No dia 19 de dezembro de 2008, o Conselho Diretor da Anatel aprovou a realização do maior negócio de telecomunicações no Brasil: a compra da Brasil Telecom pela Oi. Dois dias antes, no entanto, a análise da anuência prévia à fusão foi suspensa cautelarmente pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que via riscos na aprovação antes que alguns aspectos regulatórios, legais e econômicos fossem esclarecidos. Um dos pontos que gerou mais receio no órgão fiscalizador foi a falta de informações sobre os bens reversíveis usados por estas concessionárias e que, por natureza, pertencem à sociedade brasileira. A Anatel conseguiu derrubar a liminar alegando ter "controle absoluto" sobre estes itens. Mas, quase dois anos depois da decisão, o TCU constatou que isso não é verdade.
Em acórdão aprovado na última quarta-feira, 22, o tribunal concluiu que a Anatel não possui mecanismos de controle efetivo dos bens pertencentes à União e que sua atuação nessa área tem sido tímida desde que foi criada, em 1998. "Houve praticamente uma fiscalização para cada concessionária desde que a Anatel foi criada. Em alguns casos, inclusive, nem a primeira fiscalização foi completada", afirmam os técnicos da Secretaria de Fiscalização de Desestatização (Sefid), departamento responsável pelo acompanhamento realizado pelo TCU na Anatel desde a emissão da anuência prévia. O relatório foi aprovado pelo ministro-relator do caso, Raimundo Carreiro, e demais membros do Plenário do TCU resultando, inclusive, em recomendações à Anatel sobre este e outros assuntos.
Após fazer várias diligências na agência reguladora, os técnicos da Sefid constataram que as informações disponíveis são apenas as apresentadas pelas próprias concessionárias, deixando à desejar o controle público sobre os bens pertencentes à União e que devem ser devolvidos ao fim dos contratos, em 2025. "A consequência disso é que a informação que a Anatel possui é basicamente aquela apresentada por cada empresa. Assim, a Anatel não tem condições de dispor de informações tempestivas e fidedignas acerca dos bens reversíveis das empresas concessionárias dos serviços de telecomunicações." Diante deste cenário, a conclusão dos técnicos é bastante objetiva: "De fato, o controle dos bens reversíveis não é suficiente, tampouco absoluto".
Modelo de custos
Segundo informações prestadas pela própria Anatel à Sefid, o controle dos bens da União é feito pelo preenchimento de dois documentos pelas concessionárias. O primeiro é um "inventário", onde a empresa deve descrever o patrimônio que possui, prestando informações básicas como localização, grau de utilização, estado de conservação, custo histórico e, enfim, se é reversível ou não à União. O segundo documento trata-se de uma "lista de bens reversíveis" onde o patrimônio a ser devolvido à União deve estar detalhadamente discriminado. Ambos os documentos são auditados por empresas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo informações da Anatel.
A adoção desses dois mecanismos de controle dos bens, na visão da Sefid, não garante que as informações prestadas são realmente corretas, mesmo que os formulários passem por auditoria independente. Para os técnicos do TCU, a adoção de um modelo de custos é uma peça fundamental para que a Anatel tenha um controle efetivo do patrimônio público usado pelas concessionárias.
Com relação a este aspecto, o acórdão critica a demora da agência reguladora para concluir um sistema mais consistente de análise econômica e financeira do setor, apesar de o TCU já ter cobrado a autarquia inúmeras vezes. "Não existe uma evolução substancial em termos de desenvolvimento de um modelo de custos por parte da agência. Alguns trabalhos foram apresentados a esta Casa de Contas, mas sempre com postergação da confecção de um produto final, capaz de satisfazer aos objetivos almejados."
Novo regulamento
Em sua defesa, a Anatel alegou também que está em curso um projeto de revisão do Regulamento de Bens Reversíveis. Segundo apurou este noticiário, a proposta está pronta para deliberação do Conselho Diretor e tem como relator o conselheiro João Rezende. Apesar da iniciativa da agência reguladora de modernizar as regras de controle dos bens, a Sefid mostrou pouca confiança de que a mudança, sozinha, fará com que o patrimônio público seja acompanhado a contento. "Ações neste sentido são necessárias e urgentes. É imprescindível uma evolução no modo como o controle atual é feito, visto que não é capaz de garantir um acompanhamento adequado da relação desses bens. O simples aprimoramento do regulamento, entretanto, não é garantia de que o controle será mais efetivo", analisa o TCU.
Por isso, o tribunal recomendou que a Anatel passe a fiscalizar periodicamente as empresas para controle dos bens reversíveis e desenvolva novos métodos de monitoramento que assegurem que as listas apresentadas pelas concessionárias são, de fato, "fidedignas e atuais". Pelo levantamento do TCU, a Anatel concluiu fiscalizações de verificação dos bens públicos apenas nas concessionárias CTBC Telecom, Oi e Telefônica entre 1998 e 2007. Nas demais concessionárias – Sercomtel Telecom, Embratel e Brasil Telecom – as ações foram iniciadas, mas não foram concluídas segundo apuração da Sefid.