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Abert e FGV querem marco civil de volta à pauta

A Associação Brasileira de Rádio e TV (Abert) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizaram no dia 17 de abril um evento conjunto para defender o projeto do deputado Alessandro Molon (PT-RJ) para o marco civil da internet. Após diversas tentativas de se colocar em votação o projeto na Câmara dos Deputados no final de 2012, os atores voltam a se mobilizar para a aprovação do projeto.

O evento foi realizado em Brasília e buscou apoiar os dois pontos mais polêmicos do marco civil: a neutralidade da rede e o sistema de notificação para derrubada de conteúdo.

O deputado Molon afirmou, na abertura do seminário, a necessidade de informar a população sobre o projeto para conseguir um amplo apoio e, no final, conclamou a todos para a sua aprovação. O presidente da Abert, Daniel Slavieiro, apontou que é preciso "não deixar o projeto cair no esquecimento, pois sem ele a sociedade fica prejudicada".

Neutralidade de Rede

Para Carlos Affonso, professor da FGV, garantir a neutralidade de rede significa que os dados que trafegam na internet devem ser tratados de forma isonômicas. O  ex-membro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica Olavo Chinaglia afirmou que o que "está em discussão é isonomia no acesso a rede e nas condições de prestação de serviços". Para Chinaglia "o importante é que os modelos de negócios sejam neutros do ponto de vista da concorrência".

Carlos Affonso afirma que o debate da neutralidade é fundamental pra discutir a liberdade de expressão no país. Ele apresentou que diversos países já avançaram na regulamentação da neutralidade, mas que mesmo sem o texto no marco civil, existem outras legislações brasileiras que garantiriam o princípio no país, como o Código de Defesa do Consumidor.

Direitos Autorais

Convidada para mediar o debate sobre os direitos autorais, a Ministra do Superior Tribunal Federal, Fátima Nancy Andrighi, relatou a dificuldade do judiciário tratar do tema da internet. Autora de duas decisões judiciais que permitiram o sistema de "notificação e retirada" de conteúdos (notice and take down), a magistrada afirmou que é preciso buscar um modelo eficiente de tutela da internet para uniformizar os procedimentos judiciais.

Jeff Cunard, advogado estadunidense especialista em direito internacional da internet, apresentou o sistema de "notificação e retirada" de conteúdo adotado pelos Estados Unidos. A proposta de Molon para o marco civil adota como base o sistema americano em que a retirada de conteúdo relacionado aos diretos autorais se faz sem decisão judicial, utilizando notificações entre provedores e os detentores dos direitos.

Alvo de críticas de entidades da sociedade civil para o projeto, a exceção criada para o direito autoral privilegia os radiodifusores e a indústria cultural e pode colocar em risco a liberdade de expressão na internet.

Para Ronaldo Lemos, professor da FGV, as questões ligadas ao direito autoral devem ser discutidas no âmbito do projeto de reforma do direito autoral. Lemos aponta que o marco civil corre o risco de permanecer na gaveta e espera que com o seminário seja revertido este cenário.

PSOL e PT defendem discussão pública do marco regulatório

Após a má repercussão da declaração do diretor-executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez, sobre a questão do novo marco regulatório das comunicações, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido dos Trabalhadores (PT) se manifestaram na semana passada exigindo urgência no avanço da democratização das comunicações no Brasil. As afirmações feitas nos documentos dos partidos reforçam o ponto de vista expresso na nota pública lançada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), no qual se critica a postura do governo de não discutir a regulamentação do setor e se conclama à mobilização popular.
 
Tanto a nota pública do setorial de comunicação e cultura do PSOL quanto a resolução do diretório nacional do PT destacam a mobilização da sociedade em torno da campanha “Para expressar a liberdade”, coordenada pelo FNDC, que reivindica um novo marco regulatório e propõe atualmente a elaboração de um projeto de lei de iniciativa popular para o setor.

A declaração de Alvarez suscitou também imediatamente reações individuais de deputados federais. Para Luiza Erundina (PSB-SP), “os governos Lula e Dilma pouco avançaram na democratização das comunicações no Brasil" e “a legislação precisa ser atualizada para garantir a democratização dos meios, assegurar a liberdade de expressão – o que é diferente da liberdade de empresa – e a eliminação de monopólios e oligopólios”. Segundo Jorge Bittar (PT-RJ), a atualização da lei é necessária principalmente para rever as regras para as concessões de radiodifusão, sobretudo diante da chegada da TV digital e da convergência de mídias. Ivan Valente afirma que "de maneira previsível, Dilma segue com sua política de acomodação de interesses, segue ignorando as resoluções aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação realizada em 2009".
 
Segue abaixo as declarações dos partidos.
 
 
A democratização da comunicação não pode esperar pelo projeto de poder do PT
Nota pública do Setorial de Comunicação e Cultura do PSOL
 
No dia 20 de fevereiro, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez, fez uma declaração diante de uma plateia de cerca de 400 representantes das grandes empresas do setor no país com a qual reafirmou o que se torna cada vez mais evidente: a falta de compromisso do Governo Federal com qualquer avanço relevante no sentido da democratização dos meios de comunicação.
 
Colocando interesses eleitoreiros como prioridade, preocupado em apaziguar os ânimos das elites conservadoras do país e, ao mesmo tempo, garantindo privilégios comerciais aos “donos da mídia”, o representante do governo defendeu ser impossível colocar um novo marco regulatório das comunicações em discussão de forma ampla em um ano pré-eleitoral
 
O mau fundamento da justificativa, haja vista que anos pré-eleitorais e eleitorais se alternam no Brasil, expressa a lógica que se perpetua no projeto político do atual governo, que não rompe com a dos que o precederam: assegurar a própria permanência nos altos postos do poder ao preço de bloquear anseios de ampliação dos espaços democráticos por parte da população.
 
A presidenta Dilma, o ministro Paulo Bernardo e o PT desconsideram, em nome de mais vitórias eleitorais e de acordos tácitos com o capital da radiodifusão, a urgência de uma atualização da legislação de comunicação no país que leve em conta avanços democráticos, como a desconcentração da propriedade, a exploração da radiodifusão como verdadeira concessão pública (e não como bem de uso privado para fins particulares) e a garantia do direito à comunicação como um direito que efetiva outros direitos.
 
O PT, ainda que se esforce para se apresentar como partido compromissado com o avanço da democratização da comunicação e que muitos de seus filiados realmente acreditem e lutem por essa bandeira, é desacreditado pelo governo Dilma, que prorroga a vigência de um quadro legal assentado em leis como a Lei Geral de Telecomunicações, que já comemora seus 50 anos e antecede o lançamento do primeiro satélite no espaço. O atual marco jurídico tem beneficiado o desenvolvimento e manutenção do oligopólio nacional de empresas como Globo, Record, SBT e Band e da concentração de poder por parte de grandes grupos internacionais como América Móvil, Telefônica da Espanha e Portugal Telecom.
 
A sociedade civil, por um lado, se organiza em torno de uma campanha nacional para exigir a garantia da liberdade de expressão e do direito à comunicação, materializados em uma lei ampla. O governo petista, por outro, faz vista grossa e se fecha ao diálogo com esse setor, tocando em frente um conjunto de pequenas reformas fragmentadas que remendam as leis de acordo com as reivindicações mais imediatistas do capital do setor. Sinalizou e assumiu o compromisso com as entidades que lutam pela democratização da comunicação de que em algum momento colocaria em consulta pública o tema, mas fez-se de rogado, e simplesmente não cumpriu com sua palavra sem maiores explicações.
 
Comunicadores populares, enquanto isso, sofrem a perseguição da Anatel. Esta, sob pressão da burguesia radiodifusora dirigida pela Abert, fecha violentamente, com auxílio da polícia federal, rádios comunitárias e garante a festa da radiodifusão comercial, que não recebe a devida e necessária fiscalização. Reforçam-se, assim, as evidências de que o Governo Federal preferiu compor com os setores dominantes do que fazer avançar o poder popular e as instâncias de efetivação da democracia.
 
O setorial de comunicação e cultura do PSOL repudia a postura do governo de se fechar ao diálogo com aqueles que lutam pela efetivação de direitos e por protelar o desencadeamento de um processo tão urgente como a atualização do marco regulatório das comunicações. Reafirmamos, assim, a necessidade de uma atualização do quadro legal, com ampla discussão por parte da sociedade brasileira, que garanta a desconcentração do poder político-econômico, a pluralidade e a diversidade, o direito à comunicação, a liberdade de expressão, o fim da perseguição ao comunicadores populares, o apoio à radiodifusão comunitária e a estruturação de espaços permanentes e participativos de formulação e implementação de políticas de comunicação e cultura.
 
 

Democratização da mídia é urgente e inadiável
Resolução do Diretório Nacional do PT

O Diretório Nacional do PT, reunido em Fortaleza nos dias 1 e 2/3/2013, levando em consideração:
 
    1. A decisão do governo federal de adiar a implantação de um novo marco regulatório das comunicações, anunciada em 20 de fevereiro pelo Ministério das Comunicações;
 
    2. A isenção fiscal, no montante de R$ 60 bilhões, concedida às empresas de telecomunicações, no contexto do novo Plano Nacional de Banda Larga;
 
    3. A necessidade de que as deliberações democraticamente aprovadas pela Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada e organizada pelo governo federal e realizada em Brasília em 2009 — em especial aquelas que determinam a reforma do marco regulatório das comunicações, mudanças no regime de concessões de rádio e TV,adequação da produção e difusão de conteúdos às normas da Constituição Federal, e anistia às rádios comunitárias — sejam implementadas pela União;
 
    4. Por fim, mas não menos importante, que o oligopólio que controla o sistema de mídia no Brasil é um dos mais fortes obstáculos, nos dias de hoje, à transformação da realidade do nosso país.
 
    RESOLVE:
 
    I. Conclamar o governo Dilma a reconsiderar a atitude do Ministério das Comunicações, dando início à reforma do marco regulatório das comunicações, bem como a abrir diálogo com os movimentos sociais e grupos da sociedade civil que lutam para democratizar as mídias no país;
 
    II. No mesmo sentido, conclamar o governo a rever o pacote de isenções concedido às empresas de telecomunicações; a reiniciar o processo de recuperação da Telebrás; e a manter a neutralidade da Internet (igualdade de acesso, ameaçada por grandes interesses comerciais);
 
    III. Apoiar a iniciativa de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para um novo marco regulatório das comunicações, proposto pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), pela CUT e outras entidades, conclamando a militância do Partido dos Trabalhadores a se juntar decididamente a essa campanha;
 
    IV. Convocar a Conferência Nacional Extraordinária de Comunicação do PT, a ser realizada ainda em 2013, com o tema “Democratizar a Mídia e ampliar a liberdade de expressão, para Democratizar o Brasil”.

Conselho de Comunicação pode ser contra regulação democrática

Com a reinstalação do Conselho de Comunicação Social (CCS) no último dia 8 de agosto, os debates para renovação do marco regulatório das comunicações no Brasil podem passar a ser protagonizados pelo Congresso Nacional. Constituído como órgão auxiliar do Congresso, o CCS conta com 26 membros, divididos entre titulares e suplentes, e tem como finalidade realizar estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações do Congresso Nacional no que diz respeito à regulação dos meios de comunicação do país. Depois de seis anos parado, o CCS retorna sem contrariar as entidades empresariais que se retiraram da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).

Apesar de falar pouco na posse, as reais pretensões do presidente do Senado, José Sarney (PMDB), ficaram expostas no pronunciamento de Fernando Mesquita, vice-presidente do CCS e atual secretário de comunicação do Senado, ao jornal Estado de São Paulo no último dia 10 de agosto: “Queremos evitar todos os tipos de restrição à liberdade de imprensa,vamos parar com essa coisa de marco regulatório da mídia”, declarou Mesquita, que é atualmente o Secretário de Comunicação do Senado e foi porta-voz de José Sarney quando ele era presidente da República.

A declaração de Mesquita vai contra a sinalização do Executivo de abrir uma consulta pública para o novo marco regulatório das comunicações, prevista para após as eleições municipais. O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), mencionado por Sarney como seu “braço direito” na renovação do CCS, defendeu a nova composição e afirmou que temas como agilidade nas concessões de rádio e televisão, e regulação da propaganda devem ser discutidos pelo CCS. Maia também destacou que o Conselho pode contribuir para que “o novo marco regulatório seja o mais democrático possível”.

Já o representante das empresas de rádio no Conselho, Walter Ceneviva, relevou a possível estratégia montada para tocar o marco regulatório e disse que o Conselho deve se ater às discussões em pauta no Congresso. “As discussões do Poder Executivo serão importantes, mas quem pauta o nosso trabalho é o Congresso. Se no Congresso houver a discussão do marco regulatório, sim, caberá ao Conselho de comunicação discutir. O marco regulatório das comunicações é prometido há 50 anos. Se agora, afinal, ele vier, será objeto de atenção do Conselho”, afirma Ceneviva.

Para o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, a reinstalação do Conselho ocorre num momento muito oportuno “em que precisamos discutir rapidamente e eficientemente o destino da radiodifusão brasileira: a relação com as novas tecnologias, a entrada de novos agentes no mercado, como as empresas de telecomunicações. O Conselho pode fazer esse debate de uma maneira muito eficiente, permitindo que a nova legislação garanta a fortaleza da radiodifusão brasileira e seja debatida a partir de interesses públicos”, afirma Schröder.

O ex-ministro da Cultura do governo Lula, Juca Ferreira, ocupa a vaga de suplente da sociedade civil no Conselho. Durante a posse, ao ser lembrado sobre o projeto da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), abortado após forte ofensiva empresarial no primeiro governo Lula, Juca declarou que os conselhos “enriquecem”, mas não “concorrem” com a agenda institucional: “É um espaço de negociação que possibilita harmonizar as diferenças”. Sobre as limitações do Conselho em tratar o ambiente de convergência tecnológica, Ferreira espera que a institucionalidade se abra para experiência de outros países que fazem mudanças constantes no setor: “O Brasil deveria se sensibilizar, e não ver [as novas tecnologias] como inimigas”.

Críticas à composição

A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) defende desde 2006 a reativação do CCS, todavia, criticou incisivamente a forma como essa nova gestão foi constituída. “Foi aprovada em absoluta clandestinidade, sem nenhum diálogo com a sociedade, sem nenhuma consulta às organizações da sociedade civil que militam no setor e que constroem um modo de pensar a política de comunicação social no País”, declarou a deputada em discurso proferido no Plenário da Câmara na mesma hora em que estava ocorrendo a posse do CCS, que para ela “foi só para amigos do rei”.

Ela também lembra que foram rejeitadas a indicações da sociedade civil encaminhadas em fevereiro deste ano pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular, da qual ela é coordenadora e que conta com a participação de mais de 180 Parlamentares e 100 entidades da sociedade civil. No mesmo tom de Erundina, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) também rechaçou o processo de indicação, que considerou “arbitrário”.

Já o deputado Marco Maia (PT-RS), presidente da Câmara, elogiou a diversidade da composição do Conselho. “Na minha avaliação a composição do Conselho ficou equilibrada, ficou de acordo com aquilo que era bom para o Brasil, bom para o Conselho e bom para o Congresso Nacional”, afirma. “Todas as entidades nós consultamos, os parlamentares, e procuramos escolher membros da sociedade civil que tivessem vínculo com o tema, que conhecessem o assunto e que pudessem representar, não de forma ideológica, mas de forma concreta os interesses maiores da sociedade civil organizada no nosso país”, completa o presidente da Câmara.

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, também defende a composição do CCS, embora identifique como uma distorção a ausência do Conselho Federal de Psicologia (CFP). “Essa composição está prevista na lei. O problema da composição anterior é que a parte da sociedade civil havia sido tomada completamente pelos interesses empresariais. Acho que a composição deste conselho, em que pese algumas distorções que poderíamos pontuar, me parece que possibilita um debate num equilíbrio maior e melhor que o Conselho anterior. O que nos interessava era defender a sua existência, é consagrar a sua volta”, afirma.

Apesar de previsto na Constituição Federal e regulamentado em 1991, o CCS só foi instalado em 2002, e teve apenas duas composições entre 2002 e 2006. O CCS deve se reunir, de forma ordinária, na primeira segunda-feira de cada mês, e já tem novo encontro marcado no dia 03 setembro pelo presidente eleito por unanimidade, Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, e membro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Com a colaboração de Pedro Caribé

FHC defende regulação dos meios de comunicação

O título, o ambiente e o programa sugeriam que o seminário “Meios de comunicação e democracia na América Latina”, realizado no último dia 15 no Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC), seria um palco para a cantilena contra a regulação do setor e de crítica feroz às iniciativas em curso em países da região. Mas não foi esse o tom predominante.

Com a participação de ex-presidentes da Bolívia e do Equador e um ex-porta voz da presidência do México, além do jornalista brasileiro Eugênio Bucci, o debate foi marcado principalmente por duas preocupações. De um lado, o desafio de manter um jornalismo investigativo independente em um cenário de enfraquecimento dos meios tradicionais. De outro, uma afirmação quase uníssona sobre a necessidade de regulação democrática do setor, resumida pelo ex-presidente Fernando Henrique, presente ao evento: “não há como regular adequadamente a democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.

Regulação em pauta

O seminário promoveu o lançamento do livro “Meios de comunicação e democracia: além do Estado e do Mercado” uma publicação conjunta do iFHC, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e do projeto Plataforma Democrática. A publicação é em boa parte pautada pela discussão sobre medidas de regulação dos meios de comunicação. O primeiro texto é de autoria dos argentinos Guillermo Mastrini e Martin Becerra, professores que estudam a concentração do setor na América Latina e que apoiaram a redação da lei de comunicação audiovisual aprovada no país em 2009.

No livro, o organizador da publicação, o sociólogo Bernardo Sorj, avalia que “generalizações sobre a América Latina mascaram realidades muito diferentes” e que “não é demais lembrar que qualquer legislação deverá orientar-se em primeiro lugar pelo objetivo de garantir a liberdade de expressão dos cidadãos frente ao poder do Estado e ao poder econômico”.

Na abertura do seminário, Sorj apresentou uma leitura dos contextos político e dos meios de comunicação e listou algumas das ações necessárias para alterar o quadro atual. No contexto político, o sociólogo identificou três elementos centrais: um sistema legal precário, uma crise de representação dos partidos e das ideologias políticas que valoriza o papel dos meios e a exigência de uma nova regulação dos meios em função da convergência tecnológica. Em relação ao contexto dos meios de comunicação, o sociólogo destacou a inexistência ou baixa audiência de emissoras públicas, sistemas regulatórios ultrapassados e nem sempre aplicados e uma tendência à concentração de propriedade.

As propostas apresentadas por ele reforçam a necessidade de regulação do setor privado e da ação do poder público e se assemelham em boa parte às apresentadas por setores que defendem a democratização da comunicação. Entre elas, o enfrentamento à concentração, o fortalecimento do sistema público e o apoio a pequenas e médias empresas de comunicação [ver lista completa ao final da  matéria].

Crise de valores dos meios

As apresentações trouxeram abordagens complementares da relação entre meios de comunicação e democracia. Carlos Mesa, ex-presidente boliviano, salientou uma espiral de perda de valores que vivem os meios de comunicação e seus dirigentes. Ele comparou a crise da mídia com a crise do sistema financeiro, que descreveu como “uma orgia obscena do capitalismo”. Essa crise seria fruto de uma dificuldade de se situar em um cenário de organização da informação que tem a frivolidade como elemento central. “A mídia é protagonista e fiscalizadora, juiz e parte. Mas seu poder não vem acompanhado de responsabilidade”, observou.

Carlos Mesa repercutiu uma questão que atravessou todo o seminário, que é atual dificuldade financeira para sustentar o jornalismo investigativo. O problema, segundo ele, é que “apesar de vários meios impressos tradicionais terem uma grande audiência na internet, essa audiência não se transforma em recursos financeiros”. O desafio, portanto, seria garantir ao mesmo tempo credibilidade e capacidade de infraestrutura no novo cenário.

Conhecido por defender os interesses das elites bolivianas, Mesa não deixou de expor suas convicções. Ao discutir a necessidade de regulação da comunicação, o ex-presidente ressaltou que é preciso reconhecer que pode haver diferentes tipos de regulação e criticou a reserva de espectro realizada na Argentina, Uruguai e Bolívia. “Em meu país, um terço das frequências de rádio e TV está reservado para povos indígenas e originários e setores comunitários. O que eles farão com isso?”, perguntou ironicamente.

As observações do mexicano Rubén Aguilar, ex-porta voz de Vicente Fox (presidente entre 2000 e 2006), focaram-se mais na promiscuidade dos meios de comunicação e do Estado em seu país. Aguilar descreveu a relação entre as partes como sendo historicamente pautada pelas negociações financeiras, tendo mudado pouco nas últimas décadas. “Antes o governo pagava, agora os meios cobram”, observa Rubén.

Para ele, a marginalidade da imprensa escrita – o maior jornal da cidade do México tem tiragem de 100 mil exemplares – concentra muito poder no rádio e na televisão, o que se agrava pelo fato de que dois grupos econômicos controlam a maioria dos meios eletrônicos. “Vivemos uma situação hoje em que não há conflitos entre poder e meios de comunicação. Isso é muito ruim para a democracia”. Aguilar também defendeu abertamente a necessidade de regulação do setor.

A apresentação de Osvaldo Hurtado, ex-presidente do Equador, foi a única que se centrou no discurso recorrente que identifica ameaças à liberdade de imprensa nas ações de presidentes latino-americanos. Em sua mira, Rafael Correa, Evo Morales, Hugo Chávez e Daniel Ortega. Hurtado, que presidiu o Equador no início da década de 1980, focou-se especialmente nas críticas às ações de Correa, sugerindo inclusive que a sentença que ordenou ao jornal El Universo o pagamento de US$ 40 milhões de indenização a Correa teria sido redigida dentro do palácio presidencial do Equador.

Problemas brasileiros

Ao tratar do caso brasileiro, o jornalista Eugênio Bucci avaliou que a discussão no país está dificultada por duas irracionalidades: uma de matriz de direita, que diz que nenhuma regulação é necessária; outra, de matriz de esquerda, que defende a regulação por um desejo de censurar os meios. Para Bucci, a regulação é necessária, especialmente para enfrentar três gargalos: a confusão entre religião, meios e partidos; a presença possível de monopólios e oligopólios e o abuso das verbas dedicadas à publicidade oficial. Em sua opinião, os governos deveriam ser proibidos de anunciar, porque as verbas “dão espaço para proselitismo oficial com dinheiro público”.

No debate ao final das apresentações, o cientista político Sérgio Fausto lamentou que o Brasil não tenha a cultura do debate racional e prefira a confrontação de opiniões dogmáticas fechadas. Fausto avalia que essa seria a dificuldade de a internet substituir o papel dos meios tradicionais. “A democracia do acesso gera também a corrosão de valores fundamentais sem os quais poderemos ter mais vozes e menos democracia”, disse Fausto, que é também diretor executivo do instituto FHC.

A crítica mais contundente ao sistema de comunicações brasileiro veio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em seus comentários, FHC criticou especialmente a ausência de pluralismo. “Os meios de comunicação no Brasil não trazem o outro lado. Isso não se dá por pressão de governo, mas por uma complexidade de nossa cultura institucional”, disse FHC. “Nós temos toda a arquitetura democrática, menos a alma”.

FHC afirmou ainda que é preciso lutar pelos mecanismos de regulação que permitam a diversidade. Para ele, “não há como regular adequadamente a democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.


Sumário das propostas apresentadas na introdução do livro “Meios de comunicação e Democracia: além do Estado e do Mercado”, organizado por Bernardo Sorj, publicado pelo Instituto FHC, Centro Eldenstein e Plataforma Democrática:

Regulação da ação do poder público
1. A distribuição de concessões de rádio e televisão deve passar pela criação de uma agência reguladora que aja com transparência e cujas decisões sejam abertas ao debate e escrutínio público.
2. Garantir a autonomia dos canais ou emissoras públicas direta ou indiretamente dependentes de recurso público.
3. O uso e a distribuição da dotação pública para publicidade oficial devem ser transparentes e politicamente neutros.
4. O favorecimento de certos meios, quando realizado em nome do apoio a pequenas e médias empresas de comunicação, deve ser realizado com critérios transparentes e universais, abertos ao debate e ao escrutínio público.
5. A liberdade de informação inclui a obrigação dos governos de informar.
6. Garantir o acesso público aos conteúdos sem que eles sejam parasitados por sites comerciais e garantir a neutralidade da Rede.

Regulação do setor privado
1. Combater a concentração de propriedade dos meios privados, pela ação de agências reguladoras autônomas do poder governamental (não confundir a extrema concentração com a existência de grupos de mídia economicamente sólidos).
2. Garantir a sustentabilidade do jornalismo investigativo, pela sua importância para o sistema democrático.
3. Políticas públicas para favorecer o pluralismo, com política de apoio universal ao surgimento de novos jornais e subsídios que diminuam os custos de entrada no setor.
4. Conscientizar a sociedade sobre a importância de ter acesso à informação e ser capaz de realizar uma leitura crítica da informação recebida.

Na ONU, Conectas denuncia situação de jornalistas latino-americanos em risco

Crimes cometidos por cartéis no México, por grupos criminosos no Brasil, por beligerantes na Colômbia e pela polícia do Chile estão entre as principais questões relacionadas à segurança dos jornalistas que se dedicam a cobrir temas ligados aos direitos humanos na América Latina. Uma visão desses problemas e sugestões para superá-los foi apresentada hoje (05/03) por uma equipe da Conectas na 19ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça.

"Impedir o trabalho, ameaçar ou matar jornalistas sempre foi uma maneira brutalmente eficaz de romper toda a cadeia de respeito aos direitos humanos. É uma forma sórdida de abrir caminho para que crimes de corrupção, seqüestro, tortura, tráfico, grilagem e tantos outros que impactam negativamente sobre os direitos humanos continuem acontecendo escondidos", disse João Paulo Charleaux, coordenador de Comunicação da Conectas. "Dar visibilidade internacional a essa perseguição e cobrar ação dos Estados é uma forma de proteger os jornalistas contra uma prática inaceitável", completou.

Além de "acolher com satisfação" o documento apresentado pela relatora especial da ONU para defensores de direitos humanos, Margaret Sekaggya, Conectas apresentou novas informações sobre contextos subestimados, como as 3 mortes de jornalistas brasileiros nos três primeiros meses deste ano, que colocam o país na segunda posição de país mais perigoso para jornalistas atualmente segundo o International News Safety Institute (INSI). As mais de 30 agressões contra jornalistas registradas no Chile desde março de 2010 também foram expostas em Genebra. E Conectas sugeriu que crimes cometidos por policiais sejam julgados pela justiça comum e que a relatoria estreite laços com organizações latino-americanas que monitoram os ataques, como forma de melhorar o entendimento da ONU sobre estes contextos.

À tarde, em um evento paralelo no Palácio das Nações, sobre o mesmo tema, a organização mencionou a perseguição judicial ou política e a crescente polarização entre governos e algumas grandes empresas privadas de comunicação da América Latina. Nestes casos – e especificamente do ponto de vista da segurança dos profissionais de imprensa -, a organização teme que o uso de ataques verbais e campanhas difamatórias em escala nacional levem a um ambiente propício para a violência.     

O evento paralelo foi promovido por Conectas, Cairo Institute for Human Rights Studies, International Service for Human Rights, Observatory for the Protection of Human Rights Defenders, Forum Asia e Human Rights House Foundation, com apoio do Ministério de Relações Exteriores da Noruega.