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O governo enterrou de novo o debate da regulação da mídia?

Por Pedro Ekman*

No segundo turno da campanha eleitoral do ano passado, Dilma Rousseff sinalizou que, finalmente, levaria ao debate público o tema da regulação da comunicação. Afirmou, inclusive, que faria a “regulação econômica da mídia”. Logo no início do novo governo, o novo ministro da pasta, Ricardo Berzoini, reiterou a proposta e chamou a sociedade civil para dialogar. Então, disse que as ações em torno do tema começariam em março. Mas parece que o que era um compromisso político mais uma vez foi abandonado.

Nesta quarta (29/04), o ministro participou de audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. Por mais de duas horas, discursou sobre a agenda do Ministério das Comunicações. Ao ser questionado sobre a necessidade de um novo marco regulatório, o ministro respondeu apenas que a liberdade de expressão deve ser exercida em equilíbrio com os demais direitos consagrados na Constituição Federal. Ele não tocou no tema da abertura do debate com a sociedade, ausência que confirma o que a própria presidenta Dilma havia sinalizado no início deste mês. Então, em entrevista coletiva a blogueiros, ela afirmou que “não há a menor condição de abrirmos essa discussão neste momento, por conta de toda a situação”. A frase, registrada pela jornalista Cynara Menezes, foi seguida pela seguinte pérola: “Me disseram que vocês estão para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular, que estão colhendo assinaturas. Não sei como ele é, nunca vi mais gordo, mas acho que pode ser interessante”.

Pelo visto, mais uma vez, o governo abriu mão de travar o debate e promover políticas em uma área fundamental para qualquer sociedade democrática.

Ao mesmo tempo em que continuaremos cobrando os compromissos firmados anteriormente pelo governo, seguiremos a pautar a necessidade de regulação da mídia. Isso porque os meios de comunicação ocupam no sistema democrático, hoje, o lugar importante do debate sobre temas de interesse público. Em uma sociedade como a em que se vive em 2015, tomar decisões em praça pública com centenas de milhões de pessoas ao mesmo tempo não é algo factível. A Internet talvez um dia permita isso, mas, com o nível de exclusão digital que temos, este cenário continua distante. O papel de mediação ainda é desempenhado pelos meios tradicionais, como a televisão.

Aliás, foi para enfrentar o problema da impossibilidade de reunir todos fisicamente em um espaço público comum que inventamos dois instrumentos: o sistema de representação política e a comunicação social eletrônica, ambos descritos e definidos na Constituição Federal. O Congresso Nacional passa a ser o lugar central dos debates, do qual participam com direito a voto os representantes eleitos da sociedade. Já por meio do rádio e da TV, a sociedade obtém o conhecimento de informações para tomar suas decisões, como eleger representantes ou sair às ruas para protestar contra o que percebe estar errado.

Vale notar que tanto o Congresso como os canais de rádio e TV são espaços públicos. A Constituição Federal fez questão de defini-los assim, pois eles são estruturantes do sistema democrático representativo. O problema é que a política brasileira privatizou o espaço público ao longo de sua história, favorecendo os interesses privados em detrimento dos interesses públicos e republicanos. Os representantes do nosso Parlamento são eleitos com campanhas milionárias, financiadas por corporações que passam a ter seus interesses verdadeiramente representados no Congresso. As cédulas de dólares e reais substituem as de votação em importância, corrompendo a estrutura do sistema. Da mesma forma, os canais de rádio e TV são entregues a poucas empresas privadas, que definem o debate político e cultural do país.

Para termos ideia do impacto da concentração de mercado no debate público, podemos analisar a discussão que ocorre neste momento sobre a possibilidade da redução da maioridade penal. Como será a reação de uma sociedade que é bombardeada diariamente por programas policialescos e telejornais que veiculam crimes cruéis supostamente cometidos apenas por adolescentes? Com adolescentes condenados na praça pública da TV, sem sequer ter o direito constitucional da presunção da inocência, a sociedade se vê impelida a apoiar a redução da maioridade penal, já que esse é o caminho mostrado como razoável diante dos fatos que foram selecionados para serem levados ao debate.

Não à toa, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que discute a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, aprovou esta semana a convocação dos jornalistas Marcelo Rezende (TV Record), José Luiz Datena (Bandeirantes), Rachel Sheherazade (SBT) e Caco Barcellos (Globo) para uma audiência pública sobre o tema. Os três primeiros são recorrentes defensores da mudança e usam a televisão para divulgar suas ideias com veemência. Isso sem que o Ministério das Comunicações, por exemplo, os puna por, entre outros casos, incitar à violência, como feito por Sheherazade ao comentar ação de “justiceiros”, no ano passado. A falta de vontade política do governo, aliás, se dá não apenas quando ele se nega a travar o debate estrutural da comunicação, mas também quando se nega a fazer o que deveria e já pode ser feito com as leis existentes no país.

Diante desse cenário, a democracia existe no papel, mas não se realiza na prática. O artigo 220 da Constituição define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. A Globo, no entanto, controla 70% do mercado, faturando sozinha mais do que todas as demais empresas de comunicação. Isso acontece porque o Congresso Nacional nunca elaborou leis definindo mecanismos que impedissem a formação de monopólio. Por que o Congresso tem sido omisso nas suas obrigações? O artigo 54 da mesma Carta Magna determina que deputados e senadores não podem ser donos de concessionárias de serviço público (o que inclui canais de rádio e TV). No entanto, a família Sarney, os senadores Fernando Collor, Aécio Neves, Agripino Maia e Edson Lobão Filho são apenas exemplos das dezenas parlamentares que controlam inúmeras emissoras em seus estados.

Criar leis que tornem viáveis os objetivos constitucionais é justamente o que se chama de regulamentar a Constituição, um passo fundamental para a regulação do sistema de comunicações do país, para que o jogo democrático possa ser justo e equilibrado. No entanto, congressistas e grandes emissoras de TV definem a regulação da mídia como cerceamento da liberdade de expressão e como um ataque de um suposto governo autoritário, que quer impedir críticas à sua gestão. Isso acontece porque as corporações de mídia, ao reconhecerem a possibilidade de um cenário em que terão que dividir o bolo que sempre comeram sozinhas, atacam a proposta e provocam medo na sociedade, para que ela também reaja contra a medida.

“Podemos tirar, se achar melhor”

Muitas vezes, o mais importante não é o que se comunica, mas aquilo que se deixa de comunicar. Recentemente, as redes sociais foram surpreendidas por uma notícia que foi ao ar com uma nota do jornalista ao editor que dizia: “Podemos tirar, se achar melhor”. A frase estava inserida após um trecho da reportagem que ligava o esquema de corrupção da Petrobras ao governo FHC. O diálogo entre um jornalista e um editor é algo absolutamente trivial mas, ao expor a preferência de se levar ao debate público algumas informações e não outras, ele provocou a reflexão sobre quantas notas não foram tornadas públicas e quantas informações foram simplesmente retiradas do debate. O fato de que a mídia tem lado, posicionamento e opinião contraria o discurso corrente de que os meios são técnicos e sempre optam pela melhor forma de informar. Tendo isso claro, fica fácil perceber que um cenário de mercado altamente concentrado, onde apenas poucos empresários decidem o que toda a sociedade vai debater, é algo mortal para uma sociedade que se pretende democrática.

Regular a mídia não é censura e nem coisa de comunista. Países não comunistas como a Inglaterra, a França, a Alemanha e até os Estados Unidos regulam as comunicações de maneira mais determinada que o Brasil. Enquanto os donos do The New York Times não podem ser os mesmos donos de uma emissora de TV, em Nova York, porque a regulação americana coloca limites à propriedade cruzada dos meios de comunicação, aqui os donos da Globo podem ter canais de TV, rádio, jornais, editoras, gravadoras e outros tantos veículos, sem qualquer limite. Se, no Brasil, as emissoras de TV questionam na Justiça a Classificação Indicativa (mecanismo de regulação de conteúdo para proteger as crianças de cenas impróprias), na Suécia a publicidade infantil é absolutamente proibida. Estados Unidos e Suécia estão longe do projeto comunista e nem por isso definem regulação como censura.

Entendendo que a solução para esse problema não virá espontaneamente do Congresso Nacional e cansada de esperar por um governo que decida enfrentar a questão de fato, a sociedade civil brasileira elaborou e colhe assinaturas para o Projeto de Lei da Mídia Democrática (aquele que a Presidenta disse desconhecer). Vários meios alternativos e outras iniciativas de comunicação, além de ações diversas das organizações sociais, buscam fomentar esse debate. Se, com todo o esforço da sociedade em pautar o assunto, ele não aparece na TV e no rádio, é porque certamente alguém achou melhor tirar. E isso sim é praticar censura.

* Pedro Ekman é membro da Coordenação Executiva do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Berzoini: “regular não significa retirar direitos”

Logo após a audiência com os membros da Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), nesta quarta (28/01), o ministro Ricardo Berzoini (das Comunicações), concedeu entrevista à reportagem da assessoria de comunicação da entidade. Ele falou sobre regulação do setor e disse que é preciso fazer o debate com a sociedade sem preconceitos, ouvindo todas as opiniões, para no momento em que houver consenso o governo possa apresentar uma proposta ao Congresso Nacional. Confira.

Como o governo pretende construir esse diálogo sobre regulação da mídia com a sociedade?

Ricardo Berzoini – Primeiro, ouvindo bastante todas as opiniões, tudo que foi formulado nesses anos todos, e buscando entender qual é o papel da legislação em relação a qualquer setor de atividade, especialmente num setor que interfere na vida de todos nós, que é a comunicação.

O MiniCom ainda não tem decisão sobre a questão?

R.B. – Não. E é uma decisão nossa não ter proposta por enquanto, até para poder fazer esse debate sem qualquer preconceito, sem qualquer ponto de referência inicial. O ponto de referência inicial é o acúmulo que a sociedade tem sobre a matéria. Tem gente que fala radicalmente contra qualquer regulamentação em relação tema, embora já haja leis que regulamentam há muito tempo, há décadas, e tem gente que faz propostas também no sentido de uma regulação muito ampla e muito forte. O importante é que possamos discutir, desmistificar o tema e tentar encontrar alguns acordos políticos na sociedade para fazer uma boa legislação capaz de enfrentar questões fundamentais como garantia da democracia e da liberdade de expressão para todos.

Quando o governo pretende enviar uma proposta de regulação ao Congresso Nacional?

R.B. – Não há essa definição por agora. Acho que a partir do momento em que começarmos a discutir certamente teremos uma avaliação de qual é o momento de afunilar. Se a gente coloca uma data desde já, de certa forma essa data se transforma num ultimato para nós mesmos. Nós podemos fazer esse debate com tranquilidade e ter juízo para no momento correto avaliar que está na hora de apresentar uma proposta em nome do governo que possa ser resultado de um processo amplo de consulta à sociedade.

O que o senhor considera mais importante nesse processo?

R.B. – O importante é não ter preconceito, nem de um lado nem de outro. Ou seja, existe uma questão fundamental que é: todos os setores da atividade humana são sujeitos a regulação. A regulação não significa retirar direitos ou restringir direitos, significa, na verdade, a pactuação coletiva da sociedade daquilo que pode e do que não pode ser feito. A fabricação de alimentos, de remédios, para o transporte coletivo, para as leis de trânsito, e não razão para que haja um setor que não possa ser tratado de maneira democrática, transparente, pela vontade coletiva da ação. E a vontade coletiva da nação se constitui e se consubstancia no poder Legislativo, ou seja, é lá que se dá o embate fundamental para aprovar qualquer lei, como foi o Marco Civil da Internet e todas as leis importantes para o país.

Entrevista concedida ao FNDC, publicada no portal – www.fndc.org.br

“Somente a mobilização popular foi capaz de colocar na agenda parlamentar a lei de meios”

Ricardo Sonny Martinez mora em Bariloche, tem 30 anos de jornalismo de rádio, sendo atualmente radialista da Rádio Nacional San Martin de los Andes (LRA 53), aonde trata, entre outras coisas, de política latino-americana.

Ativista pela aprovação e implantação da Lei de Meios, Sonny Martinez desempenhou a tarefa, entre 2003 e 2011, de Diretor Executivo da LRA 53, quando coordenou o trabalho de modernização nas aparelhagens e melhoria profissional da rádio estatal na região da Patagônia, incluindo a preocupação com a vida dos povos originários patagônicos na programação e ações da emissora.

Durante um período da ditadura militar argentina refugiou-se no Brasil, tendo morado em Porto Alegre e Florianópolis.

Anísio Homem (AH) – Desde quando surgiu a necessidade de uma Lei de Meios democrática na Argentina?

Ricardo Sonny Martinez (RSM) – A partir do período democrático, em 1983, durante o governo da União Cívica Radical (UCR), com o presidente Raul Alfonsin, se tornava evidente a necessidade de modificar as legislações que, em vários âmbitos, permaneciam vigentes e que haviam sido ditadas por meio de decretos da Ditadura Militar.

A Lei de Radiodifusão 22.285, de 1980, foi sancionada com a assinatura do ditador Jorge Rafael Videla e impunha sérias restrições à liberdade de expressão. Além disso, condicionava todos os meios de comunicação à Lei de “Segurança Nacional”, proveniente da doutrina do mesmo nome imposta por Washington aos governos ditatoriais que predominavam em grande parte de nosso continente.

É necessário mencionar que a Ditadura Cívico-Militar se havia apropriado dos canais de televisão e rádios tendo-os repartido seu controle com as forças armadas, de tal modo que Marinha, Exército e Força Aérea controlavam cada uma um canal de TV e uma rádio. Na direção de cada meio de comunicação se colocou um interventor, que atuava em conjunto com uma comissão de censura prévia. Esta comissão determinada a natureza dos conteúdos que podiam transmitir ou não cada meio. Para se ter ideia do absurdo e de quanto era férrea esta censura, até mesmo O Pequeno Príncipe era considerado um texto subversivo.

Mas a ditadura também soube recompensar seus parceiros privados como os grupos que controlavam os jornais “La Razón” (extinto), “La Nación”, e em muito maior escala o grupo “Clarín”, que guardadas as proporções, tornou-se uma espécie de Organizações Globo na Argentina. Por exemplo, este grupo tem centenas de concessões de canais de rádio e televisão.

Então, a intenção do governo Alfonsin de modificar a lei de radiodifusão se viu frustrada pela forte oposição destes grupos poderosos de comunicação, que jogavam com a ameaça de volta dos militares para encurralar o governo. Mesmo assim, o governo Alfonsin enviou vários projetos ao Congresso, que ficaram sem trâmite parlamentar pela falta de votos suficientes por parte do governo para fazê-los ir em frente.

AH – Mas, em outubro de 2009, um nova Lei de Meios, proposta e sancionada pela presidente Cristina Kirchner, a lei 26.522 “de serviços e comunicação audiovisual”, alterou a situação das comunicações na Argentina. Explique isso.

RSM – Na atualidade estamos vivendo um processo de aplicação desta nova lei. E sublinho a palavra processo porque a aplicação da lei não foi imediata, por várias razões. Uma delas foi o intenso bombardeio de interpelações judiciais feitas pelos grandes grupos de comunicação, todas alegando a inconstitucionalidade das novas regras previstas, que dissolviam consideravelmente o monopólio de empresas como o Clarín, por exemplo. Mas ademais, a nova lei implica em mudanças culturais profundas.

AH – E o que propõe esta Lei de Meios?

RSM – A aplicação da lei se dá em vários planos, alguns dos quais já produziram seu efeito na sociedade argentina, a saber:

a) A criação de uma empresa estatal de Rádio e Televisão proprietária do canal 7 (que é uma TV pública, com repetidoras em todo o país) e da Rádio Nacional, com 48 emissoras espalhadas pela Argentina.

b) Estabelecimento de cotas de audiência e limite de quantidades de licenças (concessões) que uma determinada empresa pode ter.

c) O acesso dos povos originários à propriedade de meios próprios, contribuindo para que sejam respeitadas as diversidades culturais que formam o povo argentino.

d) A possibilidade de Universidades, Cooperativas, ONGs, e outras instituições sem lucrativos, poderem ter a propriedade de um meio de comunicação.

e) A instituição de uma Defensoria Pública como organismo encarregado de mediar a relação entre os meios de comunicação e os telespectadores e radiouvintes.

f) A criação da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audovisual (AFSCA), com participação de representantes do governo e do legislativo.

g) Criação do Conselho Assessor da Comunicação Audovisual, aonde estão representadas as universidades, sindicatos, associações interessadas.

h) Estabelecimento de cotas de audiência e limite de quantidades de licenças (concessões) que uma determinada empresa pode ter.

AH – Com a validação desta lei pela Suprema Corte, em 2013, o império midiático mais atingido é o do Clarín, maior holding multimídia do país, por que?

RSM – Até o dia de hoje, o grupo multimidiático Clarín, proprietário de mais de 300 concessões de rádio e televisão, de empresas de transmissão a cabo, da única fábrica de papel de impressão da argentina, continua gozando de uma posição dominante, quase de monopólio no mercado. O Clarín não acatou a decisão da Suprema Corte de Justiça, o tribunal mais importante do país, isso depois de anos de litígio nas instâncias menores aonde contou com a cumplicidade de juízes “amigos”. Depois da decisão final da Suprema Corte, sabendo que já não cabem mais recursos sobre a lei, a estratégia do Clarín é de protelar a sua aplicação. Tendo que apresentar um plano de adequação à lei, o que fez o Clarín? Apresentou uma divisão de operações entre seis grupos entre os quais propunha dividir suas atuais e volumosas concessões. Ocorre que foram detectadas as participações cruzadas dos atuais diretores de Clarín nesta nova configuração de concessões. Ou seja, o Clarín quer repartir suas atuais concessões entre si mesmo, rebatizando suas empresas e enganando as autoridades.

O plano de adequação foi rechaçado pela Agência Reguladora (AFSCA), que exigiu que o plano fosse refeito conforme a lei. Por tratar-se de um expediente administrativo se supõe que o Grupo Clarín recorrerá mais uma vez à judicialização do processo. A intenção política evidente deste grupo parecer ser a de postergar a aplicação da lei até que se produza na Argentina uma mudança de governo, dado que os candidatos de oposição já se manifestaram pela revogação da lei. O que só reforça a ideia de a garantia da continuidade da vigência da lei é a mobilização popular para impedir que se retroceda. Agora mesmo, enquanto respondia esta entrevista, chega a notícia de que o Clarín acabou de ganhar uma ação favorável, em primeira instância, contra a ordem de adequação que lhe exigiu a AFSCA. É como eu disse, querem protelar as coisas até o final de 2015 quando imaginam poder eleger um governo federal que liquidem com a lei de meios que o povo conquistou.

AH – Por falar em mobilização popular, como se deu a participação social, de movimentos, para que a lei fosse aprovada e começasse a ser aplicada?

RSM – Desde o início ficou evidente, e cada vez isso é mais claro, que somente a mobilização popular foi capaz de colocar na agenda parlamentar a lei de meios. Foi a mobilização popular quem garantiu sua aprovação pelo Congresso. Será a mobilização nas ruas, com ainda mais gente, quem assegurará sua completa aplicação, ainda mais se temos que enfrentar todas as manobras do grupo Clarín e seus tentáculos na sociedade.

É bom saber que este processo de mobilização não tem sido fácil. Por exemplo, 4 anos antes da aprovação da lei foi formada a “Coalizão por uma Comunicação Democrática”, que reunia uma grande quantidade de organizações sociais, sindicatos, pequenas e médias empresas de meios, associação defensora de direitos humanos, comunidades de povos originários, associação de jornalistas, etc. Foi desta “Coalizão” que saíram os 21 pontos que culminou na chamada “Iniciativa Cidadã por uma Lei de Radiodifusão da Democracia”. Estes 21 pontos se transformaram, depois de discutidos com parlamentares, em um Projeto de Lei. Este projeto foi a debate em todos os cantos do país, inclusive em rincões da Patagônia, alcançando a marca de 3 mil reuniões públicas. Isso fez da lei uma lei de muitos, não só do governo ou dos deputados. Isso lhe deu uma força incrível. Neste processo de discussão foram aprimorados vários pontos do Projeto. Por fim, com esta mobilização toda o Congresso finalmente aprovou a Lei. Continuamos mobilizados agora pelo seu total cumprimento uma vez que as pressões para que isso não aconteça são muitas.

AH – Com a aprovação da lei, o governo está buscando reforçar um sistema público de rádios e tv no país?

RSM – A Rádio e Televisão Pública na argentina sobreviveram, quase inexplicavelmente, a onda privatizadora da década de 90. Quando a atual administração chegou ao governo os meios públicos eram calamitosos. Eu, por exemplo, assumi a Direção Executiva da rádio LRA 30, Rádio Nacional San Carlos de Bariloche, em 23 de novembro de 2003, e o cenário não podia ser pior, com equipamentos obsoletos, transmissores fora do ar ou com potência muito limitada, escassez de pessoal e muito mal pagos e de baixo profissionalismo. Em sua maioria os equipamentos datavam da década de 70.

Foi duro começar a reconstrução dos meios públicos, processo que começou antes ainda da sanção da nova lei de meios mas que se consolida com ela. A nova lei regulamenta a criação da Rádio e Televisão Argentina Sociedade do Estado, dotando-a de verbas, de uma direção amplamente democrática, separando de forma definitiva um meio estatal daquilo que é o governo por meio da participação das diferentes forças políticas uma vez que a direção desta empresa estatal foi composta tomando-se em conta a representação parlamentar.

Hoje em dia a Televisão Pública tem uma grande qualidade técnica digital, uma notável cobertura territorial e uma grande qualidade em seus conteúdos. A mesma coisa se sucede com as emissoras da rede nacional de rádios, que passaram de 40 para 48 em todo o país, como melhoria do pessoal, com equipamentos mais modernos para operar em AM e FM, com estúdios mais bem montados. Hoje podemos dizer que os meios públicos argentinos são de altíssima qualidade humana e técnica.

AH – Por fim, fale um pouco sobre esta confusão que os grandes grupos de comunicação fazem entre liberdade de expressão e liberdade dos monopólios midiáticos.

RSM – A discussão entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa é uma falsa discussão, que só existe na mente dos executivos e advogados dos multimeios privados para proteger seus próprios interesses corporativos e sua visão monopolista.

Neste paradigma empresarial todos somos tratados pelos grandes meios de comunicação como “clientes” quando na realidade temos direitos e devemos ser tratados como usuários de um serviço público.

A garantia da liberdade de expressão está na multiplicidade de vozes no ar. Por exemplo, a radiodifusão não pode ser vista com a lógica do mercado mas com a lógica de serviço. É preciso dar voz a quem não as tem, como cooperativas, associações civis, escolas, povos originários, universidades, etc.

Estes são argumentos de caráter sócio-políticos, porém, existem também os de caráter técnico. O espectro radioelétrico é por definição finito, ou seja, não há lugar para infinita quantidade de frequências de rádio e televisão e este espaço radioelétrico é um bem social, é propriedade de toda a sociedade. Se esta sociedade decidiu ter um governo para representá-la, a lógica indica que este governo tem que se encarregar de administrar este bem social.

O mais democrático, me parece, é que no mínimo haja limites bastante claros para que uma empresa ocupe este espaço, porque se uma só empresa ocupa o espaço radioelétrico não há multiplicidade de vozes, ou seja, não há democracia. A nova lei de meios argentina propõe a democratização do ar, ampliando a quantidade de vozes a serem escutadas para que as pessoas tenham a liberdade de escolher os conteúdos e opiniões que mais as satisfazem como usuárias do serviço de comunicação. Volto a frisar: o monopólio das comunicações por empresas privadas é um impeditivo à democracia.

Entrevista concedida à Anísio Homem, publicada no Blog do Andre Machado – www.blogdoandremachado.com.br

Canais de TV que alugam horário para igrejas são alvo de ação do Ministério Público Federal

Pela primeira vez, o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) vai recorrer à Justiça para combater o mercado de aluguel de horário da programação de TV e rádio a igrejas. O alvo principal da ação são as emissoras que lucram arrendando partes de sua grade para igrejas, que hoje possuem presença maciça na programação da TV aberta. Nas duas ações protocoladas, a Procuradoria move acusação contra a Rede 21 (UHF do grupo Bandeirantes), a TV CNT e a Igreja Universal do Reino de Deus e seus respectivos representantes legais.

Na ação, a Rede 21, o vice-presidente da Band, Paulo Saad Jafet, e o superintendente de operações e relações com mercado José Carlos Anguita são acusados de violar dispositivos do Código Brasileiro de Telecomunicações, regulamentações do setor e a Lei Geral de Telecomunicações, regulamentações do setor e a Lei Geral de Telecomunicações, isso porque firmaram contrato que cede 22h diárias da grade da emissora à Igreja Universal.

Para o Ministério Público, o contrato da Rede 21 com a Universal é ilegal, pois caracteriza “alienação de concessão pública”. O MP pede que a invalidação da outorga e a declaração de inidoneidade dos envolvidos, fato que se for consumado os impede de participar de novas licitações. A ação também pede que indenizem a União e sejam condenados por danos morais, a indisponibilidade dos bens dos citados e a suspensão de transmissão da Rede 21. Ação similar foi também protocolada contra a CNT, que aluga 22h diárias de sua grade à Universal.

Membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Pedro Ekman, disse à Fórum que acredita na punição dos canais. “A lei sobre o tema existe há muito tempo, mas o governo nunca se deu o trabalho de fiscalizar o seu cumprimento. Acredito que nunca houve punição para esse tipo de prática simplesmente por nunca ter havido uma postura ativa do governo em relação à isso. Essa é uma ação inédita na justiça e acho difícil que um juiz se furte da responsabilidade de aplicar a lei”, comenta.

Confira a entrevista:

O que você acha da ação do Ministério Público Federal?

Pedro Ekman – A ação do MPF é o resultado da atuação do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (FINDAC), que conta com a participação de organizações da sociedade civil como o Intervozes, Artigo 19 e Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. É fundamental para a democracia brasileira que uma instituição da importância do Ministério Público tenha iniciativas como essa que olham com prioridade para a defesa do direito da sociedade à comunicação, sobretudo com uma dinâmica de participação social.

Você considera que a ação vai adiante e que, de fato, estes canais serão punidos?

P.E. – A lei sobre o tema existe há muito tempo, mas o governo nunca se deu o trabalho de fiscalizar o seu cumprimento. Acredito que nunca houve punição para esse tipo de prática simplesmente por nunca ter havido uma postura ativa do governo em relação à isso. Essa é uma ação inédita na justiça e acho difícil que um juiz se furte da responsabilidade de aplicar a lei.

Acredita que a locação de grade horária pode acabar?

P.E. – Se os canais quiserem continuar alugando sua programação para terceiros, eles vão ter que restringir essa prática a 25% do tempo total de sua programação sem poder estabelecer mais nenhum tipo de contrato publicitário, o que não seria financeiramente interessante. Os canais vendem sua grade como uma forma de burlar o limite definido em lei. Não dá para seguir desobedecendo a lei indefinidamente, principalmente com o Ministério Público no seu pé. Acho que temos pela primeira vez na história da comunicação brasileira uma boa chance de acabar com essa prática que atenta contra o direito à comunicação.

Entrevista concedida a Marcelo Hailer, publicada no Portal Fórum

“Não há qualquer projeto de esquerda que implique na ampliação dos direitos sem a democratização dos meios de comunicação”

No dia 30 de novembro, a Frente Ampla elegeu Tabaré Vasquéz para comandar o Uruguai até 2020. O resultado das urnas mostrou que as políticas de desenvolvimento local e de ampliação de direitos trabalhistas e sociais desenvolvidas nos últimos 10 anos (primeiro com Tabaré e depois com Pepe Mujica) foram aprovadas pelos uruguaios. E a agenda política que saiu vitoriosa das urnas sinaliza para a ampliação de direitos e adoção de políticas para aprofundar ainda mais a democracia. Nesse contexto, uma das primeiras e mais polêmicas agendas a serem enfrentadas, ainda neste ano, é a discussão no Senado da Lei de Serviços Audiovisuais.

Pouco antes do primeiro turno da eleição, estive no Uruguai e entrevistei o jornalista Gabriel Mazzarovich sobre as dificuldades em se fazer avançar a agenda da democratização da comunicação no Uruguai. As similaridades com os problemas que enfrentamos no Brasil são muitas. Inclusive no discurso blocado dos “barões da mídia uruguaia”, que como nos disse Mazzarovich é a de que “a melhor lei de meios é a que não existe”.

Por isso, assim que perceberam a franca maioria da Frente Ampla no parlamento e o favoritismo de Vásquéz, os empresários dos meios de comunicação no Uruguai rapidamente se mobilizaram para manifestar seu repúdio ao projeto de lei construído pela Frente Ampla com apoio das entidades que participam da Coalização por uma Comunicação Democrática. O Diário El País estampou manchete nesta segunda-feira (01/12) destacando a posição da Associação Nacional dos Radiodifusores Uruguaios que taxa a proposta em tramitação no Senado de autoritária. “Em regimes autoritários da história do homem, como os fascistas, os mussolinistas e os stalinistas, ou em Cuba que não há liberdade para nada, ou na Venezuela onde estão fechando os veículos, há leis desse tipo”, afirmou o presidente da Andebu, Pedro Abuchalja. A reação é claramente uma tentativa de obstruir o debate, que contou com o apoio explícito do presidente eleito.

Se há uma clara semelhança entre a postura dos donos da mídia lá e aqui no Brasil, uma diferença entre a situação brasileira e a uruguaia nesta pauta é gritante e nos coloca, brasileiros, em grande desvantagem: no Uruguai há um projeto de lei tramitando no Congresso, já aprovado pelos deputados e aguardando votação no Senado, onde a Frente Ampla tem maioria para aprovar a proposta que conta com o apoio do atual presidente e do presidente eleito.

Mas, apesar do compromisso em votar o projeto ainda este ano, a luta política em torno da democratização da comunicação no Uruguai ainda tem um vasto caminho que passa, necessariamente, como alertou Gabriel Mazzarovich pela mobilização da sociedade em torno desta pauta, que é estratégica para qualquer projeto de poder.

ComunicaSul – Como está atualmente o debate sobre a comunicação no Uruguai?

Gabriel Mazzarovich – No Uruguai, assim como no mundo inteiro, o tema dos meios de comunicação para a esquerda e para o movimento popular é um tema que apenas recentemente vem sendo tratado como um problema estratégico. Muitos dos nossos companheiros dizem que há governos que governam bem, mas que têm problemas de comunicação. Nós dizermos que se a esquerda tem problema de comunicação, então governa mal. Comunicar é parte de governar e é parte de fazer política, sempre foi, mas nesta sociedade é muito mais. A democratização da sociedade é estratégia de poder e para fazer o debate da democratização da comunicação é preciso discutir poder. Há setores da esquerda e do movimento popular uruguaio que sequer o reivindicam, que a sua perspectiva estratégica é um programa de governo de cinco anos. Mas a nossa perspectiva estratégica é a revolução, portanto é uma perspectiva estratégica histórica e que necessita da democratização dos meios de comunicação, porque eles são um ponto central do poder. Não há democratização da sociedade possível e nem qualquer projeto de esquerda que implique na ampliação dos direitos sem a democratização dos meios de comunicação.

ComunicaSul – E como este debate está organizado na sociedade uruguaia?

Gabriel Mazzarovich – Temos no Uruguai a Coalização por uma Comunicação Democrática, um espaço muito amplo que integra o movimento sindical, as faculdades de comunicação, sindicatos de jornalistas, mas que tem tratado do assunto como um tema de lobby, realizando grandes seminários. Isso é muito importantes, mas nós estamos convencidos de que se não colocarmos milhares de pessoas nas ruas para lutar por esta pauta não teremos êxito. Porque os grandes meios de comunicação são os reis do lobby, eles o inventaram. Por isso temos que ter milhares de pessoas nas ruas.

ComunicaSul – E nos dez anos de governo da FA não houve avanços na pauta da Comunicação?

Gabriel Mazzarovich – O que mudou nos últimos anos. Nós, no Uruguai, temos um sistema de meios de comunicação parecido com o de outros países da América Latina, e que pode ser definido por quatro palavras: privado, comercial, concentrado e estrangeirizado. É uma merda. Um desserviço para a democracia uruguaia. No Uruguai vivemos num país capitalista, a propriedade capitalista está garantida pela Constituição, e existe propriedade capitalista em todos os setores da economia, menos na Comunicação. Na Comunicação a propriedade é feudal. As concessões de radiodifusão existentes foram outorgadas sem nenhum tipo de concurso e não têm fim, não têm prazo para acabar; 60% das concessões de rádio que existem no Uruguai foram outorgadas pela ditadura e ainda seguem vigentes. A direita segue sempre com o mesmo discurso que a melhor lei de meios é a que não existe. É mentira. No Uruguai existe uma lei de meios, é o único setor do Uruguai que continua sendo orientado por uma lei da ditadura. Mesmo com a recuperação democrática e 10 anos de governo de esquerda não conseguimos revogá-la. Não conseguimos mudar essa maldita lei da ditadura. Mas ainda assim, no governo da FA foram feitas várias coisas.

A primeira foi a lei das radiocomunitárias, que é um avanço histórico para o Uruguai no qual o Estado deixou de ser repressivo e passou a ser um Estado com ambição de inclusão. A lei estabelece pela primeira vez nas leis uruguaias três espaços para os meios de comunicação: o espaço privado, o espaço comunitário e o espaço público e estabelece que estes espaços devam ser equivalentes. Isso foi fundamental porque aqui se criou o antecedente para todo o resto. Hoje, 95% das rádios são privadas e 80% dos canais também. Todas as novas frequências estão sendo alocadas para as rádios comunitárias e para aumentar a presença das rádios públicas. Falta muito, mas efetivamente criamos este espaço.

O governo da Frente Ampla estabeleceu por decreto presidencial — por isso é tão importante a lei de serviços audiovisuais, já que decreto pode ser mudado por outro presidente – que é obrigatório haver licitação e audiências públicas para destinar as novas frequências e ainda proíbe a entrega de frequências radioelétricas um ano antes das eleições e seis meses depois de assumir o mandato. Porque é neste período que elas são repartidas para favorecer a cobertura da campanha e para dar os serviços aos candidatos e a FA é a única força política que não fez isso. Outro tema principal é o decreto da TV Digital, que definiu a distribuição das novas frequências da TV Digital a partir de um concurso público, que teve os seus problemas, mas que foi um concurso público, com audiência pública, os pleiteantes tiveram que apresentar um projeto de comunicação, foram julgados, e as concessões têm prazo para terminar (25 anos). Além disso, a cada 5 anos as emissoras serão submetidas a uma avaliação e se não cumpriram com seus planos de investimento e programação podem ter suas outorgas canceladas. Mas, mesmo com essas medidas, nós reiteramos que precisamos de uma nova lei de serviços audiovisuais porque ela é um instrumento legal e tem um peso que não têm os decretos.

ComunicaSul – E o que propõe a Lei de Serviços Audiovisuais?

Gabriel Mazzarovich – A lei de serviços audiovisuais é muito mais ampla. Ela outorga pela primeira vez direitos à audiência, cria-se a figura do defensor da audiência, estabelece a participação dos trabalhadores no acompanhamento da lei, estabelece que as emissoras devam respeitar os direitos trabalhistas e a liberdade sindical. Pela lei fica obrigada a reserva de uma porcentagem da programação para exibição de conteúdo nacional, estabelece critérios de como se devem dar as notícias de violência para proteger os direitos das crianças e adolescentes, estabelece prazos para a vigência das outorgas e estabeleces a divisão do espectro em terços: 1/3 privado; 1/3 comunitária e 1/3 pública. E mais, se não for possível ocupar o espectro reservado para o campo comunitário e público, porque não existiram propostas, esses espaços não podem ser oferecidos aos meios privados, eles se mantêm em reserva até que se tenha uma proposta comunitária e pública. O privado fica limitado a 1/3 do espectro. Este é o projeto de lei que o parlamento está discutindo, que já tem a aprovação dos deputados e agora resta ser aprovado pelo Senado.

ComunicaSul – E como é o cenário das Telecomunicações? O serviço no Uruguai é público certo?

Gabriel Mazzarovich – Sim. Nós temos uma coisa distintiva no Uruguai. Ainda durante a ditadura se criou Antel como ente das telecomunicações. Porque os milicos já tinham claríssimo, eles sim tinham estratégia de poder. Nós mantemos com vocês (privados) os meios de comunicação e cuidamos das telecomunicações, que são o futuro. E é lindo nós termos uma empresa de telecomunicação estatal, estratégica, e que é central para qualquer projeto de desenvolvimento. Por isso, nós temos que defendê-la. A Argentina não tem, está inventando. Todas as empresas de telecomunicações na Argentina são privadas, todas. Inclusive a plataforma pela qual vai circular a muito boa lei de meios que eles têm é toda privada. Eles não têm nada público. Aqui é o contrário, tudo é público, e o setor privado terá a obrigação de pagar para as empresas públicas para utilizar a plataforma digital. E na nossa proposta de lei agregamos uma coisa que é única no mundo, que se chama proibição cruzada. A lei tem um artigo que estabelece que as empresas que sejam concessionárias de ondas de televisão são proibidas de terem empresas telefônicas, e as empresas telefônicas são proibidas de terem concessão de radiodifusão. Por exemplo, no caso do Peru, a Movistar e Claro são donas de todas as televisões peruanas. Isso é o que se está passando no mundo. Por isso, o Uruguai enfrenta processos da Organização Mundial do Comércio e de outras cortes internacionais por violar a liberdade comercial, os tratados comerciais. Esse é o centro da disputa hoje, porque eles querem destroçar a Antel e dar mais poder a esta tropa. Então, essa é a lei pesada que estamos discutindo no parlamento hoje, mas que os deputados conseguiram aprová-la depois de um debate de dois anos. Foram feitas inúmeras modificações no projeto original de lei, algumas inclusive impulsionadas por nós, para aperfeiçoá-lo. Por exemplo, introduzimos a proposta de se criar um conselho independente que ficará encarregado de fazer a gestão de todos os temas relacionados ao assunto. No projeto original da FA não havia esse conselho.

ComunicaSul – E qual a sua perspectiva para a aprovação do projeto de lei dos serviços audiovisuais?

Gabriel Mazzarovich – O compromisso de Mujica e Tabaré é de votar depois das eleições. Queríamos votar antes de outubro. Apresentamos o projeto dois anos antes das eleições para que fosse votado antes. Mas não conseguimos colocar a massa lutando por ele. Se conseguirmos aprová-lo será um passo histórico para o uruguaio. O debate sobre o conteúdo da lei de serviços audiovisuais avançou muito no governo da FA. Mas veja, tivemos experiências fundamentais neste último período. Aprovamos no Uruguai a lei de responsabilidade penal empresarial, que é uma lei pesada, dura, uma das mais importantes que foram votadas no Uruguai. Também a lei de negociação coletiva e a lei que anula a lei da impunidade. Estas talvez tenham sido as três leis mais pesadas votadas no Uruguai. Elas representam um passo contra-hegemônico dos trabalhadores e da esquerda e por isso sofreram tanta resistência dos empresários, como se fossem uma revolução. Porque foram aprovadas? Porque houve uma pressão gigantesca para serem aprovadas. A bancada da esquerda mudou cinco vezes o seu voto. Começamos perdendo de 15 a 1 e terminamos ganhando de 12 a 5. Saiu porque tivemos 350 mil assinaturas, porque tivemos mais de 35 mil trabalhadores nas ruas e mais de mil assembleias de trabalhadores. Outras leis importantes que podemos usar de exemplo são a lei do matrimônio igualitário e da regulação da maconha. Elas representaram uma ampliação de direitos enorme, em uma sociedade hipócrita como essa, com toda a Igreja Católica e Evangélica lutando contra as duas, com a esquerda na dúvida se apoiava ou não. Porque saiu? Porque existiu um movimento popular pujante e novo que foi às ruas com mais de 30 mil pessoas defendendo essas bandeiras. O que aconteceu com a lei de serviços audiovisuais. Teve um debate programático na Frente Ampla, tem fundamentos de sobra, todos os debates que fizemos nós ganhamos, todos. Então, porque os donos dos meios de comunicação conseguiram trancar essa discussão? Porque neste processo não conseguimos mobilizar nem 10 pessoas para defender essa lei aqui no Uruguai. O dia em que se discutiu esse tema no Congresso éramos 20 pessoas nas galerias. Então, o tema da correlação de forças e da base social que é necessária para essa lei se tornar realidade é central. Este é o problema que nós estamos enfrentando agora, criar uma base social que dê respaldo para a lei, criar uma onda para todo movimento popular uruguaio tomar isso como bandeira central.

Entrevista concedida a Renata Mielli, publicada em ComunicaSul.