A leitura do relatório da conselheira Emília Ribeiro sobre a questão do Planejamento de TV por Assinatura mostra dois aspectos importantes: primeiro, o tamanho do problema político-regulatório sobre o qual a Anatel está debruçada. Segundo, a força que a Lei de TV a Cabo, de 1995, tem e que continuará tendo sobre qualquer processo de decisão que envolva o mercado de cabo.
A mudança do planejamento está em debate desde abril de 2002, tendo passado, desde então, por nada menos do que duas consultas públicas, analisada por sete conselheiros relatores, passou oito vezes pela análise da procuradoria jurídica da Anatel e resultou na elaboração de sete informes da área técnica, isso sem contar a medida cautelar de maio deste ano que, finalmente, propôs a suspensão total do planejamento. O curioso é que ao longo de todo o arrazoado sobre as idas e vindas do processo que visa rever o planejamento, existe apenas uma referência à manifestação do Ministério das Comunicações sobre o tema, ocorrida em 2005. Ou seja, desde 2002, o setor de TV por assinatura praticamente não foi objeto de preocupação em termos de orientação política do governo. Em se tratando de um assunto em que interesses conflitantes aparecem do lado de setores poderosos como o de radiodifusão e o de telefonia, fica claro que a maior dificuldade de levar adiante a abertura do mercado de TV paga talvez tenha sido, em essência, de natureza política. E fica claro também que muitas das decisões tomadas pela agência até aqui foram decisões de natureza muito mais política do que técnica.
Assunto decidido
A conselheira inicia a análise de seu voto dizendo que o conselho diretor já decidiu sobre o tema ao expedir a cautelar que suspendeu o planejamento. “Forçoso reconhecer, nesse sentido, que a partir da referida decisão, o Conselho Diretor antecipou a deliberação do processo ora examinado, traçando os contornos do Planejamento dos Serviços de TV a Cabo e MMDS e as diretrizes para sua outorga, e ratificando, em última instância, a proposta de se eliminar em todas as áreas de prestação de serviço, de forma imediata, a restrição do número limitado de operações”, diz a conselheira.
Emília relata que a própria área técnica já considera que essa será a posição final do conselho: “A expectativa é de que o novo planejamento (…) seja aprovado com a sugestão de eliminação do número de prestadores por áreas de prestação, visando dar maior dinamismo no setor”, disse a superintendência de comunicação de massa em um despacho interno.
A análise que se segue, contudo, procura demonstrar que existem, nas inúmeras manifestações das áreas técnica e jurídica da Anatel ao longo de todos esses anos em que o processo está em andamento, e também nas manifestações do Tribunal de Contas da União, posições antagônicas sobre aspectos fundamentais, como a possibilidade de entrada das teles, limites ao número de outorgas e o preço a ser cobrado.
Limites de outorgas
Uma das posições mais importantes da análise da conselheira Emília Ribeiro é a de que a lei específica, a Lei do Cabo, prevalece em caso de conflitos sobre a Lei Geral de Telecomunicações. Daí que o serviço de TV a cabo, por força de lei, não pode ser analisado e interpretado como um simples serviço privado de telecomunicações, cuja distribuição de outorgas pode ser feita irrestritamente. Essa foi a leitura também do TCU. Nesse sentido, argumenta o voto da conselheira, o regulamento e a norma do cabo, que regulamentam a lei, precisam ser levadas em consideração, e eles estabelecem claramente “a discriminação das áreas de prestação do serviço, de acordo com a viabilidade econômica da operação, e o número de concessões a serem outorgadas em cada área”.. Daí a necessidade de realização de estudos econômicos para estabelecer estes limites.
Sobre o argumento de que não há razão técnica que imponha limites ao número de outorgas, a ponderação da conselheira Emília Ribeiro é que não houve, nos últimos anos, nenhuma mudança tecnológica que mudasse substancialmente a interpretação que foi feita em 1997, quando o regulamento do Cabo, publicado por decreto da presidência da República, a Norma do Cabo, editada pelo Ministério das Comunicações e o Planejamento de TV por Assinatura, também elaborado pelo Minicom, estabeleceram a necessidade de limites de outorgas por área. “Nesse sentido, um aspecto fundamental a ser considerado é justamente a ausência, no âmbito do presente processo, de estudos econômicos que, a exemplo daqueles que suportaram a elaboração do planejamento ora cautelarmente suspenso, sustentem a participação de um número ilimitado de prestadoras no mercado de TV a cabo e, consequentemente, a inexigibilidade de licitação para novas outorgas”. Além disso, diz o voto da conselheira, a Lei do Cabo estabelece os princípios da rede única e rede pública, que prevê o compartilhamento de redes e esforços que evitem a sua duplicação.
Preço
Em relação à questão do preço da outorga, a conselheira Emília Ribeiro, em seu parecer, destaca que houve, em diferentes momentos, diferentes manifestações da área técnica, ora sugerindo uma cobrança baseada no faturamento da operadora, ora sugerindo a cobrança de preço administrativo. Diante de posições conflitantes, a conselheira fica com uma delas: a de que se considere “todos os investimentos, custos operacionais, administrativos e tributários, receitas operacionais e acessórias, reinvestimentos, que considera inclusive, os perfis de diferentes mercados locais”, ou seja, não é possível definir, de antemão, que o preço administrativo será a melhor solução. Este assunto é objeto de um processo específico em trâmite na agência, relembra a conselheira.
Teles
Por fim, sobre a possibilidade de entrada das teles no setor de cabo, a conselheira relata as diferentes manifestações técnicas e jurídicas que reforçam a leitura da Lei do Cabo de que as concessionárias de telefonia só podem entrar em caso de “desinteresse manifesto de empresas privadas, caracterizado pela ausência de resposta a edital relativo a uma determinada área de prestação de serviço”. Para a conselheira Emília Ribeiro, “é nosso entendimento que a prestação do serviço de TV a cabo por concessionária de STFC, suas coligadas, controladas ou controladoras, só seria possível após verificação da inexistência de outros interessados, respeitando a norma de preferência prevista na Lei de TV a Cabo”. Como ela não admite de antemão a hipótese de um número ilimitado de operadores, essas condições teriam que ser verificadas caso a caso.
Com base em tudo isso, a conselheira recomenda a área técnica que refaça os estudos técnicos para analisar o número de outorgas por região, bem como proponha mecanismos que assegurem o compartilhamento de infraestrutura e, por fim, que a questão do preço seja definida em processo específico já em curso.