Arquivo da tag: Observatório da Imprensa

O marketing do escândalo

A lição de Confúcio não prescreve. Ainda mais nos dias atuais. Ele escreveu: "Se puderes resgatar as penas de dez travesseiros abertos no alto de uma colina em uma noite de tempestade, poderá resgatar a honra de uma pessoa caluniada".

Inúmeros são os casos em que a imprensa tem se arrogado o papel da Justiça. Assumir funções típicas da Justiça é recorrente na atividade jornalística. Há certa compreensão de que jornal é fórum, repórter é magistrado, editor é ministro de tribunal superior. E quando este é o quadro resta-nos apenas ver o desvirtuamento da informação fidedigna em atos de autoridade prepotente.

Em 1993 escrevia Joaquim Falcão em artigo publicado na imprensa carioca e que permanece tão atual quando à época de sua publicação: "Não raramente hoje, alguns jornais, ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar, processam sem ouvir, colocam réu sem defesa na prisão da opinião pública; enfim, condenam sem julgar". E quando isto ocorre vemos justiçamento e não justiça. É imensa a distância separando um conceito do outro.

Verdade contrabandeada

Estas percepções surgem quando cotejo a cobertura das quatro revistas semanais de informação e as capas dos principais jornais diários nestes últimos três meses. Existem tiros demais, vítimas demais. E também verdade de menos, isenção de menos, muito menos. Isso me faz lembrar afirmação do jornalista inglês Paul Johnson quando em meados dos anos de 1990 em um artigo afirmava que "a mídia é uma arma carregada quando dirigida com intenção hostil contra um indivíduo". E há muita intenção hostil no noticiário, daí que estamos sempre há bem poucos metros do pelotão de fuzilamento instituído pela mídia.

Cláudio Abramo personificava sua própria máxima ao dizer que o jornalismo era "o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter". É que não havia distância entre intenção e gesto no caso do autor da frase. Ele sabia muito bem a regra do jogo (sem trocadilho com o famoso livro).

É bem desagradável o sentimento que temos quando vemos campanha lançada por jornal defendendo ou acusando esta ou aquela ideologia, este ou aquele pensamento político, filosófico, religioso. Parece faltar inteligência ou a quem criou a campanha ou ao distinto público-alvo da mesma. E faltou coragem de dizer com todas as letras quem está por trás da tal campanha.

Para ser coerente com a definição de Abramo somente aceitando que estamos diante de qualquer coisa, mas não de jornalismo. Quando revista semanal se transforma em porta-voz de partido político algo de muito errado está acontecendo. Da mesma forma quando rede de televisão se notabiliza na defesa intransigente de ponto de vista eminentemente religioso, logo somos alcançados pelo mau odor exalado pelo preconceito e o fanatismo.

E só não há erro se o veículo de comunicação atua com transparência deixando o público saber a serviço de que agremiação se encontra. É aqui que mora o perigo: não temos tradição de nossos jornais e revistas cerrarem fileiras com esta ou aquela corrente política. É sempre por debaixo do pano que a verdade é contrabandeada – e a credibilidade do veículo de comunicação começa a decair quando seu público reconhece por si mesmo que há um marketing por trás dessa ou daquela capa, dessa ou daquela cobertura.

Passagem do tempo

É o marketing do escândalo. As vítimas serão sempre aquelas que se atrevem a discordar da opinião, da crença defendida pelo canal de televisão, jornal, revista, emissora de rádio, portal na internet. O procedimento padrão aplicado é minimizar ao máximo o contraditório, garantia mínima que é para o Estado democrático, deixar passar ao longo da cobertura qualquer pluralidade de pensamento, qualquer fato novo investigado que tenha força suficiente para frustrar o resultado desejado. Procedimento que maximiza as opiniões que fortalecem a linha editorial pretendida, que lhe concede repercussão indevida como forma de atender a interesses outros que não aqueles defendidos pelos que praticam o bom jornalismo.

A lógica do marketing do escândalo inclui, sim, a possibilidade de retificação do erro cometido, do excesso havido, mas sempre o fará de maneira frágil, envergonhada, vulnerável e inteiramente desproporcional ao impacto ou conseqüências do mal protagonizado.

Penso haver tão-somente um antídoto a essa forma enviesada do fazer jornalismo no Brasil. E seria um choque de ética nas relações dos jornalistas com suas matérias, com suas fontes, com os fatos, com a idéia do contraditório, com a já esquecida prática de, antes da publicação, ter buscado, honestamente, ouvir o outro lado. Quando penso em ética não penso em consciência amordaçada. E nem penso em notícias em constante descompasso com a passagem do tempo. Penso, apenas, no direito que todos temos de ter acesso a notícia com maior qualidade, mais apurada, texto correto e preciso. Será pedir muito?

Reino inferior

Séculos atrás Luis de Camões escreveu esses belos versos: "Mudam-se os tempos,/ Mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o ser é feito de mudança/ Assumindo sempre novas qualidades."

Bem conhecida a frase da escritora estadunidense Lilian Hellman (1905-1984): "As pessoas mudam, mas esquecem de comunicá-lo". O mesmo acontece com os meios de comunicação. Nascem com uma proposta editorial clara e aos poucos, ao longo do caminho, vão se desfazendo daquele espírito impulsor que lhe dava substância. Esquecem, também, de comunicar a mudança aos leitores, ouvintes, telespectadores.

Nada contra a mudança, afinal já faz parte da filosofia dos caminhões: "A única coisa que não muda é a mudança". O problema com os meios de comunicação é que eles mudam e nada fazem para assumir as conseqüências da mudança. Faz-nos recordar aquela famosa atriz que, em busca do tempo perdido, decide fazer plástica no rosto. Uma vez feita, esta lhe altera os traços fisionômicos, reduz significativamente os sulcos que o arado do tempo fez, mas, a atriz, mesmo diante da contraprova ante o espelho, ainda assim não se dá por vencida e volta a jurar, uma e mil vezes, que jamais passou perto de um bisturi. Dá para acreditar?

A prisão da opinião pública – com sua atual superlotação – tem como alicerce os escombros de uma ética jornalística profundamente abalada. Este entulho é representado pelo desabrido jogo político conspurcando o livre trânsito da informação e o desenfreado balcão de negócios em que esta mesma informação é moeda corrente.

A opinião pública, quando trancafiada nos cárceres do mau jornalismo, fere de morte um direito humano básico, fundamental. Refiro-me ao direito que trata da liberdade de pensamento, de opinião, de crença. E se esse direito é subtraído ao patrimônio de humanidade que carregamos assim como o corpo carrega sua sombra, então renunciamos à nossa humanidade e passamos a integrar um reino inferior, qual mineral, qual vegetal, qual animal irracional.

* Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo.

Ruína de Yeda e omissão da imprensa

Os leitores dos jornalões editados em São Paulo e Rio de Janeiro já conhecem com muitos detalhes cada falcatrua cometida no Senado Federal. Até os pecadilhos dos parlamentares, coisas consideradas (por eles próprios) "menores", como ceder passagens aéreas para familiares, vão logo parar nas manchetes – o último desses casos envolve o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). Se alguém perguntar aos leitores o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, porém, é provável que a resposta seja evasiva. De fato, a gestão Yeda Crusius (PSDB) à frente do governo gaúcho é uma tragédia de graves proporções e não está merecendo dos grandes jornais uma cobertura à altura do desastre – político e gerencial – em curso nos pampas.

É bem verdade que nos últimos dias, especialmente depois que o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF-RS), protocolou, em 5 de agosto, uma ação de improbidade administrativa na Justiça Federal de Santa Maria contra a governadora e outros oito réus, os jornalões do Rio e São Paulo decidiram dar uma colher de chá e publicaram reportagens sobre o assunto. Tudo muito insuficiente.

Sim, insuficiente, porque o descalabro começou antes mesmo de Yeda Crusius botar os pés no Palácio Piratini, em janeiro de 2007. Durante a campanha, a então candidata se indispôs com seu vice, Paulo Afonso Feijó (DEM), porque ele defendia as privatizações como saída para resolver os problemas financeiros do estado. Desautorizado, Feijó permaneceu na chapa, foi eleito e depois rompeu politicamente com Yeda. Ainda durante a campanha, o marqueteiro Chico Santa Rita abandou o comando da estratégia de marketing acusando a governadora de deixar de pagar os salários da sua equipe. Em seguida, já eleita, mas antes de tomar posse, Yeda pediu ao então governador Germano Rigotto (PMDB) que enviasse à Assembléia Legislativa um projeto para cortar despesas e aumentar o ICMS. Tal projeto foi derrubado em 29 de dezembro de 2006, em uma votação que teve como articulador político o vice-governador. Só que contra, e não a favor do projeto de Yeda…

Consequências eleitorais

A crise, permanente, se arrasta desde a campanha eleitoral de 2006. De lá para cá, Yeda jamais conseguiu momentos de tranquilidade política no Piratini. A grande imprensa do Sudeste vem noticiando tudo com muita discrição e sem contextualizar o problema. Aliás, um problemão. O ruinoso governo de Yeda de certa forma quebra a espinha dorsal do discurso tucano da "excelência da gestão", que deveria ser o diferencial da candidatura presidencial do partido em 2010. Pior ainda, no campo político, a governadora conseguiu se isolar de tal maneira que DEM e PMDB, tradicionais aliados do PSDB no estado, já pularam da canoa de Yeda. Se ela insistir em se candidatar à reeleição, qual será o palanque do presidenciável tucano em terras gaúchas? José Serra (ou Aécio Neves) estarão ao lado de Yeda, única governadora brasileira que tem taxa de rejeição superior à de aprovação? Difícil, a julgar pela defesa tímida que os próceres tucanos vêm fazendo do governo da correligionária gaúcha. E alguém leu análises sobre isto nos jornalões?

Boa parte das matérias, aliás, conseguiram inverter a questão, atribuindo ao PSOL uma importância que nem mesmo a deputada federal Luciana Genro (RS) poderia almejar. Sim, porque o desastre político do governo Yeda tem como protagonista a própria governadora, que em um raro espetáculo de inabilidade política conseguiu perder apoio de aliados tidos como muito fiéis, a exemplo do DEM e do PMDB. Definitivamente, não foram as denúncias da filha do ministro Tarso Genro que colocaram Yeda nas cordas, foi a própria governadora que preferiu se postar no corner. E isto também ficou de fora da cobertura dos jornalões sobre o caso.

Cobertura descontextualizada

A falta de contextualização vai além dos aspectos político-partidários. O Rio Grande do Sul vive uma crise estrutural há muito tempo, com problemas especialmente nas finanças do estado e na sua economia. O PIB gaúcho, que representava em 2008 quase 7% do nacional, permanece neste patamar há pelo menos 10 anos. Ao contrário da região Nordeste, altamente beneficiada pelo crescimento dos últimos anos, a economia do Rio Grande vive uma situação que já antes da crise econômica mundial beirava à estagnação.

A situação econômica do Estado deveria necessariamente aparecer nas matérias e reportagem sobre a crise do governo Yeda porque é parte explicativa dos problemas enfrentados pela governadora. De fato, a tentativa, talvez um tanto açodada, de zerar o déficit do Rio Grande em quatro anos foi uma das causas de boa parte dos problemas da governadora. Em casa que falta pão, como se sabe, todos gritam e ninguém tem razão.

Com a cobertura fragmentada e direcionada para os momentos mais espetaculares – as denúncias, o anúncio do processo, os rompimentos com os aliados –, a imprensa do eixo Rio-São Paulo acaba prestando um desserviço aos seus leitores, que ficam com a impressão de que Yeda Crusius é apenas uma vítima do radicalismo do PSOL ou da fúria do Ministério Público. Há uma ótima história para ser contada por trás de um governo ruinoso, mas a mídia parece não querer contar. Por preguiça ou por motivos obscuros. Em ambos os casos, perde o leitor.

* Luiz Antonio Magalhães é Editor Executivo do Observatório da Imprensa.

Sarney multimídia: Rasgando a fantasia

José Sarney e Silvio Berlusconi têm muita coisa em comum: adoram o poder e adoram controlar a mídia. Não contente em silenciar o Estadão com a ajuda de um desembargador muy amigo, 12 dias depois o presidente do Senado determinou a substituição da diretora de Comunicação da Casa, funcionária de carreira, por um assessor-confidente que o acompanha há algumas décadas.

Com isso Sarney passa a controlar diretamente a TV Senado, a Rádio e o jornal diário, o portal de informações e todo o relacionamento da Câmara Alta com os meios de comunicação, o que não é pouca coisa. O golpe de força foi ostensivo e Sarney não perdeu tempo para arranjar justificativas. A crise política chegou a tal ponto que seus protagonistas já não se preocupam com as aparências, o jogo pesado continua embora todos falem em acordos e "acordões".

José Sarney sempre tentou se apresentar como um conciliador, mesmo quando desempenhava a função de líder civil do regime militar. Agora rasgou a fantasia.

As continuadas agressões à liberdade de expressão, no lugar de acalmar os espíritos só os exacerbam. O país fica intranqüilo quando sua imprensa é ameaçada. Ela não pode ser culpada pelas infrações, prevaricações e alianças espúrias montadas nos porões do Senado. Não é difícil explicar a fúria de Sarney e aliados contra os meios de comunicação. Sarney pretendia encerrar sua carreira política como um grande estadista e vai ficar muito mal perante a história. Seus comparsas Collor de Mello e Renan Calheiros ficarão ainda pior, escorraçados que foram pelo trabalho dos jornalistas.

O mais curioso é que os três cavaleiros anti-mídia são coronéis da mídia em seus respectivos currais. Esta é uma aberração que poucos gostam de examinar.

Boicotes e caminhos da Confecom

A realização de uma Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) nunca foi um projeto definido do governo federal. Em mais de seis anos de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, dezenas de conferências foram realizadas, em praticamente todas as áreas do serviço público, menos a de comunicação. Em parte isso se deve à má vontade das forças políticas que ocupam o Ministério das Comunicações (Minicom), em especial a partir da gestão de Hélio Costa, do PMDB, não só uma referência de conservadorismo político, como também um representante direto dos principais grupos midiáticos do país.

Com o passar do tempo, a pressão popular colocou o governo contra a parede, obrigando-o a posicionar-se. A resposta de Lula foi prática, anunciando a realização da Conferência em pleno Fórum Social Mundial, para um público formado por agentes dos movimentos sociais, comprometidos com sua efetivação. Com um prazo de cerca de 10 meses para a preparação da Confecom, esperava-se um debate prévio real, discutindo o marco regulatório das comunicações, para conformar um evento de porte nacional que reunisse o poder público, a sociedade civil e o empresariado. Seis meses depois, somam decepções.

Problemas históricos

Um exemplo: o cancelamento da reunião da quarta-feira (22/7), que se deu pela ausência de representantes dos empresários de mídia, desafiados com a necessidade de deliberar o regimento interno, atrasado em quase um mês. Assim o empresariado tem conseguido impor-se nas mais diversas esferas de decisão. Centralizou o debate da Confecom nos avanços tecnológicos propiciados pela convergência digital, lotou a comissão organizadora com seus representantes diretos e indiretos e até sustentou a idéia de garantir, por meio do regimento interno, um terço do número de delegados presentes, independentemente de sua representatividade, numa leitura própria dos princípios democráticos.

A única coisa que os empresários não conseguiram foi o consenso silencioso de toda essa hegemonia. Segundo representantes de entidades e movimentos populares no comitê organizador, os radiodifusores ficaram apavorados com as ameaças de prevalecer na Conferência o debate de assuntos polêmicos, a exemplo do controle social da mídia. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) chegou a postar em seu sítio, no mês de julho, que a categoria empresarial estava unida em evitar que a Conferência fosse palco de protestos, principalmente contra o modelo atual de comunicação.

O temor é tanto que os radiodifusores estão tentando atrair segmentos de mercado inicialmente alheios ao processo, a fim de aumentar ainda mais a pressão sobre o poder público. São os casos dos setores da TV paga e das telecomunicações, agora preocupadas com a Confecom, frente às pautas universalização da banda larga e recriação de uma empresa pública de telecomunicações. Para evitar riscos, a estratégia foi paralisar a formulação do regimento interno da Confecom, impondo premissas obrigatórias no documento, como a proteção dos serviços e outorgas atuais e a mínima interferência estatal nos serviços de comunicação. Sem o atendimento de tais condições, há a ameaça constante do empresariado de abandonar o comitê, pairando permanentemente o temor da suspensão do evento.

O regimento deveria estar pronto desde 30 de junho, para em seguida ser elaborado o Documento Base, paralelamente ao desenvolvimento das etapas regionais, que começariam em 1º de julho. É a partir da regulação interna que se dá a organização das conferências municipais e estaduais. Dessa forma, todo o processo está atrasado, sem evolução na interiorização do debate. Portanto, mesmo que nunca tenha se concebido a Conferência como a redentora dos problemas histórico-estruturais da comunicação brasileira, a questão é que o cenário desenhado, pelo processo e pelo formato, é de um espaço bem aquém de suas possibilidades, incompatível (mais uma vez) com o conhecimento acumulado.

A posição do governo

Diante do boicote do setor empresarial, cabe a pergunta: e o posicionamento do governo?. Mais uma vez fica atestado o temor de enfrentar os interesses hegemônicos, revelando pouca disposição em realizar a Confecom. Aqui, mais um exemplo: no início do ano, o Congresso Nacional garantiu 8,2 milhões de reais para cobrir os custos da Conferência. Foi promovido um corte de gastos no Ministério das Comunicações, reduzindo tal valor para 1,6 milhão de reais, em maio. O próprio Minicom assumiu que era impossível realizar uma Conferência com tão pouco dinheiro. O projeto de lei 27/2009 entrou na Câmara dos Deputados para recompor o orçamento, não tendo sido aprovado até o início do recesso parlamentar. A tensão de adiar o evento pairou até o início de julho, quando só então foi garantida a reintegração do montante.

Porém, o prejuízo já estava feito. Faltando cerca de quatro meses para sua realização, ainda não existe nenhuma sede confirmada em Brasília para a etapa nacional. Nem mesmo há reservas de qualquer lugar adequado para eventos desse porte, até porque boa parte dos centros de convenções já está reservada para outras atividades mais bem organizadas. Por outro lado, nem tudo está perdido. A publicidade estatal foi salva e, curiosamente, é uma das poucas demandas com a liberação de verbas em dia. O Ministério das Comunicações também não enviou aos governadores carta oficial convocando os demais poderes executivos a participar da Confecom, o que incentivaria o desenvolvimento das etapas regionais.

Contudo, a melhor contribuição a dar, por parte do governo federal, como instância máxima de comando no país, deveria ocorrer no campo político. Uma postura firme do Minicom, se existisse, seria o exemplo que influenciaria as edições estaduais, em termos de agilidade necessária e cumprimento dos objetivos inerentes ao processo de organização da Conferência. No embargo do regimento interno, o poder público agravou a letargia do empresariado, adiando a reunião que concluiria o documento, a fim de que os ministros Hélio Costa (Comunicações), Franklin Martins (Secretaria de Comunicação Social) e Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) pudessem analisá-lo, para posteriormente haver a votação.

Para completar, o setor empresarial e os representantes do Executivo, inclusive com Hélio Costa presente, tiveram uma reunião fechada na véspera da data estabelecida para a redação do documento. A intenção, que claramente transparece, era afinar as posições entre duas das três forças da comissão, já que no encontro nenhum representante da sociedade civil estava presente. Vale frisar que, na falta de um consenso no comitê, cabe ao governo federal impor um texto de regimento interno. Destaca-se que, no processo de escolha do padrão de TV digital também se reproduziram várias reuniões (decisivas) entre radiodifusores e representantes governamentais, enquanto o fórum oficial era esvaziado em seu poder.

— @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } –>* Valério Cruz Brittos é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos.
* Rafael Cavalcanti Barreto é graduando em Comunicação Social – Jornalismo na Unisinos.

EBC: Afinal de contas, o que é público?

Participação de Eduardo Mamcasz na primeira audiência pública promovida pelo Conselho Curador da EBC com relação à TV Brasil, realizada em Brasília, em 09-07-09

Eu sou Eduardo Mamcasz, jornalista com diploma e carteirinha, na ABI e nos sindicatos do Rio e de Brasília, desde o dia 7 de 7 de 77, portanto, já lançado na cesta dos velhos, até porque desde 80 estou na EBN-Radiobrás-EBC, ou o nome que venha ainda a ter. Atualmente, estou analista em Comunicação Pública, mas comecei como jornalista, repórter no Palácio do Planalto, coordenador de Notícias e diretor de Jornalismo.

Alerto, antes de apresentar a proposta, dentro do tema proposto, ou seja, TV Pública, que não represento, neste momento, a Comissão dos Empregados da EBC, para a qual também fui eleito, e nesta posição pessoal lamento que outros setores da EBC continuem sendo deixados para o Neverland, mas acho que o rumo público a ser definido para a TV Brasil possa servir para as Rádios Nacional e Agência Brasil, ou EBC.

Portanto, crianças, diante do esclarecido, permitam-me viajar no tempo, em nome dos meus cabelos tingidos de branco, e começar pelas discussões que, utopicamente, como hoje estamos aqui, acreditávamos por ocasião da saída dos militares do poder e da entrada dos civis, primeiro pelo meio indireto, na chamada Nova República, quando, como dizíamos, eram tempos em que o Ulysses entrava na sala do Sarney sem bater na porta.

E o que a gente defendia, naquela época, inclusive no Palácio do Planalto, e acho que continua válido, inclusive nesta audiência dita pública, era um caminho que se pretendia para a nova EBN – Empresa Brasileira de Notícias, atual EBC – Empresa Brasil de Comunicação, no sentido dela deixar de ser governo e passar a ser Estado. Eis aí meu raciocínio embora na confusão que se formou no que deva ser público, estatal, governamental.

Qual a fatia do governo?

Naquele recomeço, a gente acreditava que a nossa empresa, na época EBN, atual EBC, voltaria ao interesse do Estado, aqui chamado de público, representando não o estatal, termo deturpado, nem o privado ou setorizado, mas o conjunto do que seria a nação, ou seja, a pessoa cidadã, discussão esta até hoje precisando ser consolidada, por conta de interesses dos governos que, na verdade, continuam donos das TVs Públicas.

Deixem-me explicar melhor este começo de ontem para chegar à proposta no dia de hoje, ou seja, falta muito para se definir claramente o que é público, no sentido do que está sendo discutido aqui, e já me adianto à primeira provocação, apoiando-me nas linhas iniciais da Carta de Brasília, 11 de maio de 2007, ao final do Primeiro Fórum Nacional das TVs Públicas, e aqui leio textualmente não as conclusões, mas as preliminares:

"Nós, representantes das emissoras públicas, educativas, culturais, universitárias, legislativas e comunitárias…"

Portanto, completo, sem qualquer deturpação às conclusões do fórum nacional, que TV pública é uma coisa totalmente diferente e me desculpem os comunitários aqui presentes porque TV Pública não teria nada a ver com as outras TVs, mesmo que comunitárias, educativas, universitárias ou legislativas, até porque elas se destinam a um determinado setor, mesmo que bem intencionadas, e não ao estimado público em geral.

E aí, como é que a gente fica hoje? A TV Brasil, em se pretendendo pública, apesar do longo caminho a ser percorrido, teria que fazer exatamente o que em relação ao Estado? E não estou dizendo no sentido de empresa estatal, não, mas voltada ao todo, a partir do que coloco a segunda provocação: em sendo pública, qual deveria ser a fatia do governo e quem de fato representaria a sociedade civil na gestão editorial?

"Políticas republicanas de alcance social"

Então, vamos direto ao miolo do abacaxi e me refiro ao tema de hoje, TV Brasil-TV Pública. Coloco em discussão, a partir da pré-definição do que estamos aqui defendendo, que seja primeiro muito bem definido o termo "público", para diferenciá-lo do "privado" ou do "estatal", inclusive cito uma discussão interna acontecida na Comissão dos Empregados da EBC sobre as possíveis diferenças entre "governo e governamental".

Tem mais discussão que pode ser acrescentada aqui em torno de como deva ser definido o que é público, de publicar, publicitar, não deixar escondido, plural, ao contrário do privado, de privar ou particular, de partícula, singular, estendendo-se a palavra para o conceito de republicana que, na tradução, ficaria sendo uma coisa em se mantendo pública e, por conseguinte, nunca voltada a apenas um espaço, mesmo que este seja o terceiro setor.

Volto a um tempo desconhecido das crianças aqui presentes, que foi o grande rebuliço criativo da Constituinte de 88, o qual definiu os princípios do que seja uma administração pública, bem enumerados pela ex-seringalista Marina Silva num artigo naFolha de S.Paulo em 29 de junho de 2009, e que deveriam ser, penso eu, aplicáveis ao caso aqui sendo discutido, ou seja: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Dou sequência às virtudes colocadas na Constituição com as conclusões do Fórum das TVs Públicas, recomendando que as TVs Públicas devam ser "independentes, democráticas e apartidárias", ao que foi ainda acrescentado que o "campo público da televisão promova a cidadania", que o financiamento tenha origem em "fontes múltiplas" e, além disso, que promova "a construção de políticas republicanas de alcance social".

Lentidão imobiliza Conselho Curador

Portanto, permitam-me um singelo complemento, ou seja, tudo o que uma TV Pública deveria ter para assim ser classificada, a EBC, no caso a TV Brasil, não o pratica e vejamos logo porque afirmo isto. O Conselho Curador aqui presente não é independente porque nomeado pelo governo federal, que também alimenta as fontes de recursos, sendo portanto a EBC uma empresa fechada, distante da governança corporativa e dependente.

Volto ao ano de 2004, quando foi divulgada a "gestão estratégica" da Radiobrás, atual EBC, cujos termos ainda não foram mudados na prática, quando ficou escrito que entre os valores perseguidos estava o "respeito ao caráter público de nossa atividade, ao buscar a excelência e ao exercer a transparência externa e interna". Aliás, corte rápido porque desde dezembro não são publicitados os boletins administrativos da EBC.

Mas continuando, e passo para outra provocação porque também foi colocado como estratégia editorial, aliás seria papel deste Conselho Curador definir a linha editorial da empresa, mas sem esta exagerada lentidão com que se imobiliza, haja a ver que até o Manual de Redação está sendo feito sem discussão pública, mas volto à frase em que a Radiobrás deveria concentrar o foco em jornalismo e no "espaço público político".

Falta de políticas públicas

Aqui jogo outra provocação ao espaço maior dado ao jornalismo tradicional que está sendo praticado, e no caso aqui sendo discutido, pela TV Brasil, que pretende vir a ser pública porque ainda não foi dado espaço devido ao lúdico, educativo, formativo, didático, serviço, manifestação cultural ainda não comercializada, porque o jornalismo em si impede o inovativo, criativo, experimental, interativo e multiprogramático.

Apoio-me num artigo de Alfedo Boneff, do Ibase, questionando se a TV Educativa seria TV Pública, nesta defendendo maiores espaços para a invenção, a experimentação e até mesmo a inovação, inclusive diante dos novos meios digitais que ainda parecem distantes, na prática, e que irão favorecer a formação de uma rede múltipla, com destaque para a regionalização, mas sem as prejudicantes dependências políticas localizadas.

Finalizo com Rodrigo Murtinho de Martinez Torres e seu estudo preliminar sobre as múltiplas configurações das televisões públicas no Brasil, quando conclui que elas estariam "fragilizadas e dependentes de um Estado omisso, dirigidas por governos comprometidos com as políticas neoliberais e contaminados por práticas clientelistas", e completo de vez com a seguinte frase dele, que aplico ao caso aqui da TV Brasil:

"Trabalhamos com a hipótese de que, diante da falta de políticas públicas para o setor, associada ao esvaziamento político da sociedade civil, as TVs públicas (brasileiras) buscam modelos de gestão, financiamento e de programação semelhantes às TVs comerciais."

É o que eu tinha a dizer. Obrigado.