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Mistificações em torno da liberdade abstrata

A causa da liberdade provoca paixões. Paixões que alucinam. Empolgado na defesa de sua proposta de abolição da Lei de Imprensa, na sessão em que o Supremo Tribunal Federal começava a discutir o tema, o deputado Miro Teixeira exagerou na metáfora clássica do "quarto poder": a imprensa não seria apenas representante do povo, seria o próprio povo. Assim resumiu O Globo a fala do deputado, na edição de quinta-feira (2/4):

"A imprensa são os olhos do povo. Requeiro que desapareça a possibilidade de pena a jornalista ou responsável pela publicação sempre que houver causalidade com o direito do povo e que nós possamos ter um país em que o povo possa controlar o Estado e não que o Estado possa controlar o povo, como temos hoje". E o povo, como todo mundo sabe, "se vê" na Globo.

Caberia perguntar, então, qual o sentido da democracia e da realização regular de eleições diretas para os mais variados cargos legislativos e executivos do poder do Estado, qual o sentido da existência dos mais diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, se quem nos representa – perdão: quem incorpora nossa identidade – são as empresas de comunicação? Grandes empresas privadas de comunicação, segundo o modelo vigente no país.

Grandes empresas privadas podem ser a referência de expressão do interesse público?

Quem sabe a pergunta nem faça sentido, pois é forçoso reconhecer que, identificada com o "povo", a imprensa estabeleceria essa "linha direta" – portanto, sem mediações – comprometida com a expressão daquilo que outro deputado, em outra ocasião, chamou de "instintos mais primitivos". Afinal, o "povo" é assim.

Entretanto, vindo de quem vem, o raciocínio nem é tão surpreendente. Num passado relativamente recente, numa das muitas vezes em que os exageros televisivos expressavam precisamente esses "instintos" e levaram à discussão sobre a necessidade de se estabelecer limites para a programação, Miro Teixeira, então ministro das Comunicações, argumentava singelamente que "o melhor controle é o controle remoto" [CartaCapital, "Globo: questão de Estado", 1/10/2003]. Era uma declaração absolutamente coerente com a lógica neoliberal da democratic marketplace, na qual o cidadão é assimilado ao consumidor e o consumidor "tem sempre razão". Hoje, porém, com o abalo provocado por uma crise financeira global de consequências ainda imprevisíveis, conviria refrear um pouco esse ardor em torno do mercado.

Liberdade de expressão x liberdade de imprensa

Retornemos ao argumento original. Esse "direito do povo" a que o deputado se refere é o direito à liberdade de expressão, automaticamente identificado ao da liberdade de imprensa. Seria importante desfazer o equívoco, porque afinal se trata de duas coisas diferentes: bastaria indagar, por exemplo, se o jornalista funcionário de uma empresa goza de tal liberdade; ou mesmo se "o povo" não teria a sua liberdade de expressão restrita quando envia uma carta não publicada ou – nesses tempos de "cidadãos-repórteres" – manda uma colaboração ou denúncia que acaba descartada. (Neste segundo caso, a resposta óbvia é não, porque não há jornalismo sem edição, e editar significa fazer escolhas. Jornais devem zelar por sua linha editorial. Além disso, em qualquer suporte diferente da internet, têm espaço limitado).

Mas essa confusão é muito adequada quando se deseja tratar abstratamente desse tema tão delicado que é a liberdade de imprensa, esquecendo-se convenientemente as condições concretas em que se pratica o jornalismo e os interesses envolvidos no negócio da imprensa, especialmente num contexto de forte concentração dos meios de comunicação.

Ressalvas ignoradas

Na exposição de motivos em que sustenta a proposta de revogação da lei, Miro Teixeira busca fundamentação em uma série de juristas, entre os quais pelo menos dois apontam conflitos que ultrapassam a demanda específica da petição. Assim, José Joaquim Gomes Canotilho ressalta:

"A liberdade interna de imprensa (…), que implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas bem como sua intervenção na orientação ideológica dos órgãos de informação (…), pode considerar-se em colisão com o direito de propriedade das empresas jornalísticas".

Logo a seguir, José Afonso da Silva argumenta:

"A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-se-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e ideias, mas sobre eles incide o dever de informar à coletividade de tais acontecimentos e ideias objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, não se terá informação, mas deformação. Os jornalistas e empresas jornalísticas reclamam mais seu direito do que cumprem seus deveres".

A liberdade "natural"

O jurista prossegue nos termos clássicos que reiteram o papel da imprensa como "quarto poder", elemento de expressão da vontade popular e de defesa contra os excessos do Estado. Não envereda pela discussão das questões complexas e sempre polêmicas sobre objetividade e imparcialidade, que estão no cerne da prática jornalística. Apenas anota a crítica: jornais e jornalistas reclamam mais seu direito do que cumprem seus deveres.

É quanto basta, sobretudo porque a frase jamais será mencionada – muito menos destacada – em qualquer jornal. E, embora sirva-se do argumento de dois juristas que fazem tais ressalvas, Miro sustenta que "o pensamento e sua manifestação, assim como a informação, são naturalmente livres". Naturalmente: vivemos num mundo – e num país – igualitário, sem coerções ou constrangimentos.

Liberdade e responsabilidade

Ao justificar seu voto pela extinção total da Lei de Imprensa, o ministro Ayres Britto, relator da ação proposta pelo deputado, mencionou a necessidade de "permanente conciliação entre liberdade [para a atuação da imprensa] e responsabilidade", porque, "sob o prisma do conjunto da sociedade, quanto mais se afirma a igualdade como característica central de um povo, mais a liberdade ganha o tônus de responsabilidade". Entretanto, não explorou esse caminho, que conduziria a uma estimulante discussão sobre a suposta, ou pretendida, "mudança de paradigma" – da liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa – ensejada há mais de 60 anos pelo famoso relatório da Comissão Hutchins, como Venício A. Lima expôs em artigo neste Observatório (ver "A responsabilidade social da mídia").

Pelo contrário, logo no início de sua declaração de voto, o ministro cita a Primeira Emenda da Constituição americana, sem recordar que, desde 1919, a Suprema Corte daquele país estabelece limites à livre expressão, como o advogado José Paulo Cavalcanti Filho demonstrou em artigo também publicado neste Observatório (ver "O drama da verdade – ou discurso sobre alguns mitos da informação").

A sequência do discurso é a reiteração do pensamento liberal clássico. Ayres Britto define a imprensa como "o espaço institucional que melhor se disponibiliza para o uso articulado do pensamento e do sentimento humanos como fatores de defesa e promoção do indivíduo, tanto quanto da organização do Estado e da sociedade" e considera que "é pelos mais altos e largos portais da imprensa que a democracia vê os seus mais excelsos conteúdos descerem dos colmos olímpicos da pura abstratividade para penetrar fundo na carne do real".

No entanto, deixa-se ficar na abstratividade, ao reforçar o argumento de Miro Teixeira, que vê "a imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade", e daí concluir que ela significa o "garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência" (o destaque é meu).

As "neves eternas da legalidade"

Vício de jurista, talvez, como escreveu certa vez o também jurista Nilo Batista, com a verve que lhe é peculiar:

"Juristas sofrem de uma doença profissional perigosa, proveniente do contraste entre as altas temperaturas da fundição do discurso do poder e as neves eternas da legalidade compreendida pelo viés positivista, que congela esse discurso na lei. Tal enfermidade nos habilita a perceber conflitos sociais como simples deficiência de normatização, que o inesgotável Estado do bem-estar jurídico tratará logo de suprir, motivo pelo qual adquirimos a capacidade mágica de superá-los com dois ou três artigos e parágrafos. Ficamos sempre um pouco desorientados perante a força bruta que rompe os modelos legais, ansiosos por repousar no porto seguro de alguns incisos e alíneas".

(A propósito, o trecho é parte de um artigo que o autor enviou à Folha de S.Paulo, no qual tentava polemizar com um professor norte-americano que, em artigo reproduzido no caderno "Mais!", defendia a política de guerra de Bush. "Tentou em vão", como escreveu na revista da qual é editor, e na qual finalmente publicou seu texto. "Parece que a opinião de juristas brasileiros, salvo poucas exceções, não interessa muito ao `Mais!´, ou interessa mais ou menos").

Penetrando "a carne do real"

Assim, só é possível pensar que a imprensa é esse "garantido espaço de irrupção do pensamento crítico" se desconsiderarmos as situações objetivas e optarmos pelo consolo dos incisos e alíneas, como numa paráfrase à máxima do Direito: dentro da lei, dentro da vida. Dessa forma, o ministro pode afirmar que "quem quer que seja pode dizer o que quer que seja". Pode, ainda, elogiar o caminho da autorregulação da imprensa, buscando o exemplo do noticiário sobre o parlamentar americano que se suicidou em frente às câmeras: as imagens foram congeladas antes do disparo fatal.

Entretanto, se quisesse "penetrar fundo na carne do real", poderia ficar por aqui mesmo e recordar o recente episódio da cobertura em "tempo real" do sequestro e assassinato da jovem Eloá Pimentel, em Santo André; ou do acompanhamento ao vivo do "caso Isabella"; ou dos ataques do PCC em São Paulo, em 2006; e paremos por aqui porque a lista é interminável.

Um equívoco de origem ancestral

Como se há de perceber, este artigo não pretendeu discutir a necessidade ou não de uma Lei de Imprensa, embora esta seja uma questão de extrema relevância. Pretendeu apenas demonstrar os descaminhos de um debate central para a cidadania, quando se desconsidera a realidade concreta para a definição do direito de informar e ser informado.

Não seria possível concluir sem mencionar uma hipótese para as origens desse equívoco tradicional que suspeita do poder do Estado e aceita placidamente o poder econômico. Como argumentei certa vez, a idéia de autonomia ou independência da imprensa significa implicitamente autonomia ou independência em relação ao Estado – o que ratifica o conceito de "quarto poder" –, enquanto a dependência em relação ao poder econômico é vista como parte da ordem natural das coisas.

A origem dessa dicotomia sugere uma remissão completamente descontextualizada ao entendimento do mercado como uma extensão da vida doméstica, na qual os cidadãos deliberam "livremente". Ou seja, enquanto a naturalização do papel político da imprensa como fiscal do poder tem dois séculos, a naturalização da subordinação da imprensa às leis do mercado é um pouco mais antiga: remete à polis grega, ao oikos como extensão da vida privada. O que mais impressiona é que, na era da mais extrema concentração de capital do mundo globalizado, esse equívoco ainda sobreviva.

TV Digital: acertos e desacertos no processo de implantação

Passado pouco mais de um ano de seu lançamento, a TV digital atinge 46% da população. No entanto, o percentual de brasileiros que aderiram à tecnologia é ainda insignificante: apenas 645 mil usuários, até dezembro de 2008. A falta de esclarecimento e conteúdos atrativos para a população, incentivos para as indústrias, definições para a interatividade e regulação para a nova mídia são carências que ajudam a entender o atraso na adesão.

Mesmo assim, 12 cidades brasileiras já transmitem o sinal digital. São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia, Campinas, Cuiabá, Belo Horizonte, Florianópolis, Vitória, Salvador, Porto Alegre, Curitiba e Teresina são as pioneiras. Em breve, mais cidades do interior paulista, bem como Uberlândia, também terão acesso à tecnologia. O objetivo do Ministério das Comunicações é avançar no cronograma de implantação e levar a televisão digital para todas as capitais brasileiras até o final de 2009.

A campanha do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD), denominada "Democracia Digital", veiculada pelas emissoras televisivas abertas a partir do carnaval, tenta convencer a sociedade das vantagens da nova tecnologia, como maior qualidade de imagem e som de forma gratuita (na verdade, sem pagamento adicional direto). Contudo, os pseudo-benefícios apresentados estão longe de atingir as expectativas geradas pelo polêmico sistema nipo-brasileiro, na verdade mais nipo do que brasileiro.

Expectativas estas causada pela promessa de interatividade e, conseqüentemente, maior participação dos telespectadores na programação, o que garantiria maior diversidade e inclusão social, além de outras características levantadas durante o processo de implantação, como a multiprogramação (transmissão simultânea de até quatro programas por canal).

Lançamento do primeiro middleware

Um fator adicional a ser analisado é que, neste momento, há necessidade de reduzir custos na produção de conversores e televisores, para torná-los acessíveis à população. Neste caso, uma solução poderia ser dada pelo governo federal através de isenção fiscal ou incentivos financeiros. Seria uma ação provisória, perante a inviabilidade do crescimento do setor a partir unicamente das variáveis econômicas. Outro ponto frágil na definição do caminho nacional de televisão digital é que o compromisso dos japoneses de instalar uma indústria de semicondutores no Brasil, divulgado pelo governo brasileiro no período do acordo entre os dois países, em 2006, padeceu por não cumprimento, um caminho presumível, já que tal solução não foi formalizada.

Na última semana de fevereiro de 2009, o primeiro middleware baseado em Ginga chegou ao mercado. Ele foi desenvolvido pela RCA Soft Informática, de Campinas, e está disponível para compra no sítio da empresa. Basicamente, o usuário que fizer a aquisição só vai usá-lo para acompanhar os testes digitais de algumas emissoras paulistas e, ainda assim, sem a linguagem Java, que permite a interatividade esperada. No entanto, o lançamento do middleware representou a estréia comercial do primeiro componente genuinamente brasileiro da TV digital, fruto de sérias pesquisas acadêmicas.

Inclusão digital e diversidade

Poucas pessoas ficaram sabendo da novidade porque, na prática, não houve repercussão, estando as questões da possível interatividade na televisão digital brasileira muito marcadas por desinformação. O alvo das atenções nesse período foi outro importante recurso da TV digital: a multiprogramação. Regularizada de forma exclusiva para as emissoras da União, ela tornou-se proibida mesmo para as TVs educativas estaduais. O argumento do ministro das Comunicações, Hélio Costa, é evitar abusos por parte das emissoras comerciais, como o aluguel dos canais. Entretanto, a promessa é de que a situação se regularize num curto espaço de tempo.

A medida adotada pelo governo federal pode ter sido uma decisão política, originada da pressão exercida pelos grupos de comunicação hegemônicos, notadamente a Rede Globo. É fato que a multiprogramação não é aprovada pela Globo, já que a produção de conteúdos para mais de uma programação, além de envolver grandes investimentos, aumenta a disputa por audiência e patrocinadores, favorecendo as não-líderes, ao multiplicar ainda mais a oferta de produtos culturais. Desse modo, mesmo que o Ministério das Comunicações regularize essa questão, o impasse está longe de acabar, uma vez que a tecnologia pode ampliar a comercialização de espaços para outros agentes, assim como a pirataria.

Uma nova legislação para a comunicação eletrônica, que englobe as plataformas convergentes com a tecnologia digital, poderia solucionar grande parte dos problemas, com a criação de políticas públicas que fomentem a inclusão digital e garantam maior diversidade no amplo setor das comunicações. Esta é, sem dúvida, uma pauta que deve estar presente na Conferência Nacional de Comunicação, convocada para dezembro de 2009 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O que não se pode é endossar uma conferência para discutir a comunicação que só aborde os veículos alternativos, deixando de lado a mídia hegemônica nacional.

Conseguirá Cristina fazer o que Lula não fez?

Na abertura da sessão legislativa no último dia 1º de março, a presidenta argentina Cristina Kirchner reiterou que será enviado ao Congresso, ainda este ano, projeto de lei geral de radiodifusão para substituir o decreto-lei 22.285, promulgado pela ditadura militar em 1981, que pretende desmonopolizar o mercado e democratizar a radiodifusão. O envio será precedido pelo lançamento de grande campanha de comunicação que deverá estimular o debate público do tema e realçar sua importância para o cotidiano dos argentinos.

A principal preocupação do governo argentino é o controle da mídia – eletrônica e/ou impressa –, hoje concentrado nas mãos de uns poucos empresários privados (nacionais e/ou estrangeiros) – o que lhes confere, obviamente, enorme poder (ver abaixo trechos de entrevista de Gabriel Mariotto, interventor do Comité Federal de Radiodifusión). Além disso, ao contrário do Brasil, a Argentina não decidiu ainda sobre o padrão digital que adotará. Também não se decidiu sobre a entrada das teles na distribuição de conteúdo audiovisual. Tudo isso deverá ser regulado previamente por uma nova Lei Geral de Radiodifusão.

Três pontos do projeto

Pelo que se sabe, três pontos se destacam no futuro projeto:

1. A radiodifusão passaria a ser organizada em três "sistemas", cada um equivalente a 33% do mercado: comercial, explorado pelo setor privado (este setor controla hoje cerca de 95% do mercado); estatal, explorado pelo Estado; e o restante pelo setor privado não comercial. A expectativa do governo argentino é que o processo de digitalização multiplique por cinco o número de canais hoje disponíveis, possibilitando, assim, a distribuição de novas concessões e a democratização do controle da radiodifusão.

2. Deverá ser reduzido pela metade (12), o número de concessões de rádio, televisão aberta e televisão a cabo, para um só grupo empresarial que, ademais, não poderia controlar mais de 35% de um mesmo mercado (essa medida, por exemplo, atingiria diretamente os interesses comerciais do Grupo Clarín, que detém cerca de 80% das concessões de TV a cabo em Buenos Aires).

3. A exploração das concessões de radiodifusão seria considerada uma prestação de "serviço público", o que permitiria que o Estado, a exemplo do que já ocorre com a prestação de outros serviços públicos, regule os preços cobrados pelos concessionários (de TV a cabo) aos consumidores.

Lições para o Brasil

Anunciado pela primeira vez em maio de 2008, o projeto do governo – que ainda não se materializou – enfrenta, todavia, resistências ferozes da oposição política e, claro, dos atuais controladores da mídia argentina.

A oposição acusa o governo de tentar controlar a mídia, "a exemplo do que faz Hugo Chávez, contra a mídia privada na Venezuela". A presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da Câmara dos Deputados considera que não existem as condições mínimas necessárias para discussão e aprovação de uma reforma na radiodifusão tendo em vista os constantes enfrentamentos entre governo e meios de comunicação. A Federação Argentina dos Trabalhadores de Imprensa, por outro lado, emitiu nota apoiando as intenções do governo e declarando-se comprometida com a modificação de uma "lei da ditadura, que será defendida com unhas e dentes pelos grandes senhores do monopólio".

Infelizmente, no Brasil a regulação democrática da mídia permanece um tema que não consegue avançar faz tempo. Ao contrário das enormes expectativas que se criaram antes do primeiro governo Lula, a elaboração de um projeto de lei geral de comunicação eletrônica jamais se concretizou.

As últimas esperanças para algum avanço na democratização do setor convergem para a Conferência Nacional de Comunicação, cuja realização passou a ser de interesse de todos, tendo em vista a ausência de regulação e a necessidade de regras para a disputa dos mercados. E é exatamente aí que está o maior risco de se ter uma conferência nacional que acabe controlada pelos atores – organizados e poderosos – que sempre dominaram o setor e que legitime a perpetuação de uma mídia concentrada e longe de contemplar o direito à comunicação da cidadania brasileira.

Enquanto isso, apesar da feroz oposição que enfrenta da grande mídia local, o governo de Cristina Kirchner, compreendendo a enorme importância da mídia, parece que quer avançar.

Será que se fará na Argentina o que mal se consegue discutir nesta Terra de Santa Cruz?

Entrevista de Gabriel Mariotto

Trechos de entrevista concedida ao Página 12 por Gabriel Mariotto, em julho de 2008 (muito antes, portanto, da eleição de Barack Obama), logo depois de fazer uma viagem aos Estados Unidos para discutir a regulação da mídia (íntegra disponível aqui).

En el imaginario social, Estados Unidos no se caracteriza por la intervención del Estado, sino por dejar al mercado sin demasiadas regulaciones. ¿Con qué realidad se encontró en materia de medios?

Gabriel Mariotto – Están viviendo un debate. Están muy preocupados porque no se concentren en pocas manos los medios de una misma área de cobertura, de una misma región. Las leyes de comunicación en Estados Unidos garantizan libertad de expresión sobre la base de leyes antimonopólicas que también tiene la sociedad norteamericana y que son muy fuertes. En Estados Unidos hay muchos medios de comunicación y muchas voces que se expresan, pero también se ve una tendencia a concentrar. Entonces aparece el Estado en su función, en su rol parlamentario, para profundizar el debate y pedir mucha información cada vez que un empresario quiere comprar otro medio en una misma área de cobertura. Y la sociedad también pide mucha información. En Argentina, en cambio, en los últimos 25 años vivimos un fenómeno de concentración casi sin debatirlo. Parece que fuera natural.

¿Cómo es la legislación estadounidense en materia de comunicación?

G.M. – El Estado es absolutamente claro en fijar normativas para garantizar la libertad de expresión. Porque hay una preocupación de los funcionarios, de la Comisión Federal de Comunicaciones, de los parlamentarios y de la sociedad, que busca garantizar múltiples puntos de vista. Eso hace a una democracia real y plural y participativa, como corresponde. Concentrar, en cambio, significa restringir puntos de vista. En Estados Unidos y la Argentina llegamos a un lugar filosófico del debate pero con dos realidades distintas: los norteamericanos están discutiendo para que el sistema de medios no se concentre y nosotros para que se pluralice.

Os argumentos do establishment

O para atenuar la concentración ya existente.

G.M. – Nosotros buscamos garantizar pluralidad, no atenuar concentración solamente. Garantizar que haya muchas más voces que puedan expresarse. Por eso el proyecto de la ley que hemos terminado garantiza que personas jurídicas sin fines de lucro, el Estado y las personas jurídicas con fin de lucro dispongan del 33% del espectro cada una. Para que esa pluralidad de voces ya tenga un status legal y que a la pregunta de quién es el que emite, haya diversidad de respuestas.

¿La próxima batalla parlamentaria es la ley de radiodifusión?

G.M. – La ley de servicios de comunicación audiovisual es la redistribución de la palabra. Por eso están ligados una cosa con la otra. Desde la Ley 22.285 impuesta por la dictadura no se debate sobre la conformación de un sistema de medios democrático. Esa falta de debate trajo una concentración de voces que no ha sido motivo de discusión en los ámbitos políticos.

La oposición dice que la nueva ley no puede ser sancionada sin también legislar sobre el acceso a la información pública.

G.M. – Hay que sancionar muchas leyes y debatir muchos temas de comunicación. Es cierto que hay otros temas que hay que poner en agenda, pero se me ocurre que cuando los diputados de la oposición están diciendo que con esta sola ley no alcanza, están siendo funcionales a los argumentos de los sectores del establishment mediático que durante veinticinco años no quisieron tratar la ley de radiodifusión y sostuvieron la 22.285.

Rádios comunitárias: Projeto do governo amplia repressão

O ano passado acabou para as rádios comunitárias com duas notícias, uma boa e uma ruim. A boa é que a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, ninho dos parlamentares donos de emissoras comerciais, aprovou projeto substitutivo (PL nº 4549/98) do deputado Walter Pinheiro (PT-BA) anistiando os que foram punidos por colocar rádio no ar sem autorização. É o tipo de coisa que só acontece a cada cem anos. A notícia ruim é que o governo Lula encaminhou ao Congresso Nacional Projeto de Lei (nº 4573/08) que aumenta mais ainda a repressão sobre as rádios comunitárias. Isto é, quando todo mundo esperava que o governo do PT fosse apoiar a proposta avançada de Walter Pinheiro (companheiro de partido!), agora tramitando na última comissão da Câmara, ele manda uma outra absurdamente reacionária.

Por que o governo Lula encaminhou Projeto de Lei tão ruim para o Congresso Nacional poucos dias depois da Câmara aprovar o substitutivo de Walter Pinheiro? A intenção do governo era atrapalhar o processo ou impedir avanços? Estamos tratando de má-fé do governo para com as rádios comunitárias? Quem articulou politicamente este projeto? Alguma entidade colaborou com ele?

Má-fé e retrocesso

Dizem fontes seguras que a história desse projeto começou em setembro do ano passado, quando representantes de entidades de rádios comunitárias estiveram com o ministro da Justiça, Tarso Genro. Desse encontro, e de um acordo posteriormente firmado entre o Ministério da Justiça, Ministério das Comunicações e Casa Civil, teria brotado a proposta.

Antes de analisar o PL do governo, gostaria de recordar apenas dois pontos do que escrevi na época (25/09/08) NESTE Observatório ("O que fazer pelas rádios comunitárias") sobre esse encontro com Tarso Genro. Fiz duas sugestões ao governo:

1. O Executivo deveria parar de continuar enrolando o movimento das rádios comunitárias.
2. O Executivo já sabe o que fazer. Não se admite mais que erre em questões primárias.

Está claro que esse PL não é um erro, mas uma opção política, um ato de má-fé e um retrocesso para a comunicação popular do país.

"Expor a perigo" a segurança

O que diz o PL 4573/08?

Ele começa mexendo numa velharia ainda viva contida no artigo 151 do Código Penal. A proposta elimina os incisos II, III e IV do parágrafo 1º do art. 151 do Código Penal (Decreto Lei nº 2448/40). Este fóssil jurídico, que ainda fala em coisas como "comunicação telegráfica ou radioelétrica" e em "aparelho radioelétrico", até hoje é usado pela Polícia Federal como justificativa para reprimir rádios não autorizadas. Eis o texto completo. A parte em negrito é a que o Governo pretende subtrair:

"Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre:
I – quem se apossa indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói;
II – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
III – quem impede a comunicação ou a conversação referidas no número anterior;
IV – quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal".

Com o fim destes incisos, fica tudo resolvido? Não é bem assim. Trata-se de um engodo, uma armadilha. Porque o PL 4573/08 também propõe mudanças no Parágrafo 1º do artigo 261 do Código Penal.

Diz o texto original do Código Penal em vigor:

"Art. 261 – Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos.
Parágrafo 1º – Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos" (grifo nosso).

E agora a proposta do governo de como deve ficar este parágrafo 1º:

"Parágrafo 1º-A Na mesma pena do caput incorre quem, mediante operação de serviços de radiodifusão, expõe a perigo a segurança de serviços de telecomunicações de emergência, de segurança pública ou fins exclusivamente militares, ou, ainda, o funcionamento de equipamentos médico-hospitalares" (grifo nosso).

Politicamente esperto

Observe que originalmente havia uma punição para quem "expõe a perigo" e outra punição no caso de "naufrágio… queda ou destruição de aeronave". Se o acidente acontecia, a punição era maior. Existe uma diferença muito grande nisso. O PL do governo diz que basta a pessoa expor a aeronave ao perigo (não precisa que ocorra o acidente) para que ela seja condenada à pena de reclusão de dois a cinco anos. Hoje, esse tipo de ameaça (reclusão) paira somente sobre aquelas emissoras sem autorização; se esse projeto for aprovado todas podem ser citadas.

Quanto aos riscos às aeronaves, como todo mundo sabe que rádio comunitária não derruba avião, os inimigos das rádios comunitárias nunca iriam ter um avião no chão que servisse de exemplo. Logo, estão tentando adequar o texto legal à ficção que criaram. Com isso, mudam um pouco a justificativa mitológica para repressão: a rádio não derruba avião, mas cria o perigo dele cair.

À parte os deslumbramentos de burocrata, tecnoburocrata ou carrapato do poder, que traz para os dias atuais expressões típicas dos tempos de Machado de Assis ("expõe a perigo") e a vontade férrea de defender o poder (e seu emprego), a redação do PL é uma tentativa escancarada de legitimar os abusos hoje cometidos pelos órgãos de repressão. É sabido que os inimigos das rádios comunitárias usam exatamente esses argumentos (interferência no sistema de aviação, na segurança e nos serviços de saúde) para cobrar mais repressão do Estado. Se hoje os agentes do Estado cometem abusos usando tais bobagens como argumento para fechar rádio, se este PL for aprovado eles estarão dentro da lei para enquadrar e botar na cadeia aqueles que, na sua opinião, merecem punição.

É preciso reconhecer: quem bolou isso, embora tenha mofo no cérebro, foi muito esperto politicamente.

O argumento de "derrubar avião"

O mesmo Projeto revoga o Artigo 70 da Lei 4.117/62, mais um fóssil jurídico, este criado pela ditadura militar (Decreto 236/67) ainda hoje usado com pela Polícia Federal. E também estabelece que o artigo 183 da Lei 9472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), muito usado pelos agentes da Anatel, não se aplica à radiodifusão.

Se as leis 4.117/62 e 9.472/97 não serão utilizadas para reprimir as emissoras comunitárias, imagina-se que agora se fará uso da legislação de rádios comunitárias, a Lei 9.612/98. Está errado quem pensou nisso. O óbvio não funciona na política. Ao invés de incluir na lei pertinente todas as punições de que o tema trata, o governo transforma o caso num crime de ordem penal.

Enfim, o que temos em resumo nessa primeira parte do projeto é:

1) O Código Penal – e não mais a Lei 4.117/62 ou a Lei 9472/97 – pode ser o instrumento central para reprimir as emissoras, autorizadas ou não.

2) Emissoras autorizadas ou não autorizadas podem ter seus equipamentos apreendidos e seus dirigentes podem ser submetidos ao processo penal. (Antes isso ocorria somente com as não-autorizadas).

3) No Código Penal substitui-se a pena de "detenção, de um a seis meses, ou multa (art. 151) por uma de "reclusão de dois a cinco anos" (art. 261). Trocou seis por meia dúzia mais um pouco.

4) A redação permite uma leitura subjetiva sobre a existência de crime. Um juiz, ou mesmo um desses agentes (!), pode achar que a emissora está provocando interferências em sistemas de segurança, equipamentos hospitalares (aparelho de tomografia?), telecomunicações e aeroviário e fechar a emissora. Hoje é assim. Fecha-se a rádio sob o argumento de que pode derrubar avião. Claro que há um lado otimista: juízes e agentes da Anatel de bom senso vão querer provas antes de fecharem a emissora.

"Apoio cultural"

Para as emissoras não-autorizadas no ar, não bastasse a incursão no Código Penal, o governo propõe um tratamento especial. Diz o texto do seu PL:

"Art. 21– A operação de estação de radiodifusão sem autorização do poder Concedente constitui infração gravíssima sancionada com a apreensão dos equipamentos, multa e a suspensão do processo de autorização de outorga ou a impossibilidade de se habilitar em novo certame até o pagamento da referida multa".

A novidade é que antes o diretor da entidade era "apenas" indiciado em processo na Polícia Federal. Agora, além do indiciamento e da possibilidade de ser preso, e da apreensão dos equipamentos, ele e a entidade recebem uma outra punição: o processo da rádio ao qual está ligado fica paralisado até o pagamento da multa.

O PL propõe modificações no artigo 21 da Lei 9.612/98 (lei das rádios comunitárias), o que trata das infrações cometidas pelas rádios.

Com relação à publicidade, por exemplo, fica valendo o artigo 18, em vigor, que admite a propaganda apenas como "apoio cultural". Mas o que é apoio cultural? A nova proposta do governo é medíocre porque não leva em conta que "apoio cultural" é um conceito sem definição. A norma operacional 01/04 (art. 19.6.1) diz que considera apoio cultural a "divulgação de mensagens institucionais". Mas o que são "mensagens institucionais"? Isso só quem sabe é o agente repressor. O mesmo que aplica a multa quando acha que a rádio está descumprindo esse artigo.

Estado contra o povo

O Capítulo XI, do Decreto 2.615/98, que trata das infrações cometidas pelas rádios comunitárias, lista 29 motivos para punir. Mas não tem aí a questão da publicidade. Hoje, a Anatel multa, mas sem uma base legal. Portanto, esta mudança proposta pelo governo visa a atender aos interesses dos agentes repressores, que precisavam de uma base legal para fazer o que já fazem hoje.

Deve-se considerar que para uma comunidade pobre conseguir recursos para pagar a multa imposta pelo poder público não é fácil. Na falta de recursos, a cobrança vai para dívida pública e os projetos sociais ligados à entidade são vetados – e assim também a própria rádio. Centenas de rádio foram multadas por operarem sem autorização ou por colocarem no ar publicidade que, segundo os agentes, infringe a lei.

A multa é um instrumento de repressão política. Uma estratégia cruel: é criando dívidas que você aniquila o pobre. É o Estado contra o povo brasileiro. A serviço das elites econômicas (e não somente do campo da comunicação), o Estado faz uso desse instrumento.

Uma proposta ridícula

O destaque no projeto do governo é sua ênfase no combate ao proselitismo. Sua proposta estabelece como "infração gravíssima" a prática do proselitismo de qualquer natureza. Mas o que é "proselitismo"? A Lei 9.612/98, em pelo menos dois artigos (art. 4º, parágrafo 1º; art. 11), já faz o veto ao domínio das rádios comunitárias pelas igrejas e ao proselitismo que praticam. Mas, curiosamente, os agentes da Anatel e da PF nunca encontraram isso. Centenas de rádios são dominadas por padres e pastores e eles nada vêem. Em Copacabana, em Brasília, as antenas são maiores do que as torres das igrejas, se avistam a quilômetros, mas nem a PF nem a Anatel conseguem ver. São antenas invisíveis – talvez por razões espirituais. Ou seriam econômicas?

Estudo feito no ano passado pelo professor Venício Lima e pelo consultor legislativo Cristiano Lopes revela aquilo que todo mundo já sabia, mas não tinha provas: o Ministério das Comunicações distribui autorizações de rádios comunitárias para políticos, padres e pastores aliados. Por que o Ministério da Justiça não apura essas denúncias? Por que não descobre quais os servidores públicos envolvidos nesta indecência? Por que a Polícia Federal, a Abin, o FBI, sei lá, não investigam a participação do ministro Hélio Costa nesta distribuição de rádios? Por que a Polícia Federal não investiga como a Igreja Católica conseguiu autorização para mais de 200 rádios ditas comunitárias, se isto é ilegal, imoral, indecente? Por que o Ministério da Justiça não investiga o que ocorre dentro da Casa Civil, aonde montaram um balcão para distribuir rádios comunitárias para X e Y?

Fazer este tipo de coisa, depurar o setor, é muito mais do feitio do Ministério da Justiça e seria muito mais saudável para sociedade, do que fazer alianças com outros ministérios e apresentar esta proposta ridícula de projeto. A gente esperava mais de Tarso Genro e sua equipe.

* Dioclécio Luz é jornalista, mestrando em comunicação pela UnB, autor de “A arte de pensar e fazer rádios comunitárias”.

Por que o CCS não será reinstalado

Não é novidade que, faz tempo, existe uma polaridade de posições em torno da formulação das políticas públicas de comunicações no Brasil. Antes mesmo da Constituinte de 1986-88, as propostas com conseqüências na democratização do setor têm enfrentado enorme resistência por parte dos concessionários de radiodifusão no Congresso Nacional.

Nunca foi admitida, por exemplo, a criação de um órgão regulador autônomo, com poderes para outorgar, renovar e cancelar concessões de rádio e televisão, a exemplo do que ocorre em outros países. Foi exatamente a radicalização de posições em torno dessa proposta que fez com que a Comissão Temática onde se discutiu a comunicação fosse a única de toda a Constituinte que não conseguiu aprovar um relatório final para encaminhamento à Comissão de Sistematização.

Mais de vinte anos depois da promulgação da Constituição de 1988, a polarização em torno das questões centrais do setor continua. Pode-se atribuir a ela não só a forma como os atores dominantes tratam as questões de políticas públicas, mas também a imensa dificuldade para se aprovar qualquer regulação da Comunicação Social.

Regressão

No que se refere ao órgão regulador, no entanto, regredimos. E muito. Na Constituinte, a proposta original de criação de um órgão autônomo foi transformada em órgão auxiliar que deveria apenas ser ouvido quando o Congresso Nacional julgasse necessário. Essa alteração deu origem ao CCS – Conselho de Comunicação Social (Artigo 224). Apesar de criado, todavia, o CCS sempre enfrentou a resistência de boa parte dos parlamentares.

A lei que regulamentou a criação do CCS (Lei 8339/1991) foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1991, mas ele só logrou ser instalado em 2002 como parte de um polêmico acordo para aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário para os empresários de comunicação. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), aprovada em maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital.

Mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária etc. Vencidos os mandatos de seus primeiros membros, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião. Os membros para um terceiro mandato não foram indicados e o CCS nunca mais se reuniu.

Por quê?

O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal abriga um grande número de parlamentares que tem vínculos diretos (ilegais?!) com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – insisto, mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Na verdade, eles não querem sequer debater.

Essa é a razão – de fato – pela qual o CCS não funciona.

A recondução de José Sarney (PMDB-AP) à presidência do Senado Federal e, portanto, do Congresso Nacional, não deixa dúvidas sobre o futuro próximo não só do CCS, mas de projetos no interesse da democratização das comunicações. Além de ser o exemplo emblemático do"coronel eletrônico", José Sarney já reconheceu publicamente que é concessionário (de rádio e televisão) por motivos políticos."Se não fossemos políticos, não teríamos necessidade de ter meios de comunicação", afirmou numa entrevista à revista CartaCapital (nº 369, de 23/11/2005).

Não há como ser otimista. No que se refere à regulação do setor de comunicações continuamos onde sempre estivemos e, em alguns casos, andamos muito para trás.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).