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Lixo em estado puro

Vamos criar uma igreja e deixar de pagar impostos? A manchete da Folha de S.Paulo de domingo (29/11) foi a mais comentada dos últimos tempos. Nem parecia ser o mesmo jornal que dias antes, na sexta-feira, produziu um lixo jornalístico dos mais repugnantes e que desde então está ocupando a seção de cartas dos leitores quase inteira.

A propósito da estréia do filme “Lula, o filho do Brasil”, a Folha publicou um depoimento do seu colunista Cesar Benjamin, dissidente do PT, a propósito de um comentário cabeludo feito há 15 anos pelo então candidato à presidência Lula da Silva (FSP, 27/11, pág. A-8).

Como foi constatado no dia seguinte, o comentário foi efetivamente feito mas em tom de troça, conversa de fim de expediente. A Folha rasgou e tripudiou sobre todos os seus manuais de redação, pisoteou 20 anos de trabalho dos seus ouvidores ao aceitar como verdadeira uma fofoca estapafúrdia sem qualquer diligência sobre a sua veracidade.

Não foi desatenção, erro involuntário, tropeço de um redator apressado: a Folha reservou uma página inteira para que o colunista contasse a sua saga nos cárceres da ditadura iniciada quando contava apenas 17 anos. Seu relato é impressionante, mas de repente, para desqualificar os 30 dias em que Lula passou no xadrez, Cesar Benjamin conta a sua anedota em três enormes parágrafos e com ela fecha o artigo.

Imprensa marrom

À primeira vista, parece mais um golpe publicitário da família Barreto (que produziu o filme), em seguida percebe-se que a denúncia é a vera, fruto de um ressentimento pessoal que um jornal do porte da Folha, que se assume "a serviço do Brasil", não tem o direito de perfilhar.

A direção da Folha simplesmente não avaliou o tamanho do desatino. No dia seguinte, tentou consertar: mancheteou uma de suas páginas com o justo desabafo de Lula classificando o texto como "loucura" (FSP, 28/11, pág. A-10). No domingo, certamente arrependida, a direção da Folha providenciou a evaporação do assunto. Ficou apenas a reprovação do seu ouvidor Carlos Eduardo Lins da Silva.

Tarde demais. Já no sábado (28/11) o Estado de S.Paulo repercutia o episódio com destaque e, no mesmo dia, a Veja já o incorporara à sua edição. O Globo manteve-se à distância desta porcaria.

Se o leitor não sabe o que significa "imprensa marrom", tem agora a oportunidade de confrontar-se com este exemplo – em estado puro – do jornalismo de escândalos e achaques.

* Alberto Dines é jornalista, fundador e editor do Observatório da Imprensa.

Três anos de ilegalidade do CCS

[Título Original: Conselho de Comunicação Social. Três anos de ilegalidade]

Na sexta-feira (20/11), completaram-se três anos que o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, criado pela Constituição de 1988, se reuniu pela última vez.

Regulamentado pela Lei 8.389 de 1991, seus integrantes são eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional. Acontece que a Mesa Diretora, vencidos os mandatos dos conselheiros ao final de 2006, jamais promoveu a eleição dos novos membros. O § 2º do artigo 4º da Lei é claro:

Art. 4° O Conselho de Comunicação Social compõe-se de:

(…)

§ 2° Os membros do conselho e seus respectivos suplentes serão eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, podendo as entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX deste artigo sugerir nomes à mesa do Congresso Nacional.

Trata-se, portanto, de evidente descumprimento da lei por parte do Congresso Nacional, exatamente o poder que tem o dever constitucional maior de criá-las e, espera-se, deveria cumpri-las.

A situação chegou a tal ponto, que um integrante do próprio Congresso Nacional, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), em agosto passado, entrou com uma representação na Procuradoria Geral da República para que o Ministério Público investigue os motivos pelos quais não se promove a eleição dos novos membros do Conselho de Comunicação Social.

Triste história

Ao longo de 2009, em pelo menos duas ocasiões, tratei dessa questão neste Observatório (ver "Por que o CCS não será reinstalado" e "CCS: o Senado descumpre a lei"). O tema, paradoxalmente, não merece a atenção da grande mídia, apesar de o setor empresarial ter, pelo menos, a metade dos membros do CCS.

Como se sabe, o CCS, regulamentado em 1991, só logrou ser instalado em 2002 – onze anos depois – como parte de um polêmico acordo para aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário para empresários de comunicação. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), de maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital.

O fato é que, mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária etc.

Vencidos os mandatos de seus primeiros integrantes, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião e os novos membros nunca foram eleitos.

Atribuições

Nunca será demais relembrar quais são as atribuições que o CCS deveria estar exercendo se o Congresso Nacional cumprisse a Constituição e a Lei. O artigo 2º da Lei 8.389/91 reza:

O Conselho de Comunicação Social terá como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal, em especial sobre:

a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação;

b) propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social;

c) diversões e espetáculos públicos;

d) produção e programação das emissoras de rádio e televisão;

e) monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;

f) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão;

g) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística;

h) complementariedade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão;

i) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal;

j) propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

l) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;

m) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.

Por que o CCS não funciona?

Repito o que já disse em artigos anteriores. O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal abriga um grande número de parlamentares com vínculos diretos (ilegais?!) com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – insisto, mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Essa é a razão – de fato – pela qual o Congresso Nacional descumpre a Constituição e a lei.

Indefensável é a cumplicidade gritantemente silenciosa da grande mídia e daqueles que nos lembram quase diariamente dos supostos riscos e ameaças que a liberdade de expressão enfrenta no Brasil e em países vizinhos da América Latina.

O funcionamento regular de um órgão auxiliar do Congresso Nacional, composto por representantes dos empresários, de categorias profissionais de comunicação e da sociedade civil, com a atribuição de debater normas constitucionais e questões centrais do setor, não interessa à democracia? Por que, afinal, o Conselho de Comunicação Social não funciona?

Controle social e direitos humanos

A realização da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) tem tudo para ser um divisor de águas sobre essa coisa fugidia e, poucas vezes tocadas, que é o controle público e social da comunicação. Este é o debate essencial, central e inadiável.

Há tempos queria adjetivar algo como essencial, como central, como inadiável. Essencial porque oferece um novo norte nas relações entre produtores e consumidores de informações, de notícias. Central porque evita dispersão para outros temas, também importantes, mas que sugam as energias da sociedade e são meras distrações do que realmente importa. Inadiável porque o Brasil já avançou em muitas áreas.

Vejamos: a população de uma Colômbia saiu da pobreza no Brasil para a influente classe média nos últimos seis anos; o rio São Francisco, não importando seu gigantismo, está mudando seu curso para enterrar séculos da famigerada indústria da seca (e penúria) a enfermar boa parte do Nordeste brasileiro; o Brasil há quatro anos é auto-suficiente em petróleo e descobriu há poucos meses reservas de petróleo no pré-sal em quantidade e valor de mercado jamais imaginados.

A par disso, o Brasil já ocupa a quinta posição de maior mercado para carros no mundo e já é percebido no exterior não como o "eterno" país do futuro a rimar com o verso do Hino Nacional – já tão caricaturado – na famosa estrofe "deitado eternamente em berço esplêndido". Sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, aliados à multiplicidade de cadernos especiais e capas de jornais e revistas influentes mundo afora a gritar em várias línguas que agora é a vez do Brasil… virou lugar comum.

Círculo virtuoso

Mas o que não avançamos – ou, se o fizemos, foi tão timidamente – concerne ao direito dos brasileiros à informação. O acesso às notícias e à produção das notícias. Por que não? Não avançamos, nem residualmente, na definição de critérios legais para publicidade oficial, a fim de promover a pluralidade e diversidade de veículos e impedir seu uso político tanto por governos quanto por meios de comunicação. E temos uma concentração monumental dos meios de comunicação – jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, televisão a cabo, portais na internet – nas mãos uma meia dúzia de felizes empresários. Se essa meia dúzia de famosos sobrenomes se reunir em um restaurante de grife poderíamos dizer que ali estavam reunidos "os donos da mídia no Brasil".

Como os rios correm sempre para o mar e não há como deter essa inclinação natural do mais alto seguir para o mais baixo, constatamos que menos de 10% das verbas de publicidade oficial são dirigidas a veículos de baixa circulação, alternativos e livres. E, mesmo assim, os donos da mídia não perdem a oportunidade para demonizar em seus editoriais e nas penas de aluguel mais vetustas os males de o governo fazer suas publicações em jornais regionais ou locais, em emissoras de rádio paroquiais, em jornais de 3.500 ou 6.000 leitores.

É um círculo vicioso que não demonstra qualquer tendência a um dia vir a ser um círculo virtuoso. E já passa a pautar as novas mídias, as digitais, aquelas antenadas com a tecnologia de ponta. Aquelas do futuro, hoje.

Atenção da academia

Menos de uma década atrás, em dezembro de 2000, o Brasil contava com 9,8 milhões de usuários ativos na internet – de acordo com dados da Rede Nacional de Ensino Pesquisa (RNP), citando o Ibope eRatings e o serviço norte-americano Nielsen/NetRatings –, dos quais 4,8 milhões de usuários ativos (acessaram a internet pelo menos uma vez entre novembro e dezembro daquele ano).

A escassez e o alto custo de linhas telefônicas fixas limitavam o acesso dos internautas. Atualmente o país conta com 62,3 milhões de internautas segundo o Ibope Nielsen Online. Os brasileiros representam 5% do total de internautas do planeta, que já tem 1,6 bilhão de pessoas conectadas. O país supera o total de usuários de internet de todo o restante da América Latina somados. Os números são da consultoria Everis, que, em parceria com a IESE Business School, da Universidade de Navarra, e com base em estatísticas da União Internacional de Telecomunicações, avaliou 44 países.

Neste sentido a Conferência de Comunicação é muito bem-vinda. Daí sua necessidade. É preciso destravar o debate antes mesmo de ter sido iniciado. Os movimentos sociais precisam ser vistos como interlocutores dos meios de comunicação. Não como meros coadjuvantes, mas sim como protagonistas que na verdade são – afinal, o maior tesouro de uma nação é o seu povo, já afirmava o pensador Shoghi Effendi, em 1955. Considero importante dar voz às organizações da sociedade civil que defendem os direitos humanos.

A Conferência de Comunicação poderia também promover a conscientização dos meios de comunicação sobre a relevância de incluir a cobertura dos temas afetos aos direitos humanos em sua atividade jornalística regular, bem como a capacitação dos profissionais que atuam nos meios de comunicação para promover uma cultura de direitos humanos. Com certeza o assunto não pode ficar respaldado apenas na ação governamental via sua Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Não me chamem de lunático por defender que os meios de comunicação considerem a temática dos direitos humanos para ocupar toda uma editoria. Assim como é comum termos editorias específicas para economia, política, esportes, cultura, comportamento, internacional etc., há que se promover parcerias no formato público-privadas visando a criação e a consolidação de cursos sobre o papel da mídia e a sua forma de pautar questões atinentes aos direitos humanos no cotidiano dos brasileiros. E o mesmo precisa ser feito para levar a discussão para os meios acadêmicos. As relações entre direitos humanos e meios de comunicação estão a exigir que a academia pense uma disciplina específica para isso em seus cursos de Comunicação Social.

Mundo a desvendar

Quando penso em direitos humanos não penso em utopias. Posso até ter a cabeça nas nuvens, mas quero os pés bem fincados no chão. São Thomas Morus que me perdoe. Isso me faz refletir que precisamos criar diferentes espaços para que o cidadão possa denunciar veículos de comunicação que violam os direitos humanos ou que induzam à sua violação, reforçando estereótipos racistas, preconceitos de classe, cor, gênero, intolerância e fanatismo religioso.

Na agenda da Confecom poderia constar artigos também de primeira necessidade como ferramentas que mensurem quão comprometidos com os direitos fundamentais da pessoa humana estão os meios de comunicação. Para sentir o chão duro da realidade somente mexendo nos bolsos dos donos da mídia. Que tal propor que a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) considere a inclusão de novo critério quando da aprovação dos meios de comunicação responsáveis pela comunicação institucional do governo?

A novidade seria criar mecanismos para mensurar o engajamento dos meios de comunicação que venham a participar de licitações públicas na promoção e difusão dos direitos humanos, bem como na denúncia de atos e fatos que denunciem os direitos estipulados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Há todo um mundo a desvendar e a democratizar na seara da comunicação. E há que se avançar. É aí que veremos se chegou, realmente, a vez do Brasil.

P.S.: Na quinta-feira (19/11), às 9h, no Plenário 9 da Câmara dos Deputados, falarei na Conferência Livre de Comunicação sobre o tema "Desafios e possibilidades para a Comunicação", a convite da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

A TV não é boa babá

Este é o estranho título de um documentário produzido peloPanorama, da BBC. Trata-se do mais antigo, e provavelmente o melhor, programa de jornalismo investigativo da TV mundial (ver aqui). No ar desde 1953,Panorama se confunde com a própria história da TV. Sempre com temas polêmicos, nessa edição eles foram investigar os efeitos da própria TV nas crianças inglesas. Um programa como este só poderia ser produzido pela BBC. Tinha que ser uma rede de TV pública de verdade para aceitar o desafio de discutir os possíveis malefícios do meio junto à sua audiência mais fiel, dependente e provavelmente mais indefesa: o público infantil.

OPanorama já era um dos meus programas favoritos quando morava na Inglaterra, nos anos 1970 e 80. É bom saber que a série não só sobrevive como ainda faz um excelente jornalismo investigativo na TV. A velha série da BBC prova que ainda existe TV de alta qualidade no mundo.

No Brasil, assisti aoPanorama no canal GNT da Net. Mas você pode ver o documentário na íntegra aqui.

O título original do programa é "Is TV bad for my kids?" ou "A TV é ruim para os meus filhos?" A equipe doPanorama trabalhou em parceria com o professor Barry Gunter, psicólogo da Universidade de Leicester e especialista nos efeitos da mídia sobre o público. Trata-se do mais longo estudo sobre abstinência de TV jamais realizado no Reino Unido. Sem medo de resultados adversos, a equipe doPanorama buscou a cooperação de especialistas das universidades britânicas para estudar os efeitos da TV na sociedade.

Uma ajuda para os pais

Segundo o relatório do ChildWise Monitor Report Winter 2006-2007 (ver aqui), uma instituição independente que estuda os efeitos da mídia, as crianças inglesas assistem a uma média de três horas de TV por dia. E este é um número bastante alto, considerando o tempo que essas crianças passam na escola ou em atividades essenciais, como se deslocando pela cidade, comendo ou dormindo.

Apesar de ter uma das melhores programações de TV no mundo, a sociedade britânica monitora e investiga os efeitos da TV com interesse e seriedade. Não se trata de meros índices de audiência no Ibope ou pesquisa encomendada para garantir empregos e verbas do governo. Boas pesquisas são caras, trabalhosas e devem ser independentes, mas também podem render bons programas de TV.

O tema do documentário da BBC é simples e ousado. Afinal, o que acontece com o comportamento de crianças de 7 a 8 anos de idade de uma mesma turma escolar quando ficam por um período de duas semanas sem TV, computadores e videogames? O documentário cria as condições e analisa os resultados da experiência original. No final, apresenta alternativas para os pais com filhos dependentes de tecnologias tão poderosas.

É muito estranho – especialmente para nós, brasileiros – assistir a um programa que discute a TV dentro da própria TV. Mais estranho ainda para os leitores da minha geração.

Pertenço à "geração televisão". Nasci nos anos 1950 e fui criado em frente à telinha. Meus pais não tinham muitas opções. Família de classe média, quase pobre, pai e mãe trabalhavam o dia inteiro para manter os filhos longe dos perigos do mundo real. A TV era a grande novidade da época. Todos queriam assistir. Mas a TV também era uma grande ajuda para pais que não podiam conviver com seus filhos ou pagar os salários das babás de verdade.

"Achismo" de quem pensa saber tudo

A TV do passado era algo parecido com a internet de hoje. Assim como nossos jovens hoje "escapam do mundo" e passam horas na rede, a geração dos anos 1950 "viajava" pelas imagens da TV. Era uma janela aberta para um mundo desconhecido, repleto de novidades e aventuras. Um mundo de muitas promessas e oportunidades, mas também repleto de perigos e ameaças. Aos poucos, a TV se firmava como uma babá eletrônica amiga, mas também poderosa e exigente.

Não sei se foi uma babá boa ou má. Mas a TV me fez companhia durante os longos e árduos anos de infância e juventude. Nunca deixei de gostar e de assistir. Mas, pelo menos, fiz daquela paixão ou vício algo mais positivo. Acabei fazendo, ensinando e pesquisando TV.

Sempre tive curiosidade de conhecer mais sobre o meio que ainda fascina, hipnotiza e infelizmente também "vicia" milhões de espectadores. O problema é que pouco se sabe sobre os verdadeiros efeitos da TV. Principalmente em relação ao público infantil. Temos algumas pesquisas superficiais, muitos índices de audiência e muito, mas muito, "achismo" de quem "pensa" que sabe tudo sobre TV. Não há boas pesquisas aprofundadas sobre os efeitos da TV no Brasil. Poucos conseguem os recursos para sair em campo e pesquisar os efeitos da TV na população.

E foi exatamente isso que a equipe doPanorama da BBC resolveu fazer.

Resultados da pesquisa

Três famílias sem TVs, computadores e games durante duas semanas. Parece pouco, mas quem conhece, sabe o tamanho do problema. Na minha casa, nos anos 1950 e 1960, os únicos grandes problemas familiares surgiam quando a TV quebrava. Pode ser coincidência, mas quando a TV parava de funcionar, começávamos a conversar, discutir e brigar. As conseqüências nem sempre eram positivas. A TV mantinha uma paz familiar frágil e provavelmente artificial. A equipe doPanorama procurou também procurou revelar esses mistérios da TV em casa com as famílias e nas escolas, com colegas e professores.

Logo no início do programa, as crianças inglesas descrevem o poder da TV em suas vidas: "Eu não gosto, mas assisto de qualquer maneira. Não consigo desligar a TV". E os pais acrescentam: "A TV acalma as crianças. É como se fosse uma espécie de chupeta". E, diante do assustador desafio da pesquisa – duas semanas sem TV, computadores e games –, eles indicam os possíveis problemas a serem enfrentados pelas crianças: "Eles vão sentir falta". Sobre os efeitos das novas tecnologias na educação, os professores afirmam: "Nossas salas de aula não conseguem competir com os games".

Os pais também relatam os efeitos da experiência:

"Todas as crianças sem TV, computadores ou games mudaram. Mas nenhuma mudou para pior. Elas parecem estar mais calmas. As atitudes mudaram. A TV nos controlava! Agora eles parecem ter mais a imaginação."

"As crianças estão brincando mais entre si. Fazem os deveres de casa sem problemas. O comportamento melhorou. Não precisam da TV para relaxar. Elas não dormem mais assistindo aos DVDs. Vivem brincando. Vivem uma vida normal."

Na sala de aula:

"Tudo mudou". Apesar do curto período da experiência, os professores perceberam o aumento de interesse e concentração de algumas das crianças do grupo pesquisado. E após a pesquisa, em reunião com os pais, as mudanças são discutidas:

"Agora há regras. As crianças só assistem TV após terem feito os deveres escolares. Na parte da manhã, nos dias da semana, eles só assistem aos jornais".

"Retiramos a TV do quarto das crianças".

"Creio que o resultado geral da experiência foi muito positivo. Agora temos menos brigas e damos boas risadas na família".

Enlouquecidas e exaustas

O documentário da BBC teve grande repercussão na sociedade britânica. Gerou fóruns de discussão na internet e provocou reações favoráveis e contrárias dos telespectadores.

Algumas pessoas consideram muito estranho, talvez até mesmo hipócrita, que a TV discuta seus problemas em programas de TV. Mas ainda é indiscutível o poder da TV e das novas tecnologias para controlar as mentes, principalmente das crianças e adolescentes. Essa é uma questão que merece ser ainda mais pensada e discutida no Brasil.

As equipes doPanorama e da Universidade de Leicester também aproveitaram a transmissão do programa para fazer algumas recomendações:

** Pais e filhos se beneficiam da falta da TV, computadores e games;

** As famílias precisam interagir mais com seus filhos;

** Precisam fazer mais coisas com eles;

** Os pais precisam dar mais e melhor atenção a seus filhos.

Mas a palavra final e definitiva ficou com as mães que participaram da pesquisa. Disse uma delas:

"Os resultados foram muito bons. Mas estamos felizes que a experiência vai terminar e as TVs, computadores e games vão voltar. Já estamos enlouquecendo sem a TV. Estamos exaustas!"

Fundo para a radiodifusão pública

Durante o longo processo de negociação envolvendo representantes do Congresso Nacional, dos empresários e da sociedade civil que resultou na redação e aprovação do projeto que se transformou na lei nº 8.977 de 6 de janeiro de 1995 (a Lei do Cabo), um dos pontos polêmicos foi a inclusão dos chamados "canais básicos de utilização gratuita" e, em particular, dos "canais comunitários", abertos para "utilização livre de entidades não governamentais e sem fins lucrativos" [letra g) do artigo 23].

Os setores empresariais venceram parcialmente as negociações e a Lei do Cabo se omitiu inteiramente sobre os recursos para financiar a produção de conteúdo para os canais comunitários.

De onde as organizações da sociedade civil "tirariam" os elevados investimentos necessários para colocar e manter no ar tais canais?

Mais de doze anos atrás, publiquei no jornal O Tempo, de Belo Horizonte (22/1/1997, pág. 8), pequeno artigo escrito com o jornalista Paulino Motter, à época diretor da Fenaj – "TV a cabo e canais comunitários" –, no qual discutíamos a situação dos canais que, dois anos após a assinatura da lei, ainda tentavam "entrar no ar" e, sobretudo, propúnhamos a criação de um fundo público específico, com recursos oriundos, por exemplo, dos leilões para concessões dos serviços de TV a cabo, que viabilizasse a implantação dos canais comunitários.

Tal fundo nunca foi criado e são notórias as imensas dificuldades que até hoje enfrentam os heróicos canais comunitários que funcionam no país – resistindo a se transformarem, direta e/ou indiretamente, em comerciais ou meros retransmissores de programação "cedida" por canais comerciais.

Rádios comunitárias

Três nos após a Lei do Cabo, o Congresso Nacional aprovou também a Lei das Rádios Comunitárias (lei nº 9612/98). Além de seu aspecto restritivo e limitador, a norma não estabelece nenhuma fonte específica de recursos para as fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, que são as únicas entidades legalmente "competentes" para explorar os serviços de radiodifusão comunitária.

E, mais recentemente, quando a lei nº 11.652/2008 criou a EBC – Empresa Brasil de Comunicação, foi criada também a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, mas foram deixados de fora do financiamento desses recursos tanto os canais comunitários como as rádios comunitárias.

PL nº 6087/2009

Às vésperas da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, a criação de fundos para a comunicação pública é uma reivindicação óbvia dos movimentos sociais e das entidades que há anos buscam a complementaridade entre os sistemas de radiodifusão – privado, público e estatal – como, aliás, manda a Constituição em seu artigo 223.

Coincidentemente aparece agora no Congresso Nacional um projeto de lei que também trata de resolver a questão. O PL nº 6.087/09, apresentado no final de setembro na Câmara pelo deputado Edson Duarte (PV-BA), cria a Contribuição para o Desenvolvimento da Radiodifusão Comunitária (CONDETVC), com o objetivo de financiar a radiodifusão comunitária prestada por qualquer meio ou tecnologia de comunicação, abrangendo tanto as rádios e televisões comunitárias como os projetos de telecomunicações (ver, abaixo, íntegra do PL).

A CONDETVC seria proveniente da contribuição de empresas de rádio, televisão e de telecomunicações com 0,5%, 1,5% e 3%, respectivamente, de seu faturamento. Os recursos arrecadados seriam direcionados para o Fundo Nacional da Cultura, já existente e em funcionamento, e que tem entre suas finalidades o financiamento de atividades no setor de produção e de programação audiovisual.

Segundo a justificativa do PL, o faturamento anual das empresas de radiodifusão, estimado em R$ 11 bilhões, e das empresas de distribuição de televisão por assinatura, estimado em R$ 6 bilhões, garantiria cerca de R$ 350 milhões anuais para a radiodifusão comunitária.

Apoio da Confecom

A 1º Confecom não é deliberativa, mas propositiva. Espera-se, todavia, que as propostas por ela aprovadas sejam transformadas em projetos de lei pelo Executivo ou por deputados e /ou senadores.

Por outro lado, é necessário que se faça um levantamento dos projetos de lei já em tramitação no Congresso Nacional e que contemplam as reivindicações consensuais, por exemplo, da radiodifusão comunitária. O apoio da Confecom a esses projetos de lei talvez acelerasse a sua aprovação e, portanto, a solução de alguns dos problemas históricos das comunicações no país.

***

Projeto de lei nº 6.087/09, de 2009

Cria a Contribuição para o Desenvolvimento da Radiodifusão Comunitária – CONDETVC.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta lei cria a Contribuição para o Desenvolvimento da Radiodifusão Comunitária – CONDETVC – com o objetivo de financiar a radiodifusão comunitária prestada por qualquer meio ou tecnologia de comunicação.

Art. 2º A CONDETVC terá por fato gerador a prestação dos seguintes serviços:

I – radiodifusão privada sonora;

II – radiodifusão privada de sons e imagens;

II – telecomunicações que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais.

Art. 3º A CONDETVC será devida a cada ano pelos detentores de outorga para prestação dos serviços de que trata esta Lei e corresponderá aos seguintes percentuais sobre a receita bruta:

I – 0,5% (meio por cento) do faturamento para as empresas de que trata o inciso I do art. 2º;

II – 1,5% (um e meio por cento) do faturamento para as empresas de que trata o inciso II do art. 2º;

III – 3,0% (três por cento) do faturamento para as empresas de que trata o inciso III do art. 2º.

Art. 4º O produto da arrecadação da CONDETVC será destinado ao Fundo Nacional da Cultura de que trata a lei no 7.505, de 2 de julho de 1986 e alocado em categoria de programação específica, para aplicação exclusiva em atividades de fomento e de desenvolvimento de iniciativas comunitárias de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais.

Parágrafo único. No mínimo, 30% (trinta por cento) da CONDETVC deverá ser destinada a iniciativas de rádios e Televisões comunitárias estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Art. 5º Aplicam-se à CONDETVC as normas do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.

Art. 6º Esta lei entra em vigor no ano seguinte após a sua publicação.