Coletivos independentes vão às ruas cobrir atos

A cobertura das manifestações que vêm sendo feita no Brasil pelas grandes empresas comerciais de comunicação revela a conformidade da mídia na forma de lidar com os temas. Há pouca diversidade na apresentação e discussão dos assuntos, apesar da variedade de grupos e bandeiras existentes nesses grandes atos públicos. Não se aprofundam os temas e tudo parece se resumir à oposição entre manifestantes pacíficos e os chamados “vândalos”. Em contraponto a esse tom conservador e maniqueísta dos grupos que concentram a propriedade, pequenos coletivos vêm se organizando ou voltando sua atenção para o processo por que passa o país atualmente, na busca de produzir informações relevantes e diversificar pontos de vista.

No geral, são grupos que já existem ou que surgiram no contexto das mobilizações que tomaram o Brasil nas últimas semanas e que encontram lacunas na cobertura que vem sendo feita pelos meios de comunicação de massa tradicionais ou que mesmo buscam se contrapor a eles. São, na maioria dos casos, iniciativas bem recentes. Em alguns casos, não chegaram nem mesmo a divulgar os seus primeiros “produtos”, embora possam ser vistos atuando nas manifestações ou sistematizando informações relativas a estas.

O mais conhecido talvez seja o “Narrativas Independentes, Jornalismos e Ação – NINJA”, que ganhou repercussão por sua atuação na cobertura dos protestos que aconteceram em São Paulo. Coordenado pelo jornalista Bruno Torturra, que trabalha também para a revista Trip, o grupo faz transmissão por celular, divulga fotos e utiliza laptops para se comunicar por meio de redes sociais com os interessados em receber informações direto do “front” das mobilizações. Segundo ele, a Mídia Ninja tem uma “ética” menos  de “analista” e mais de “participante”.

O “Hackday” é outra iniciativa nesse sentido de escapar às limitações da “grande mídia” e buscar informações dentro do que se poderia chamar de “ética hacker”, em que o “código-fonte” da política deve ser aberto. A proposta acontece em capitais como São Paulo e Porto Alegre. No Rio de Janeiro, foi impulsionada por membros dos grupos “Transparência Hacker” e do “Mais Democracia” que fizeram um convite para demais interessados em levar à frente “uma tentativa de reassumir nossa própria centralidade nos processos em que somos colocados à margem (como a decisão do aumento da passagem)”, explica Natália Mazotte, uma das pessoas que propuseram a criação do Hackday na capital carioca.

O Hackday no Rio de Janeiro reúne-se na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e encontra-se em fase de apuração de informações e posteriormente irá definir os seus canais para distribuição dos conteúdos. Para Mazotte, as redes sociais são uma ferramenta importante para comunicar o que tem acontecido no país. “ Mais interessante do que bater na tecla da 'mídia golpista', PIG e coisas do gênero, a meu ver, é notar a incrível cobertura colaborativa que está sendo feita de tudo isso. Um amigo que não esta no Brasil comentou entusiasmadíssimo no Facebook que estava há horas acompanhando os acontecimentos em seu feed, como se fosse um jornal”, defende.
 
Também do Rio de Janeiro, outra iniciativa com perfil diferente da anterior se interessou por fazer a cobertura do que está acontecendo na cidade. Os “Comunicadores Populares” existem há cerca de quatro anos como fórum permanente, criado durante o “Encontro Popular pela Vida e por Outra Segurança Pública”. Seu alvo principal tem sido combater e se contrapor à “violência simbólica” exercida pelos meios de comunicação tradicionais. Segundo Gizele Martins, moradora do Complexo da Maré e participante do grupo, “nossas coberturas têm como proposta ir além dos fatos e colocar em pauta o povo, a versão do povo, a versão dos movimentos sociais e o que estes já discutem e colocam em pauta há anos. Estamos nos articulando para tentarmos melhorar a nossa cobertura em relação aos protestos, propostas como sites, jornais, e até coberturas em tempo real são sugestões do grupo”.

Em Fortaleza, a Nigéria Audiovisual busca fazer um trabalho “independente”, considerado por um de seus criadores uma possível “tendência de parte do jornalismo mundial” e tem como referência o que vem sendo feito pela Agência Pública. Com uma existência de quatro anos, o coletivo parte da necessidade “de uma comunicação que dialogasse e fortalecesse  outros setores organizados que aparentemente não interessam a grande mídia”,  explica Yargo Gurjão. As últimas manifestações teriam, então, apenas provocado um aumento da intensidade do trabalho, focada agora nos protestos. “O que fizemos nessas manifestações foi mobilizar toda a nossa equipe para uma cobertura intensiva, até porque já acompanhávamos temas como a Copa”, diz.

A forma de atuação da Nigéria consiste “no caso das manifestações que acontecem agora em Fortaleza, em ir para a linha de frente do confronto, registrando imagens e colhendo depoimentos, desde o menino da periferia que se confronta com a polícia, até o jovem classe média que ergue a bandeira do Brasil pedindo paz”, afirma Gurjão. O jornalista Pedro Rocha, que também participa do grupo, virou notícia nos grandes jornais do Brasil ao ter sido atingido no olho por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar enquanto realizava a cobertura de uma das manifestação próxima ao estádio do Castelão no dia 19 de junho (quarta).

Em Recife, foi criado o blog “Vem pra rua Recife ”  que se apresenta como “coletivo de estudantes, ativistas e cidadãos organizados para realizar a cobertura midiática dos protestos contra aumento das passagens”. Segundo Débora Britto, uma das coordenadoras do grupo, “a ideia é dar voz e visibilidade ao maior número possível de representações presentes nos protestos. Em atenção à violenta repressão policial em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos propomos, também, a acompanhar a atuação da polícia militar antes, durante e após os protestos”.

Além das dificuldades decorrentes da característica específica desses coletivos de serem geralmente desprovidos de fundo para financiamento, os grupos enfrentam outros obstáculos como a cultura jornalística a que alguns estão ligados. “A cobertura acrítica e superficial dos veículos tradicionais de comunicação motivou a criação do Vem Pra Rua – Recife. No entanto, após o primeiro dia de manifestações, não só a configuração atípica do "protesto" mas também o tipo de organização e consciência política do grupo contribuíram para o resultado ser bastante aquém dos objetivos iniciais do coletivo. 

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