Por Symmy Larrat*
O beijo entre um casal homossexual, ocorrido no final da novela “Amor à Vida” e transmitida em horário nobre da TV brasileira, arrancou aplausos e gritos como que numa final de copa. No entanto, se analisarmos a cena após a emoção de ter assistido a um marco na história da teledramaturgia brasileira, podemos avaliar com mais nitidez o quanto avançamos e o quanto ainda temos que avançar para uma mídia realmente igual e diversa.
Ao observar a cena, constatamos que o beijo entre homens não teve o mesmo calor dos beijos entre personagens heterossexuais, constatação que está longe de querer heteronormatizar o beijo, ou estereotipar a homoafetividade, mas sim de promover a equidade do espaço televisivo às orientações sexuais e, mais ainda, às identidades de gênero.
No dia seguinte, mesmo dia da tradicional reprise do último capítulo que escancarou o beijo entre homens, a Globo nos presenteou, como faz todos os sábados, com um programa humorístico repleto de estereótipos homofóbicos e transfóbicos.
Está claro que devemos debater o modelo de comunicação que queremos no seio dos movimentos sociais. A grande mídia tem DNA conservador e a luta por direitos humanos perpassa em combater a centralização da mídia. Não temos referência legal que garanta a diversidade e pluralidade na mídia atual.
Se tomarmos pelo debate das identidades, cabe a pergunta: quando vamos ver travestis e transexuais interpretando a elas mesmas? Quando as identidades trans são abordadas na mídia, com personagens de destaque, o que assistimos são homens travestidos. Se avançarmos ao jornalismo, o desconhecimento destas identidades é absurdo.
Para a mídia, em geral, pessoas trans tem seu gênero definido por sua genitália, não possuem nome social, são vulgo, tem alcunha, ou nome de guerra. O humor, aliás, é o carro-chefe, somado ao jornalismo policial, do desrespeito a pessoas trans. Virou moda fazer humor com a orientação sexual alheia, ou com as pessoas que assumem seu gênero diferenciado do seu sexo biológico. Virou moda fazer teste para identificar quem das modelos são mulheres “de verdade”, expondo travestis e transexuais ao ridículo e pisoteando sua feminilidade.
O feminicídio das identidades trans sempre foi permitido, assim como a banalização da expressão sexual e a demonização das orientações sexuais. O canal aberto sempre foi aberto a estereótipos e a propagação de conceitos Lesbo-Homo-Transfóbicos, sexistas, machistas e misóginos.
Contudo, o beijo retratado em rede nacional, na maior e não menos conservadora emissora do país, é uma conquista dos que sempre lutaram pelos direitos da população LGBT. Comemoremos o beijo! A possibilidade da existência deste beijo é importante, mas que só valerá se vier acompanhada de um debate sério sobre o novo marco regulatório das comunicações no Brasil.
O marco regulatório deve se balizar na defesa de uma estrutura que responda as diretrizes fundamentadas nos princípios constitucionais e que represente as várias populações e demandas sociais, entre elas o respeito à livre expressão das diversas orientações sexuais e da identidade de gênero. Só assim legitimaremos a equidade necessária dentro dos meios de comunicação.
* Symmy Larrat é jornalista, ativista do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (GRETTA) e integrante do Intervozes.
Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.