assunto.

Em um diálogo de 17 de abril de 2008, os dois tratam de uma denúncia publicada num blog do Maranhão contra Aderson e seu filho, Aderson Neto. Segundo o blog, Neto teria se envolvido em desvio de recursos públicos de convênios firmados entre a Prefeitura de Caxias (MA) e o governo estadual.

Na conversa, Sarney manda Fernando – que dirige o grupo de comunicação da família – levar ao ar na TV Mirante uma reportagem sobre o caso, ressaltando que Aderson sempre o atacou e que o insultou de "maneira brutal" num artigo. Fernando dá a entender que foi ele quem vazou a informação contra Aderson para o blog, e que já estava preparando reportagens sobre o tema tanto na TV quanto no jornal da família.

Sarney provavelmente se referia a um artigo publicado por Aderson no Jornal Pequeno e em O Imparcial, no dia 15 de maio de 2007. No texto, Aderson chamou Sarney de "velho oligarca" e disse que luta contra o grupo do ex-presidente desde 1990, tendo feito "algumas das denúncias que mais incomodaram aquele que desejou ser o dono do Maranhão".

Reportagem

No dia seguinte ao diálogo entre Sarney e seu filho, O Estado do Maranhão publicou a reportagem "Empresa sediada no Rio recebeu verba pública destinada a Caxias", sobre a denúncia contra Aderson e seu filho. Houve ainda duas outras reportagens negativas a Lago na semana seguinte. Lago diz que a TV também fez matérias sobre as denúncias. Como o site da TV está fora do ar, não foi possível consultar os arquivos para verificar se isso ocorreu.

Aliados de Sarney, por seu turno, acusam Lago da mesma prática, utilizando veículos locais capitaneados pelo Jornal Pequeno. "Os veículos de comunicação a serviço do governador Jackson Lago, entre os quais o "Jornal Pequeno", atacam a família Sarney de forma irresponsável, criminosa e sistemática, mas nem por isso a família Sarney usa seus veículos de comunicação para responder a essas calúnias", disse a assessoria do senador, que não quis comentar o grampo.

O deputado estadual Ricardo Murad (PMDB), líder do bloco de oposição ao governo estadual, vai ainda mais longe. Murad afirmou que Jackson Lago, por meio da Secretaria de Comunicação do Estado, financia diversos veículos de comunicação para atacar a família Sarney: "Com a exceção do sistema Mirante, quase todos os veículos de comunicação do Estado estão a serviço do governador. Esses jornais, capitaneados pelo Jornal Pequeno, são bancados pela Secom", disse Murad, sem exibir provas.

Lourival Bogéa, diretor-geral e sócio do Jornal Pequeno, rebateu as acusações: "O Jornal Pequeno é um veículo de comunicação que tem uma causa no Maranhão, que é a causa da democracia política".

Aderson Lago também nega as acusações: "Desde o primeiro dia do governo, eles tentam nos atacar, seja pela televisão, rádio, jornal ou blog", disse ele.
Segundo ele, aliados da família Sarney chegaram a pedir investigação ao Ministério Público Federal, sem sucesso. A Procuradoria da República no Maranhão confirmou que não há procedimento sobre o assunto. A Folha também não localizou processos contra Aderson e seu filho relacionadas ao caso.

Em 2001, Aderson ganhou uma causa no STJ por "danos morais" contra a Gráfica Escolar S/A, que edita O Estado do Maranhão. Segundo Lago, seu filho foi tachado de "assassino" após um acidente de carro.

Mídia absolve FHC, mas suspeita de Lula, diz pesquisador

Uma análise sobre a cobertura da imprensa revela que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi tratado com condescendência pela mídia brasileira, ao longo de seus oito anos de mandato. Mais que isso, FHC passou incólume mesmo quando os escândalos batiam à sua porta. A mesma sorte não tem o presidente Lula, sempre retratado com desconfiança pelos principais jornais do país e associado diretamente às denúncias de irregularidade de seu governo.

Essa avaliação é feita pelo professor da Universidade de Brasília (UnB), David Renault da Silva, autor da tese de doutorado “Nunca Foi tão Fácil Fazer uma Cruz numa Cédula? — A Era FHC nas Representações da Mídia Impressa”. O texto foi publicado no site “Congresso em Foco”.

“Mesmo quando se fala mal do governo do Fernando Henrique, tenta-se preservar sua figura do presidente”, diz o diretor da Faculdade de Comunicação (FAC) da UnB. “O presidente Lula não adianta dizer que ‘não sabe’. Mas o FHC podia dizer, porque ele era um intelectual. O raciocínio é que ele não se metia nessas coisas menores”.

Segundo Renault, “o Lula, o PT, não é um candidato da imprensa nacional. A grande imprensa nacional não é petista, não tem interesse que o PT se mantenha no poder”.

Jornalista com passagem por cargos de chefia nas principais redações da capital federal e professor universitário há 15 anos, David atribui a “boa vontade” da imprensa brasileira com o tucano a uma espécie de “pacto de elites”. Esse acordo, segundo ele, foi tacitamente construído em 1994 para tentar barrar o favoritismo eleitoral de Lula naquele ano e frear o eventual retrocesso do então recém-lançado Plano Real.

Jornalista com passagem por cargos de chefia nas principais redações da capital federal e professor universitário há 15 anos, David atribui a “boa vontade” da imprensa brasileira com o tucano a uma espécie de “pacto de elites”. Esse acordo, segundo ele, foi tacitamente construído em 1994 para tentar barrar o favoritismo eleitoral de Lula naquele ano e frear o eventual retrocesso do então recém-lançado Plano Real.

Pai do Real

“Do ponto de vista nacional, as chamadas elites nacionais, as classes econômicas sociais dominantes, não tinham candidato que pudesse fazer frente ao Lula. O Fernando Henrique surgiu um pouco como esse candidato”, analisa David. “E houve um claro apoio da mídia a FHC. Ele foi apontado como o ‘pai do Real’ e sempre ocupou mais espaço no noticiário do que Lula”, observa.

Para concluir seu doutorado, David se debruçou sobre 3 mil notícias de jornais e revistas publicadas entre 1995 e 2002. Ao observar o noticiário político do período, constatou que o presidente não teve sua imagem diretamente associada a escândalos mesmo quando as denúncias resvalavam em seu gabinete.

Como exemplo, ele cita o caso da denúncia de compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição e o do envolvimento de autoridades do governo com lobistas para favorecer determinados grupos no leilão das teles. Um grampo telefônico mostrava, inclusive, que o presidente foi consultado sobre o assunto.

Restrições

“Se você pega o balanço final dos dois governos de Fernando Henrique, você percebe que na Era FHC tenta-se preservar a figura do presidente, no sentido de ‘o presidente está fora de escândalos, ele é um homem íntegro’. A 'Folha de S.Paulo', por exemplo, teve um editorial de primeira página muito significativo que dizia: ‘presidente bom, governo nem tanto’”, lembra Renault.

Para o pesquisador, FHC só teve sua imagem abalada quando, em 1999, em meio a uma crise internacional, alterou a política cambial e afetou os negócios dos grandes veículos de comunicação. “Nessa época, as empresas, inclusive de comunicação, perderam muito dinheiro, pois tinham dívidas e projetos de investimentos em dólar. Todos os jornais que tinham apoio bastante significativo ao presidente parecem romper.”

Mas esse rompimento, segundo ele, não chegou a se concretizar. Em parte, avalia, por causa da resistência da mídia ao PT. “Não vejo, digamos assim, essa condescendência da mídia com Lula que você via com o governo passado. Há sempre uma desconfiança de que pode mudar a qualquer momento. Sempre alerta”, afirma.

* Com informações do Congresso em Foco.

Apresentadores ganham espaço na disputa eleitoral por aparecerem na mídia

Comunicadores de rádio e TV tem sido um bom negócio para os partidos políticos. Por aparecerem na mídia e terem um espaço permanente para fazer suas campanhas, radialistas, apresentadores e artistas angariam muitos votos, o que acaba gerando descontentamento de outros candidatos.

Para o deputado Custódio de Mattos (PSDB-MG) – que em 2004 perdeu as eleições da Prefeitura de Juiz de Fora para o radialista Carlos Alberto Bejani (PTB), que renunciou ao cargo após ser preso – "esse fenômeno é uma deformação sintomática do nosso sistema eleitoral. Isso acontece porque o único critério dos partidos é quem tem voto. E isso é um convite a esse tipo de candidato-celebridade".

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Arthur Virgílio Neto (AM), líder do PSDB no Senado, quer aprovar uma legislação proibindo radialistas a apresentadores de TV de aparecer em programas no ano anterior às eleições.

"É um absurdo os radialistas ficarem fazendo campanha diariamente, durante os quatro anos que estão no mandato", afirmou Virgílio, que teve seu candidato à Prefeitura de Manaus, o atual prefeito Serafim Correa (PSB), derrotado pelo ex-governador Amazonino Mandes (PTB), cujo vice é o deputado e radialista Carlos Souza (PP).

Os principais responsáveis pela eleição de radialistas e apresentadores de TV, de acordo com Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), são os programas com caráter assistencialista.

Como exemplo, ele citou ao Estadão o caso da recém-eleita prefeita de Natal, Micarla de Souza (PV). Ela apresentava um programa de TV e seu pai, o falecido senador Carlos Alberto de Souza, foi um conhecido radialista no Rio Grande do Norte. "Com certeza essa eleição da Micarla tem um rescaldo do programa de seu pai, que tinha um caráter bem assistencialista", disse Queiroz.

Para ele, em momentos de crise as celebridades são mais valorizadas; em 2006, com o mensalão e a história dos sanguessugas, treze comunicadores foram eleitos deputados, entre eles o apresentador Clodovil Hernandes (PR-SP) e o músico Frank Aguiar (PTB-SP).

Mas o fato de aparecer na mídia sempre colaborou com os políticos: Marta Suplicy, candidata derrotada à Prefeitura de São Paulo, ficou conhecida nacionalmente ao comandar um programa de TV sobre sexo. "Fica muito difícil nós concorrermos com esses caras. É uma concorrência desigual todo dia", afirmou o recém-eleito prefeito de Joinville (SC), Carlito Merss (PT).