“Ainda não temos um protagonismo da sociedade dentro da EBC nem do Conselho”

O Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) decidiu no dia 13 de novembro reconduzir à presidência do órgão a conselheira Ana Fleck, representante do Congresso Nacional, de onde é funcionária de carreira. Nomeada em agosto de 2008, Fleck preside o Conselho desde dezembro de 2011. Confira abaixo a entrevista que o Observatório do Direito à Comunicação fez com ela.

-Você acompanha o Conselho como representante do Senado e, nos últimos dois anos, como presidente do órgão. Viu boa parte da sua trajetória. O que considera os principais temas que o Conselho enfrentou?
De maneira específica, posso citar alguns assuntos que foram bandeiras levantadas por nós – algumas delas resultaram em resoluções, motivaram Roteiros de Debates e levaram a Empresa a mudar procedimentos, outras, foram apenas alvo de debates constantes durante as reuniões do pleno, o que, por si só, já contribui para a tomada de decisões por parte da Diretoria. São elas: a programação religiosa; o Jornalismo da EBC; a autonomia da Empresa frente ao Governo; os mecanismos de medição da audiência; a regionalização dos conteúdos; a capacitação dos funcionários da casa; a programação infantojuvenil; as fontes de financiamento da EBC; a melhoria da qualidade de transmissão da TV Brasil e o espaço da emissora no Operador Nacional de Rede. Além disso, acredito que o modelo de escolha de conselheiros representantes da sociedade civil e as formas de participação da sociedade dentro do colegiado são temas recorrentes e uma preocupação importante do órgão.

-Você considera que o Conselho se transformou nesse período? Como?
Com o passar do tempo, o papel do Conselho está ficando mais claro para a Empresa, para a sociedade e para os próprios conselheiros. Essa definição tornou a atuação do colegiado mais qualificada e nossas resoluções, cada vez mais, eficientes, gerando resultados práticos na programação dos veículos da EBC. Hoje, o Conselho é uma instância mais consolidada e influente do que na sua criação, com certeza. Com isso, passamos a ser mais cobrados pela sociedade civil, que enxergou no Conselho uma possibilidade de diálogo com a EBC – o que ele realmente o é. Isso se refletiu na entrada de conselheiros indicados diretamente pela sociedade e numa nova dinâmica que eles trouxeram para o colegiado, cada vez mais preocupado em ser aberto e participativo.
 
-Pode-se dizer que o Conselho ainda tem dificuldades para ampliar a dinâmica de participação democrática? Lembro que a primeira audiência pública somente aconteceu 18 meses depois de criado o conselho.
Sendo sincera, acho que ainda não temos um protagonismo da sociedade dentro da EBC nem do Conselho, mas essa é nossa luta constante. Temos instrumentos que mostram essa priorização, como as Audiências e Consultas Públicas, os Roteiros de Debates, as reuniões abertas de Câmaras Temáticas e outros. Mas isso, por si só, não garante que eles sejam efetivos – nosso trabalho é levar o Conselho para a sociedade e estimular a participação. Esse é um esforço principalmente em um país onde as pessoas ainda não entenderam o que é a comunicação pública. Nosso compromisso é continuar em busca do mecanismo mais efetivo de participação, por isso, inclusive, a Consulta Pública sobre o modelo de escolha de novos conselheiros. Tudo que fazemos visa isso.
 
-Além dos temas referentes à produção de comunicação pública, o Conselho discute o seu próprio funcionamento. Não seria melhor o Conselho reduzir o grau de interferência que tem na nomeação dos novos conselheiros, limitando-se a coordenar um colégio eleitoral e sugerir diretrizes aos eleitores a partir da reflexão que faz?
Essa questão está sendo objeto de análise do Conselho nesse momento, como você sabe. Não cabe a mim, como presidenta, apresentar conclusões antes que o colegiado tome uma decisão sobre o melhor modelo de escolha de novos conselheiros. A proposta apresentada na sua pergunta é apenas uma das contribuições que recebemos da sociedade civil, portanto, a definição será coletiva, tomada a partir da maioria absoluta dos votos do pleno, e acontecerá – provavelmente – em nossa próxima reunião, no dia 11 de dezembro.

-O Conselho tem conseguido garantir de forma efetiva o pluralismo regional, de gênero, étnico-racial e os demais, representando diversos interesses da sociedade brasileira?
Ainda não, mas creio que vamos avançar nisso com a entrada dos novos cinco conselheiros, no próximo ano. Alguns pontos foram consenso durante a discussão sobre o modelo de escolha e, de alguma forma deverão estar presentes no próximo edital, são eles: a necessidade de se garantir, entre os conselheiros, representação regional, de pessoas com deficiência, jovens e indígenas, além de alcançar a equidade de gênero e praticar uma política afirmativa para afrodescendentes.  

-O Conselho consegue de fato interferir no funcionamento da EBC? Como? Tem alguns exemplos?
Bom, o papel do Conselho não é interferir diretamente no funcionamento da EBC, mas sim, dar diretrizes para o conteúdo que é produzido por ela. Nesse sentido, embora medidas administrativas impactem o que vai ao ar, não é responsabilidade direta do Conselho determinar essa ou aquela compra de conteúdos ou o enfoque de uma matéria, ou até mesmo a contratação de um apresentador, por exemplo – quem deve responder por isso frente a sociedade é a Diretoria da Empresa. Mas é de responsabilidade do Conselho, novamente usando um exemplo, dizer que o respeito à diversidade deve estar presente em todas as produções da EBC e fiscalizar isso. Essa orientação e controle já geraram resultados práticos sim, como a implantação da Faixa da Diversidade Religiosa, o lançamento do Manual de Jornalismo da EBC e outras medidas que foram soluções da Empresa para as demandas levantadas pelo Conselho.

 -Qual o desafio principal da presidenta do Conselho ao ocupar essa posição?
Acredito que é mediar os anseios do Conselho Curador, e da sociedade que este representa, junto à Diretoria da Empresa, além de articular essas demandas nos Planos de Trabalho que a EBC apresenta anualmente ao colegiado.

-Você está sendo reconduzida ao cargo de presidência. Mesmo diante da comprovada competência e do bom desempenho, não é salutar que haja um revezamento nas posições de direção?
Sim, acredito que toda alternância de governo é saudável. O Conselho entende isso e é por esse motivo que nosso Regimento Interno permite a reeleição de seu presidente apenas uma vez.

-Qual a dinâmica existente entre o Conselho Curador e o de Administração, no qual não existe representação da sociedade civil?
Hoje essa dinâmica entre os conselhos não está sistematizada, mas percebemos a necessidade de convergir nossas agendas, pois, de fato, existem demandas que perpassam a atuação tanto do Conselho Curador quanto do Conselho de Administração, que seriam otimizadas se nosso diálogo fosse maior.

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