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Para onde vão os humorísticos?

Um bom exercício para a compreensão de alguns aspectos das mazelas da TV brasileira hoje é imaginar como serão os programas de humor no dia em que o brasileiro deixar de achar graça no preconceito. São poucas as exceções – se elas realmente existem –, entre os humorísticos, de espaços que não sejam apelativos e não abusem do uso de piadas preconceituosas e abusivas, sejam de cunho racial, sexual ou social. O trocadilho, o duplo sentido, virou sinônimo de humor. O gênero que ajudou a construir e consolidar a televisão no país virou samba de uma nota só. Então, gays, pobres, negros ou caipiras são inestimáveis fontes desse tipo de conteúdo.

Em 2008, o programa Custe O Que Custar (CQC), da TV Bandeirantes, foi celebrado como uma alternativa no gênero humorísitico pela sofisticação do humor, conotação social e acidez na crítica política. Alguns de seus repórteres chegaram a ser barrados no Congresso Nacional pelos incômodos que suas perguntas causaram aos deputados e senadores da casa. Foi a boa notícia de 2008. Mas eis que, neste 2009, na segunda temporada da atração, o CQC mostra tendência a cair na vala comum, da repetição, da estereotipagem e da piada pronta, ainda que se revele bem acima do global Toma Lá Dá Cá, pior ainda neste seu segundo ano de exibição, antecipando sua saída da programação para breve.

Velhos estereótipos

Há uma vala comum que inclui o pior do humor no Brasil, onde despontam Zorra Total e Casseta e Planeta, ambos da Rede Globo, Pânico na TV, da RedeTV!, e A Praça é Nossa, do SBT. Por que estão eles entre os piores? Acima de tudo, devido à linguagem, tanto visual como verbal, que é sempre a mesma. As piadas se repetem e com isso o público ri cada vez menos. A oferta escassa de humorísticos e o círculo vicioso da pouca qualidade são fatores que têm perenizado no ar muitas das atrações referidas, sejam elas de nível constrangedor ou não. Depois, transparece que não é possível fazer humor sem ser apelativo. Usar palavras de baixo calão, quando não palavrões, virou algo natural, sem nenhum tipo de cuidado por parte dos roteiristas, editores e atores-apresentadores (estes últimos, em seus improvisos).

Mal humor (não confundir com mau humor) à parte, a xenofobia e a homofobia estão longe de ser um problema vencido no Brasil. Como o imaginário da população se constitui majoritariamente do que ela vê na tela, as perspectivas para que sejam vencidos estes problemas parecem deveras longe do alcance da população. É o reflexo de uma sociedade onde, recentemente, uma pesquisa apontou que 45% dos brasileiros reconhecem ter preconceito contra homossexuais. Igualmente é o sintoma de uma sociedade que precisa de cotas para negros na universidade para amenizar uma dívida histórica. Acima de tudo, expressa uma sociedade que ainda não sabe conviver com as diferenças, fenômeno no qual a TV tem grande parcela de responsabilidade, desfilando velhos estereótipos da civilização atrasada, como o negro marginal, o gay afeminado, o caipira ignorante e os padrões de beleza de sempre, só para citar alguns. É um problema midiático-social, pela produção viciada e pela recepção legitimadora dessa forma de fazer televisão.

* Valério Cruz Brittos é professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos.
** Andrei Andrade é graduando em Comunicação Social – Jornalismo na mesma instituição.

Sexismo e preconceitos em série

Afigura-se enorme o grau de sexismo que ronda a próxima disputa eleitoral – em que três candidaturas à Presidência da República, situadas, em gradações variadas, à esquerda do espectro político, podem vir a ser representadas por mulheres: Heloísa Helena (PSOL), Marina Silva (PV) e Dilma Rousseff (PT).

Com mais de um ano de campanha pela frente, três episódios recentes parecem justificar tais temores – sobretudo por, como veremos a seguir, não serem desferidos pelas forças mais conservadoras da sociedade, mas por comentadores culturais mais ou menos liberais.

O primeiro foi a publicação de um post por Marcelo Coelho em seu blog, intitulado "Lina Vieira, Dilma Rousseff", no qual a análise sobre o caso envolvendo as duas figuras públicas limita-se a um contraste sexista entre a "feminilidade de Lina Vieira e a dureza de Dilma". Num episódio que se tipificou, na "grande imprensa", pela inversão do princípio consagrado do Direito segundo o qual o ônus da prova cabe ao acusador, Coelho promove outra inversão: entre acusadora e acusada. Assim, acrescenta miopia política e abordagem tendenciosa a um sexismo à la anos 1950: Lina, após ter sido, segundo ele, "massacrada no Senado por Romero Jucá, líder da base governista", "tornou-se frágil, delicada, do jeito que todo homem espera de uma mulher. Triste e bonito destino".

Machismo proustiano

Não se sabe de onde o cultivado Coelho tirou essa ideia de que "todo homem" espera que uma mulher se torne "frágil e delicada" após ser "massacrada", mas começar pelo Marquês de Sade talvez seja uma boa opção.

Já contra Dilma, o crítico cultural da Folha brada as acusações de sempre: autoritarismo, "ausência de charme", falta de feminilidade – só falta chamar de marimacho. Em relação a Marina Silva, Heloísa Helena e Marta Suplicy, ele pergunta, em tom de acusação: que mulheres são essas?

Sob o pretexto de responder à pergunta-acusação, elenca preconceitos em série: Heloísa Helena, embora "pudesse ser atraente", "representa, na verdade, a mesma dureza que Dilma encarna, numa versão mais burguesa. Por que, indago, não ser simplesmente uma mulher?" É mais uma das muitas platitudes chauvinistas de um texto recheado de pérolas do tipo "o grande problema de uma mulher combativa é o de não parecer histérica" e no qual a inclusão inexplicada de Marta Suplicy – sobretudo se analisada face à exclusão de qualquer outra política da direita nacional (algumas com maior evidência do que a petista), como Yeda Crusius, Roseana Sarney, Rosinha Garotinho ou Kátia Abreu – é significativa das antipatias político-ideológicas do colunista, que ao sexismo vêm se somar.

A grosseria maior de Coelho é direcionada a Marina Silva, que segundo ele não tem nenhum charme e contra a qual, como um machão de pornochanchada dos anos 1970, comete a agressão suprema de afirmar que ela "não é desejável sexualmente". Educação refinada, a do moço.

Embora Coelho tenha tido, ao menos, a decência de, com rapidez e de forma clara, sem subterfúgios, reconhecer que errou e pedir desculpas – procedimento raríssimo nas cercanias da Alameda Barão de Limeira –, fica a pergunta: que ódios tamanhos teriam levado um crítico cultural de autoproclamados laivos proustianos, da melhor estirpe uspiana, que sempre se caracterizou por análises equilibradas e detalhadas, a descer tão baixo?

Liberais chauvinistas

O segundo episódio deplorável veio à tona através de um tweet [mensagem de no máximo 140 caracteres transmitida via Twitter] enviado, na segunda-feira, 24/08, às 23:09h, pelo jornalista Jorge Pontual: "Se você receber um email intitulado `Fotos nuas de Dilma Rousseff´, não abra! Pode realmente conter fotos de Dilma Rousseff nua."

O impacto, capilarizado pelo efeito-cascata do Twitter, foi grande, para o que contribuiu o contraste entre a imagem vendida pelo correspondente da Globo em Nova York – que busca associá-lo à urbanidade e ao liberalismo – e uma piada tão infame e sexista.

Pode-se argumentar, como exercício de defesa, que Pontual provavelmente agiu por ingenuidade: achou a piada engraçada e resolveu divulgá-la, achando que o máximo que provocaria seria um ataque de risos – sem se dar conta nem da temperatura da disputa pré-eleitoral nem do conteúdo machista derrisório à imagem de qualquer mulher – quanto mais de uma candidata popular – imediatamente detectado por parte dos seguidores de Pontual na rede. Porém, por mais que a dinâmica própria do Twitter faça com que uma mensagem não se circunscreva necessariamente ao âmbito da representação "institucional’ (leia-se, "jornalista da Rede Globo") e ceda espaço à expressão do universo pessoal, uma declaração dessas atinge, a um tempo, o ser humano e o jornalista enquanto profissional – pondo em questão, ante parcela do público, tanto sua imparcialidade para lidar, de agora em diante, com tudo que se refira à candidata em questão, quanto, de forma mais ampla, seu sistema de valores enquanto mediador de sentidos (inclusive morais) para milhões de telespectadores.

A demora em se retratar e, sobretudo, a arrogância implícita não apenas em seu pedido de desculpas (que, debochando de Aloízio Mercadante, afirma que "trata-se de decisão irrevogável" não mais divulgar mensagens do tipo), mas nos tweets seguintes – orbitando em torno das temáticas da sexualidade e da repressão – angariou mais reações contrárias.

Como apontou a blogueira Marjorie Rodrigues, não passaria pela cabeça de ninguém ridicularizar publicamente a masculinidade de José Serra (e nem de Lula, acrescentaria eu para "despartidarizar" a questão). Para além do fato de a masculinidade dos candidatos estar a salvo dos questionamentos da imprensa – o que, como se sabe, não ocorre com as mulheres que se candidatam –, talvez seja prudente enfatizar que o machismo socialmente arraigado no Brasil vai bem mais longe.

A masculinidade dos principais políticos, se heterossexuais, tende a só ser tematizada se sob viés positivo (já em se tratando de homossexuais, o machismo tende a dar lugar à homofobia). Isso fica evidente, por exemplo, na recorrente abordagem do comportamento de Aécio Neves, sobre quem há toda uma boataria quanto ao seu currículo sexual ("As loiras do Aécio", como se lê jocosamente nas colunas sociais), expressiva dessa forma particularmente curiosa de machismo que é o orgulho pela conquista alheia. É precisamente essa assimetria no tratamento da questão de gêneros que a aparentemente ingênua piada sobre Dilma "twitada" por Jorge Pontual a um tempo oculta e repisa.

O machismo feminino

O terceiro e último fato sexista da semana foi a inacreditável coluna em forma de blog de Ruth de Aquino em Época, intitulada "Abaixa esses dedos em riste, Dilma". O tom imperativo do título é um indicativo da truculência verbal que está por vir – truculência esta que Aquino acusa em Dilma Rousseff, como parte dos esforços para "colar", pela enésima vez, o rótulo de autoritária na pré-candidata do PT. Dessa vez, até um expert é chamado para dar bases pseudocientíficas à operação.

A coluna é de uma baixeza e de um ódio figadal que a tentativa de afetar imparcialidade soa não apenas canhestra, mas parece evidenciar ainda mais a má-fé. A colunista distorce os dados relativos às pesquisas de intenção de votos em Dilma, pintando, a partir dessa leitura distorcida, um quadro político-eleitoral inverossímil, baseado sempre no "ouvi-dizer", sem citar uma única fonte passível de checagem; acusa, por vias transversas, Dilma de mentirosa por, entre outras coisas, ela ter negado o encontro com Lina (como se esta tivesse produzido uma prova sequer de que ele de fato ocorrera); e, por fim, apresenta até "informações" equivocadas (como a de que a ministra não teria concluído o mestrado, quando na verdade o fez; o que ela não concluiu foi o doutorado).

Mas o pior é a crítica sexista que domina o artigo, perpetuada através do contraste da figura de Dilma com uma imagem idealizada do feminino como docilidade e "bons modos" – como se estivéssemos em plena Inglaterra vitoriana. Para tanto, Aquino utiliza-se de uma série de fotos que captam flagrantes ocasionais de Dilma apresentando-se em público, sem apresentar a mínima contextualização e imbuindo-as de uma significação predefinida de um modo tão tosco que uma criança que nunca ouviu falar em análise do discurso desconstruiria tal leitura em poucos segundos. Assim, para tentar reforçar a pífia argumentação, a colunista chama um "psicanalista", Francisco Daudt.

Daudt é aquele mesmo que, no dia posterior ao acidente com o avião da TAM em Congonhas, declarou à Folha de S.Paulo que "gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, `Governo assassina mais de 200´". Ou seja, demonstra não ter nem equilíbrio emocional nem isenção política para opinar no caso (o que as investigações sobre o acidente comprovaram, desmentindo-o). Trata-se de mais um desses pseudo-experts sempre à disposição da mídia para referendar seus ataques de baixo nível.

Trechos da entrevista falam por si:

** "Dilma fez plástica porque a cara que ela tinha antes da plástica era assustadora, era a cara de uma pessoa agressiva, autoritária, impositiva, de dar medo" – alguma coisa dr. Daudt e Danuza Leão têm em comum, como se vê.

** Pergunta: "O que representa esse dedo erguido, a mão crispada?" Resposta: "Há vários tipos de dedo em riste (…) O dedo cujas costas da mão estão viradas para o interlocutor, enquanto os outros estão fechados, é um gesto stalinista, reflete o desejo de impor uma opinião (…) O dedo erguido é quase um lembrete: olhe, a anágua está aparecendo."

Armadilhas de gênero

Como essa "taxonomia do dedo" de ares lombrosianos, exata em sua cientificidade e fina em sua expressão, demonstra com brilho, o artigo de Aquino é um engodo. Serve, porém, como um alerta para as armadilhas das questões de gênero, com o ataque sexista mais pesado à Dilma vindo da lavra de outra mulher, uma semana após a coluna extremamente agressiva escrita por Danuza Leão.

A leitura do texto da colunista da Época, contrastada à relativamente alta audiência do blog, choca como retrato da dieta "cultural" a que é submetida uma legião de leitores – e, no caso de Aquino, de leitoras, sobretudo –, inocentes do produto de baixo nível que lhes é oferecido e, não poucos, como se lê nos comentários abaixo do texto da colunista, crentes que aquilo é bom jornalismo.

Por fim, convém lembrar que Aquino, responsável por um texto ética e jornalisticamente tão abaixo do nível mínimo que se espera de um produto associado a uma grande revista semanal, é nada menos do que a diretora da revista Época no Rio. Numa triste ironia, trata-se de uma mulher que se alçou a uma alta posição ocupada majoritariamente por homens – realizando, assim, um dos objetivos básicos do feminismo de resultados –, mas que se utiliza de sua posição para desferir ataques sexistas e infundados à candidata presidencial com mais chances, na história do Brasil, de ser a primeira mulher a assumir a presidência.

* Maurício Caleiro é jornalista, cineasta e doutorando em Comunicação pela UFF.

Regras eleitorais: Decisões próximas do ridículo

Comentário para o programa radiofônico do OI, 3/9/2009

Os jornais vinham acompanhando sem muito empenho os debates e a votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sobre as novas regras eleitorais, por meio das quais os parlamentares tentam pela primeira vez regulamentar o uso da internet em campanha política. Longe dos olhos da opinião pública, os deputados haviam enfiado no projeto de reforma uma série de medidas que, na prática, tentam equiparar a internet ao rádio e à televisão, que têm o conteúdo monitorado durante o período da campanha.

Do jeito que chegou ao Senado, a proposta aprovada na Câmara proibia, por exemplo, a divulgação de charges e comentários em sites e blogs durante os três meses da campanha – que começa oficialmente no dia 5 de julho do ano que vem.

Os relatores das comissões do Senado, Marco Maciel e Eduardo Azeredo, deixaram passar a tentativa de controle, sob os olhares pouco interessados da chamada grande imprensa. Somente no final da quarta-feira (2/9), depois que o assunto já provocava muita indignação de internautas e de alguns juristas, os senadores começaram a se manifestar contra a proposta e a decisão acabou sendo adiada para a semana seguinte.

Livre de controles

Durante os debates, ficou muito claro que Maciel e Azeredo andaram tomando decisões sobre assunto que desconhecem. O senador do PSDB, por exemplo, chegou a declarar que o YouTube deveria seguir as mesmas regras da televisão. Só não explicou como a Justiça Eleitoral iria proibir alguém de montar um site no exterior e postar vídeos a favor ou contra determinado candidato.

No meio dos debates, quando finalmente o tema começou a agitar o Senado e atrair maior atenção dos sites jornalísticos, foi divulgado o resumo do julgamento da Lei de Imprensa no Supremo Tribunal Federal. No texto, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, deixa claro que a internet deve ser considerada "território virtual livremente veiculador de idéias, debate, notícia e tudo mais que se contenha no conceito essencial da plenitude da informação jornalística".

O processo de impor restrições à internet foi interrompido. Mas o assunto está longe de ser encerrado e o Congresso Nacional andou beirando o ridículo.

O Brasil tem quase 70 milhões de usuários de internet, e os brasileiros são os mais ativos nas chamadas redes sociais virtuais. Assim, é natural que políticos conservadores, habituados a controlar seus currais eleitorais, temam os resultados de uma eleição na qual as escolhas não ficarão restritas à influência do rádio e da televisão.

Lembre-se o leitor(a) atento(a) que muitos parlamentares são donos de concessões de rádio e TV, e que a imprensa tradicional nunca colocou esse tema em debate público; tem sido cúmplice dessa ilegalidade.

Quando o desenvolvimento tecnológico coloca à disposição da sociedade um meio amplo, livre de controles, os parlamentares tentam inventar uma forma de restringir seu uso. Sob o olhar distraído da imprensa.

Candidatos a censores

Os candidatos a controladores da internet seguem ativos no Congresso, mas na quinta-feira (3/9), pela primeira vez, os jornais dedicam à mini-reforma eleitoral um espaço adequado. O tema deve ir à votação no começo da semana que vem, e não se pode adivinhar o que vai sair da cabeça dos legisladores, mas alguns ensaios de liberalização já começaram a aparecer.

Uma das propostas consiste em agilizar o direito de resposta, que teria de ser garantido no prazo máximo de 48 horas após a inserção de conteúdo considerado ofensivo a algum candidato. Além disso, a correção poderá ficar no ar por pelo menos o dobro do tempo em que ficou exposto o conteúdo ofensivo.

A proposta aprovada na quarta-feira (2) pelas comissões de Constituição e Justiça e de Ciência e Tecnologia do Senado é um primor de conservadorismo e uma clara demonstração de que os integrantes dos dois comitês caminharam ao largo dos direitos essenciais de acesso à informação.

Além disso, pelas declarações com as quais tentaram se justificar, fica claro que além de não serem muito entusiasmados com o livre debate de idéias, também estão muito longe de entender o que são os novos meios de comunicação em rede.

Mas o que mais chama atenção do observador é o fato de que os chamados grandes jornais demonstram surpresa com os pareceres aprovados nas duas comissões.

A solução encontrada para remediar a situação foi tentar aprovar uma emenda no plenário revogando os itens que representam censura aos meios online. Mas nada garante que não acabe passando um monstrengo sem sentido. Ainda corremos o risco de ter uma lei que tentará submeter a controle aquilo que nasceu para ser livre.

CCS: Pouca democracia e muitos atrasos

O segundo semestre de 2009 já está em pleno transcurso e o Conselho de Comunicação Social (CCS) permanece um órgão consultivo fantasma. Depois de mais de uma década de descaso do Senado Federal para sua instalação (implicando o descumprimento da Constituição Federal, em seu artigo 244), o Conselho sofreu novo ataque por parte dos parlamentares, na medida em que, ao não ter seus novos conselheiros nomeados, está inoperante, o que efetivamente não desagrada aos parlamentares, já que, por insegurança e temor de seu potencial, nunca viram com bons olhos tal colegiado.

O atraso na instalação do CCS, como é sabido, foi devido ao desinteresse do Legislativo em criar um espaço no âmbito parlamentar que debata os meios de comunicação social, embora seu poder não seja deliberativo. Sua instalação não era e não é de interesse das grandes empresas de radiodifusão, as quais sempre tiveram uma grande força de negociação direta no Parlamento, com um poder de barganha muito forte no processo de conformação das normativas legais que regulamentam a comunicação social no Brasil (e não é por outro motivo que não se engajaram verdadeiramente na realização da Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom).

Retrospecto desfavorável

No entanto, mesmo com poderes limitados, sendo consultivo, o Conselho, por si só, já representou um lugar a mais para a discussão de temas midiáticos, enquanto esteve em operação. Questões relevantes para a comunicação industrial brasileira, como, por exemplo, a concentração da mídia e a televisão, em particular, foram levantadas no CCS, sempre algo importante num país que tende a tratar as comunicações como algo privado, apesar de sua enorme dimensão pública. Ao mesmo tempo, deve ser registrado, como ponto negativo em sua curta existência, que o Conselho teve uma maioria de conselheiros ligados às empresas de radiodifusão, principalmente nas cadeiras destinadas à representação da sociedade civil.

Desde 2005 o CCS vem em constante declínio, resultado de seu esvaziamento, chegando ao ponto de não ter sequer tido uma única reunião em 2007, o mesmo ocorrendo em 2008 e 2009, só que, piorando a questão, nesses dois últimos anos porque seus conselheiros não foram indicados pelo Senado Federal. Um retrospecto que não permite um bom horizonte, em curto prazo, considerando a crise interna daquela Casa e que 2010 será um ano eleitoral.

Abrigo da pluralidade

O CCS tem potencialidade para configurar-se em uma ferramenta de suporte a debates envolvendo os meios de comunicação, abordando principalmente a pauta atual, com foco na digitalização da televisão brasileira e o funcionamento da TV Brasil. Mesmo sem poderes de deliberação quanto à criação e expressão do pensamento e da diversidade sócio-cultural, este instrumento poderia representar um ambiente fomentador do debate sobre aparatos legais que sirvam à regulamentação do cenário midiático e à seguridade quanto aos preceitos básicos da comunicação inseridas no Capítulo V da Constituição Federal.

Com um organismo dotado de diretrizes específicas e efetivas, como tende a existir nos países desenvolvidos, em diversos formatos, haveria um contraponto para a lógica de mercado proposto pelos empresários de mídia, ainda que o CCS seja demarcado pela contradição, assinalado por injunções públicas e também privadas. Na verdade, lócus como o do Conselho devem se constituir em abrigo da pluralidade, nesse sentido somando aos preceitos estabelecidos na Constituição de 1988.

ANJ: A condenação seletiva da censura

Em solenidade na qual comemorou seus 30 anos de fundação, na semana passada, em Brasília, a Associação Nacional de Jornais apresentou uma relação com 31 casos de censura à imprensa praticados nos últimos 12 meses no Brasil, sendo 16 decorrentes de decisão judicial. O levantamento podia ser considerado completo ou, pelo menos, satisfatório, se não tivesse omitido a censura judicial imposta ao Jornal Pessoal, quinzenário que edito em Belém do Pará há 22 anos, pelo juiz da 4ª Vara Cível do fórum de Belém, Raimundo das Chagas Filho, no dia 6 de julho.

O juiz Raimundo das Chagas deferiu a ação de indenização por dano moral proposta em setembro de 2005 por Ronaldo Maiorana e Romulo Maiorana Júnior, donos do grupo Liberal, a maior corporação de comunicações do norte do país, afiliada à rede Globo de Televisão. O juiz condenou o Jornal Pessoal a indenizar os dois empresários, por pretensa ofensa à memória de seu pai, em 30 mil reais, mais honorários advocatícios arbitrados pelo máximo legal (20% do valor da causa) e custas judiciais. O valor corresponde a um ano e meio de faturamento bruto do Jornal Pessoal. Recorde-se que pena semelhante aplicada a O Estado de S. Paulo por magistrado do Distrito Federal foi de 150 mil reais, em iniciativa que provocou o justo protesto da ANJ.

Para estabelecer o valor, o juiz disse que meu jornal, que circula com tiragem de 2.000 exemplares, 12 páginas em formato ofício e não aceita publicidade, vendendo apenas em bancas e livrarias, tem alto lucro, sobretudo por vender muito entre estudantes. Não há qualquer base de cálculo nos autos nem o juiz requereu perícia que fundamentasse sua decisão. Como tudo na sentença, ela é arbitrária.

O titular da 4ª Vara Cível também impôs ao Jornal Pessoal publicar carta dos autores da ação, em respeito ao direito de resposta. Só que nenhuma carta foi juntada aos autos, o que, evidentemente, torna inexeqüível a determinação, nem ela pode ser ainda suprida, já que o processo foi encerrado pela sentença de mérito.

Direito e verdade

Em outra tutela inibitória, o juiz impôs ao Jornal Pessoal a proibição de qualquer tipo de referência aos autores da ação, embora, na petição inicial, eles tivessem requerido o acautelamento apenas para a memória do pai, o que caracteriza a violação à regra processual de que o julgador não pode conceder o que não foi pedido.

Já suscitei a suspeição do magistrado através do devido recurso, além de ter-lhe embargado a sentença. Representarei contra ele ao Conselho Nacional de Justiça na próxima semana.

Diante da gravidade desse caso de censura, qualquer levantamento sobre a violação do princípio constitucional que proíbe a censura de periódicos no Brasil deixará de ser sério se excluir a violência praticada no dia 6 de julho pelo juiz Raimundo das Chagas Filho. Poderá sugerir uma moral de má inspiração: de que a ANJ coloca o espírito corporativo acima da defesa de um dos princípios constitucionais que sustenta o edifício democrático, que é a liberdade de imprensa. Atenta para combater a insidiosa censura que se espraia pelo país em pleno regime democrático, fecha os olhos para a violação patrocinada por um associado, como o jornal O Liberal.

No dia 20 de agosto escrevi uma carta ao vice-presidente da ANJ e responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão entidade, Júlio César Mesquita, pedindo-lhe para rever a lista dos 31 casos de censura à imprensa divulgada pela associação e nela incluir, por ser de direito e de verdade, o caso do Jornal Pessoal. Aguardo sua manifestação.

Exceção da verdade

Quase aos 60 anos de idade, sou jornalista profissional há 43 anos, 18 dos quais em O Estado de S.Paulo (1971-1989), minha mais longa e mais importante experiência na grande imprensa.

Há 22 anos edito, sozinho, o Jornal Pessoal, quinzenário que coloquei em circulação em setembro de 1987, em Belém do Pará. É a mais duradoura das publicações da imprensa alternativa brasileira, com a singularidade de ser feita por uma única pessoa, viver exclusivamente da venda avulsa e ter formato pobre, quase artesanal. Mesmo assim, recebeu prêmios internacionais por sua qualidade e é considerada uma fonte de referência sobre temas amazônicos. Tudo em função da sua seriedade, da sua devoção quase missionária à rigorosa e exata apuração dos fatos, o que possibilita ao meu jornal um título que muito o honra: o de jamais ter sido desmentido. Mesmo os que divergem do jornal reconhecem sua seriedade e sua competência no trato dos temas da sua pauta.

Justamente por isso, o Jornal Pessoal tem sido muito perseguido, por aqueles que não aceitam a divulgação dos seus desvios, como disse o João Roberto Marinho, ao discursar na solenidade comemorativa aos 30 anos da Associação Nacional dos Jornais. Meu jornal incomoda não por mentir ou ofender as pessoas, mas por dizer a verdade. O texto bíblico assegura, com razão, que a verdade liberta. Mas há pessoas no nosso país que não toleram a liberdade. Daí porque, desde 1992 até hoje, fui processado 33 vezes no fórum de Belém e condenado cinco vezes, sem que, entretanto, tenha perdido minha condição de réu primário porque as sentenças não foram executadas.

Desses 33 processos, 19 são de autoria de três irmãos, filhos de Romulo Maiorana, fundador do grupo Liberal, que é associado da ANJ, 14 dos quais propostos em juízo depois que um deles, Ronaldo Maiorana, diretor editor-corporativo do jornal O Liberal, me agrediu fisicamente, em 21 de janeiro de 2005. A agressão, perpetrada pelas costas, com a cobertura de dois policiais militares, que funcionavam como seguranças particulares do agressor, teria sido uma reação do referido cidadão a um artigo publicado no Jornal Pessoal, por ele considerado ofensivo.

Apesar dessa alegação, observa-se que os autores das ações (cinco delas cíveis e 14 penais, com base na extinta Lei de Imprensa) jamais contestaram as matérias do Jornal Pessoal em seus próprios veículos de comunicação, de audiência incomparavelmente maior, e nunca exerceram o direito de resposta. Preferiram propor de imediato as ações na justiça, confinando as questões controversas aos autos dos processos. Mesmo nesses processos, porém, nunca demonstraram a intenção de apurar os fatos, já que não comparecem às audiências designadas, embora sendo seus autores, o que é fato inédito. Em dois dos processos, recorrendo à exceção da verdade, demonstrei cabalmente que todos os fatos por eles contestados eram procedentes, apresentando as provas deferidas, acolhidas e reconhecidas pelo juiz do feito. Todos fatos de interesse público, relacionados à imprensa. Nada com a vida privada dos cidadãos.

Litígio judicial

A intenção, sobretudo após a agressão covarde, tanto mais grave porque o agressor é advogado e preside a comissão em defesa da liberdade de imprensa da OAB do Pará, é nítida: acabar com o Jornal Pessoal. Os donos do grupo Liberal, associado da ANJ, usam plenamente seu direito de informação e opinião em relação a tudo e a todos, mas não aceitam serem incluídos na agenda dos cidadãos, como se constituíssem categoria especial. Nem se preocupam com o debate público, em esclarecer a sociedade, apresentando suas razões em contraposição aos relatos do meu jornal. Simplesmente querem punir o jornalista que ousou não se submeter às suas vontades e caprichos.

A perseguição judicial ao Jornal Pessoal completará, no próximo mês, 19 anos. Não sei de jornalista que já tenha sido tão processado por uma empresa jornalística, como eu tenho sido pelo grupo Liberal. Inusitadamente, essa corporação jornalística abre mão da sua competência específica, que é a informação, partindo diretamente para o litígio judicial, nada dizendo em seus próprios veículos sobre as supostas ofensas recebidas, através da imprensa, nem se defendendo no âmbito do veículo tido como ofensor. [Belém (PA), 26 de agosto de 2009]