Liberdade de expressão: a nova menina dos olhos dos movimentos sociais

Em anos passados, os debates promovidos pelo Instituto “Millenium” ou pelo "Instituto Palavra Aberta” sempre foram amplamente dominados pela ótica conservadora nas definições de termos como liberdade de imprensa e de expressão. Apoiados e mantidos pelas entidades representativas dos principais veículos da mídia privada brasileira, estes institutos, contando com o devido respaldo de membros dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, monopolizavam seus debates com posições unânimes e contrárias, por exemplo, a quaisquer formas de regulamentação da mídia no país.

No último dia 13, porém, tal lógica deu lugar a ares de mais equilíbrio e de maior pluralidade de opiniões. Em parceria com a Câmara dos Deputados e com o Senado Federal, o instituto Palavra Aberta promoveu a “8ª Conferência Legislativa: o 25º aniversário da Constituição brasileira”. Nomes importantes do cenário sócio-político nacional marcaram presença como palestrantes: o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto; o ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim; o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, além de mediadores como Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado, e de Renata Lo Prete, comentarista de política da GloboNews e editora da coluna Painel, do Jornal Folha de S.Paulo.

Mas tal equilíbrio maior de opinões em debates desta natureza deu-se não porque tais institutos resolveram, da noite para o dia, abrir mão de suas visões pouco democráticas sobre liberdade de expressão, mas simplesmente porque o tema vem sendo abordado também pelos movimentos sociais, entidades sindicais, partidos políticos, sociedade em geral, que agora reclamam uma visão diferenciada, mais progressista, da liberdade de expressão como um direito – o direito humano à comunicação – a ser exercido por todos e por todas, não mais confinado ao pequeno grupo de famílias e empresários da mídia monopolística. Neste dia, algo parece ter saído errado nos planos do instituto Palavra Aberta. Verbalizaram essa nova visão Jandira Feghali, médica e sindicalista, deputada do PCdoB pelo Rio de Janeiro, e Pedro Taques, ex-procurador da República, senador há 2 anos pelo PDT de Mato Grosso, ambos também convidados a falarem. Ao contrário dos demais participantes, eles reafirmaram suas convicções de que a mídia deve sim ser regulamentada e apontaram para a necessidade de um amplo debate nacional para a feitura de um novo marco regulatório para o setor.

O senador Pedro Taques, por exemplo, parece que vem se apropriando do tema. Relator no Senado de um projeto de lei para uma nova regulamentação do direito de resposta, ele citou a necessidade de regulação da mídia – não de conteúdo – apontando para a possibilidade, por exemplo, de proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação. Neste formato de regulação, já exercido por diversos países – como os EUA, por exemplo – uma empresa de comunicação não poderia ter na mesma localidade um canal de TV, um de rádio, uma revista e um jornal. Trata-se de uma proteção comercial, liberal, mas mesmo assim severamente rechaçada pelos conglomerados de mídia brasileiros. Até porque – apenas para citar um exemplo – o caso das Organizações Globo na cidade do Rio de Janeiro poderia ter de ser revisto. Hoje, quando o cidadão chega à “cidade maravilhosa”, capital mundial do carnaval, passa a achar que o Rio talvez seja também a capital mundial da concentração midiática. Se não, vejamos: a principal emissora de TV chama-se Rede Globo e a principal estação de rádio leva o nome de Rádio Globo. Se a pessoa fica cansada da mesma visão de mundo apresentada por apenas um veículo de comunicação e caminha até uma banca de jornal, depara-se com o principal jornal impresso, que se chama… “O Globo”. Continuando sua procura, este mesmo cidadão constata que uma das principais revistas nacionais – Época – também pertence ao conglomerado. Não à toa, portanto, o senador aventou a possibilidade de debate sobre esta regulamentação, sem citar este caso peculiar. Faltou dizer apenas que o que falta é uma lei específica, pois a possibilidade já está prevista na Constituição Federal, quando proibiu, em seu inciso 5º, artigo 220, que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

Já a deputada Jandira Feghali afirmou, mais de uma vez, que a mídia não é democrática no país. Ao defender o direito de informar e ser informado, conforme a Constituição manda, a deputada questionou a concentração midiática e sua consequência direta: a não veiculação de todas as vozes e opiniões da sociedade. Quem concorda com ela é o atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que sustentou, há algumas semanas, em debate na Costa Rica, em comemoração ao Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, que “falta pluralismo na mídia brasileira”.

O senador Pedro Taques e a deputada Jandira Feghali, vozes ali dissonantes de figuras intelectuais igualmente respeitáveis, como o ministro Ayres Britto e sua conhecida defesa da liberdade de expressão como um direito absoluto, representam novos tempos no debate sobre a comunicação no país. Este novo cenário inclui a elaboração pela sociedade brasileira de um projeto de Lei de Iniciativa Popular* que finalmente regulamenta os artigos da Constituição que versam sobre comunicação, 25 anos após sua aprovação pelo Congresso. Contribuinte fundamental para este projeto foi a campanha “Para Expressar a Liberdade”, tocada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). 

Ao que parece, portanto, talvez o instituto Palavra Aberta já tenha verificado, como resultado da pressão da sociedade organizada, que a população não mais aceita a falta de pluralismo na mídia brasileira. O novo capítulo desta série, no entanto, deve ser protagonizado pela sociedade brasileira, pelos movimentos sociais. Que tipo de liberdade de expressão queremos? A preconizada pelos conglomerados de mídia, pelos institutos Millenium e Palavra Aberta, respaldados pela classista Sociedade Interamericana de Imprensa, ou aquele defendido pela ONU** e já colocado em prática por diversos países como Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Venezuela, México, Guatemala, dentre outros?

A realidade é que um novo paradigma sobre as comunicações vem ocupando espaço a plenos pulmões na América Latina. O Brasil, devido a insuficiente incidência sobre o tema e, mais recentemente, à falta de coragem dos presidentes Lula e Dilma, continua defasado. Aqui, a liberdade de expressão ainda é para poucos. Por enquanto.

Lucas Krauss é jornalista e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
 

* http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/index.php/2013-04-30-15-58-11
** https://obscom.intervozes.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=9433

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