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Debate conceitual toma conta da briga sobre nova rede

O segundo e último encontro do Conselho Consultivo da Anatel para debater a polêmica em torno da reversibilidade do backhaul [infra-estrutura de distribuição de serviços de banda larga] foi marcado por apresentações sobre a necessidade de revisão do conceito usado atualmente para classificar os itens associados à concessão pública. E, ao contrário do primeiro debate, poucos participantes se arriscaram a fazer um diagnóstico sobre a nova infraestrutura e expor seus entendimentos sobre o backhaul. No fim, a discussão realizada nesta sexta-feira (27) ficou polarizada entre a Oi e a associação de defesa do consumidor Pro Teste.

A concessionária do Serviço de Telefonia Fixo Comutada (STFC) insiste que o backhaul faz parte dos itens reversíveis à União, o que asseguraria sua natureza pública, enquanto a associação de defesa dos consumidores mantém a defesa da tese de que esta rede é privada, pois serve prioritariamente à oferta de serviços de dados e não à telefonia fixa. A ironia está no fato de que, em princípio, seria mais interessante às concessionárias que esta rede fosse privada, sem a necessidade de devolver os bens, necessários a outros serviços além do STFC, para a União.

O diretor de regulamentação e estratégia da Oi, Alain Rivière, assegurou publicamente que a concessionária está disposta a "assinar qualquer documento, até mesmo um aditivo contratual, para deixar clara a continuidade" do backhaul. Apesar da garantia, Rivière entende que a documentação editada sobre o assunto já é suficiente para esclarecer o caso. "Na nossa visão, não temos dúvida jurídica de que o que foi editado até agora é suficiente para garantir a continuidade dessa rede como suporte do STFC", afirmou.

Segundo Rivière, o último ponto que talvez ainda precisasse ser esclarecido, já está atendido a contento com a proposta de regulação do backhaul colocada em consulta pública nesta semana. Trata-se da equivalência econômica entre a troca da meta de instalação dos Postos de Serviço de Telecomunicações (PSTs) pelo backhaul. Para o diretor da Oi, a compensação de um eventual saldo advindo da troca em favor das concessionárias está assegurada na fórmula criada pela Anatel para a captura do Valor Presente Líquido (VPL) do backhaul.

Ilegalidade

Para a advogada Flávia Lefèvre, representante da Pro Teste e responsável pela ação judicial que culminou na suspensão liminar da implantação do backhaul, não há nada esclarecido com relação a esta nova rede. Flávia se disse decepcionada com a proposta de regulamento elaborada pela Anatel que, em sua opinião, é omissa com relação à natureza efetiva desta rede e apenas repete o conceito criado no decreto presidencial que validou a troca das metas. Decreto este que também estaria irregular.

"Esse decreto é uma afronta à Lei Geral de Telecomunicações (LGT), à Lei de Licitações e ao princípio da impessoalidade porque dá às maiores empresas do setor o direito de explorar sempre o melhor filão do mercado", avalia. Para ela, a mudança das metas feita pela Anatel e pelo Executivo tenta inserir no escopo do STFC o serviço de dados, de natureza privada. "Se é essa a intenção, ao invés de fazer essa aberração que foi esse decreto, que o Executivo faça um dizendo que a banda larga vai ser prestada em regime público a partir de agora e pronto", protestou.

Flávia rememorou o primeiro debate sobre o tema realizado na semana passada pelo Conselho Consultivo em que o consultor Renato Guerreiro declarou que não vê na nova rede um elemento essencial ao STFC. "Eu fico muito feliz quando uma pessoa do mais alto gabarito e que já foi presidente desta agência diz com todas as letras que o backhaul é rede de dados e não é essencial à telefonia fixa."

Insegurança

Em meio às divergências sobre a natureza do backhaul, o advogado Gabriel Laender, do Grupo de Estudos em Direito das Telecomunicações da Universidade de Brasília, alertou para os problemas de a Anatel não esclarecer de uma vez por todas a questão. "Essa decisão (sobre a reversibilidade ou não do backhaul) precisa ser tomada, precisa ser esquadrinhada, senão a Justiça vai decidir. É esse o risco que a Anatel corre; de perder o protagonismo na regulação. E isso aumentará cada vez mais as incertezas no setor", analisou.

Parte dessas incertezas já existe, na opinião do presidente da Abrafix, por conta da desatualização do Regulamento de Bens Reversíveis em vigor. Segundo José Fernandes Pauletti, a regra atual visualiza apenas itens físicos e patrimoniais obviamente associados à concessão, deixando de lado estruturas cuja essencialidade ao serviço público é mais sutil, mas, ainda assim tem valor importante na continuidade da oferta do STFC.

"O conceito que está nessa regulamentação ainda é do bem físico e esse conceito já vem mudando na prática para a análise da 'necessidade' dos itens que devem ser reversíveis", afirmou Pauletti. "Hoje nós já temos um problema que precisa e merece ser revisto." A correção desse cenário viria de uma revisão do regulamento em vigor, questão que já vem sendo estudada pela Anatel e pode gerar decisões ainda neste ano.

Sem posição

Mesmo com a crítica às regras em vigor, Pauletti não disse em momento algum se o atual regulamento abrange ou não o backhaul e se essa rede se encaixaria nesse novo conceito de "necessidade" para o STFC. Quem também optou por questionar apenas a estrutura do regulamento, sem posicionar-se de forma mais clara sobre a nova infraestrutura foi o diretor de Relações Institucionais da Telefônica, Fernando Freitas.

Ao contrário de seu colega da Oi, Freitas não confirmou nem negou que o backhaul seja essencial ao STFC e, portanto reversível. Também não aderiu ao compromisso de Alain Rivière a assinar "qualquer documento" esclarecendo a situação. De forma bastante comedida, Freitas criticou a visão patrimonialista do regulamento em vigor, "que coloca etiquetas em tudo", e concluiu sua participação de forma enigmática. "A minha preocupação é que, na discussão sobre bens reversíveis, sejam editados males irreversíveis", declarou.

Anatel dará explicações ao Conselho Consultivo no dia 30

A polêmica em torno da ausência da cláusula de reversibilidade do backhaul nos termos aditivos dos contratos do STFC promete não dar refresco à Anatel tão cedo. A próxima reunião do Conselho Consultivo da agência, marcada para o dia 30 de maio, última sexta-feira do mês, tratará da questão, entre outros assuntos. O encontro pode render uma recomendação à Anatel sobre o fato, como um pedido de mudança no texto dos contratos para que a reversibilidade fique clara. Esta é apenas uma hipótese por enquanto e dependerá das explicações da agência reguladora sobre o motivo de extirpar a cláusula que tratava do assunto nos contratos assinados com as concessionárias.

A importância do encontro se dá também pelo fato de que o Conselho Consultivo pediu explicações formais à Anatel sobre os motivos que levaram à optar por um contrato sem a reversibilidade explícita no texto. No dia 30, deverá participar do encontro um representante da agência reguladora, provavelmente um funcionário da área técnica, para prestar os esclarecimentos solicitados pelo grupo consultivo. A presidência da Anatel ainda não definiu quem será enviado à reunião, mas o presidente do Conselho Consultivo, Vilson Vedana, espera que seja alguém bem inteirado das decisões tomadas pela agência.

Vedana admite que é improvável que o próprio presidente da autarquia, embaixador Ronaldo Sardenberg, compareça ao encontro. Mas ressaltou que foi solicitada a presença de uma "autoridade" da agência, alguém que responda em nome do órgão e tenha conhecimento dos motivos que levaram à decisão de retirar a cláusula. O encontro será aberto para o público na sala de reuniões do Conselho Consultivo, localizada no 10º da sede da Anatel, às 10h.

Na mesma reunião será dada posse ao novo membro do conselho, o advogado Walter Faiad de Moura, que assumirá uma das duas vagas representativas dos usuários. O grupo também irá deliberar sobre as contas da agência e, sobre este tema, é aguardada a presença da superintendente-executiva da Anatel, Simone Cossetin Scholze.

A polêmica em torno da reversibilidade ou não do backhaul começou dentro do Conselho Consultivo, quando a conselheira Flávia Lefèvre constatou que a agência reguladora assinou aditivos aos contratos do STFC sem a cláusula que esclarecia que a nova rede entraria na lista de bens retornáveis à União.

O Ministério das Comunicações e a Anatel defendem que a cláusula – prevista na proposta de alteração contratual que foi à consulta pública – era desnecessária, uma vez que o decreto que altera o PGMU para a criação do backhaul como uma meta de universalização já prevê que a rede é "de suporte ao STFC para o provimento de banda larga". Assim, no entendimento do Minicom e da agência, o backhaul faz parte da lista de bens reversíveis. 

MPF solicita à Anatel esclarecimentos sobre reversibilidade

O Procurador Federal Duciran Van Marsen Farena quer explicações da Anatel sobre envio de documentos ao Conselho Consultivo da agência diferentes dos que foram assinados com as concessionárias na mudança de metas do PGMU para a criação do Plano Nacional de Banda Larga. A iniciativa do procurador partiu de um pedido feito pela advogada Flávia Lefèvre, membro do Conselho Consultivo. Flávia entrou com um pedido para que o Ministério Público Federal (MPF) analise se houve improbidade administrativa da Anatel na condução da mudança do PGMU.

O ofício encaminhado por Farena destina-se a uma análise preliminar do caso. Apenas depois é que o procurador vai decidir se entra com denúncia contra a agência reguladora ou não.

Lefèvre denunciou ao MPF que a Anatel teria encaminhado para análise do Conselho Consultivo uma minuta de aditivo ao contrato de concessão do STFC diferente do documento que acabou sendo assinado pelas empresas. O aditivo assinado no contém uma cláusula que deixava claro que o backhaul criado para o cumprimento das metas é reversível à União no final da concessão.

Para Flávia Lefèvre, foi uma atitude de má-fé da agência reguladora o encaminhamento de uma proposta que inclua esta cláusula para, depois, assinar com as empresas um aditivo onde este trecho foi suprimido. Isso porque o Conselho Consultivo acabou validando a mudança contratual, acreditando que o texto incluía a reversibilidade da nova rede à União.

A Anatel ainda não recebeu a notificação e, segundo o próprio gabinete do procurador Farena, é normal a demora de alguns dias para a entrega formal do documento, já que o ofício partiu do Ministério Público Federal na Paraíba. Farena entrou de férias logo após a expedição do ofício e retorna apenas no dia 3 de junho. Ou seja, até lá, não haverá uma decisão se o MPF aceitará ou não a denúncia feita pela conselheira Flávia Lefèvre. A agência tem 15 dias contados do recebimento da notificação para prestar os esclarecimentos solicitados pelo procurador.

Para Anatel, backhaul é reversível

Extra-oficialmente, fontes da agência ratificam aquilo que já disse Marcelo Bechara, consultor jurídico do Ministério das Comunicações, a este noticiário: seria desnecessário repetir a cláusula da reversibilidade no termo aditivo do contrato porque isso está explícito na Lei Geral de Telecomunicações e no contrato de concessão. Segundo fontes da Anatel, não existe discussão: a infra-estrutura de backhaul de banda larga em todos os municípios brasileiros é e será sempre reversível, porque esse serviço é parte do STFC.

Segundo apurou este noticiário, a Anatel entende que não teria obrigação de mandar para o conselho consultivo exatamente o que foi assinado pelas concessionárias, e sim apenas aquilo que foi aprovado pelo conselho diretor. Como depois da aprovação da Anatel os documentos ainda são analisados pelo Ministério das Comunicações e pela Casa Civil, alterações podem existir no meio do caminho. Para a Anatel, mesmo o termo aditivo, que não passa pela presidência da República, pode ser alterado depois de aprovado pelo conselho diretor, já que ele precisa ser adaptado às alterações do decreto. Mas as fontes da agência reconhecem que em casos como esse, em que o conselho consultivo tem prerrogativa legal de analisar documentos, há uma confusão nos ritos processuais.

De qualquer maneira, a Anatel entende (esta manifestação também é extra-oficial) que o receio manifestado pelos conselheiros do conselho consultivo é infundado, já que a reversibilidade está garantida.

Pelo menos um importante executivo de uma tele fixa ouvido por este noticiário também concorda com a leitura da Anatel e garante que não há polêmica: o backhaul é reversível.