Símbolo da liberdade on-line

A morte do cyberativista Aaron Swartz, aos 26 anos, chocou a comunidade da internet e reacendeu um debate sobre o direito à informação na rede. Respondendo a um processo do governo norte-americano em que era acusado de fraude por copiar quase 5 milhões de artigos científicos da rede do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ele se suicidou na última sexta-feira. Em apoio ao trabalho de Aaron, nomes influentes da web publicaram artigos emocionados, e milhares de internautas demonstraram apoio ao trabalho do gênio precoce.

Ainda adolescente, contribuiu com a criação do Creative Commons e do sistema RSS, que possibilitou modelos como o Google Reader. Mais tarde, o norte-americano deu início ao site Reddit, uma comunidade de partilhamento de links que abriga o endereço de mais de 3 bilhões de páginas. Mas a grande conquista de Swartz foi sua campanha contra as leis Sopa (Lei Contra a Pirataria On-line) e Pipa (Lei de Proteção ao IP).

Essa trajetória de sucesso foi interrompida quando Swartz usou sua habilidade para disponibilizar na rede conteúdos que, em sua opinião, deviam ser públicos. Sozinho, ele baixou 4,8 milhões de artigos universitários do JSTOR (Journal Storage), um grande sistema on-line de arquivamento de periódicos acadêmicos. Ele começou a baixar os arquivos em massa da rede wireless do MIT, depois de desenvolver uma forma de abrir as páginas. Quando o MIT cortou o seu acesso, ele simplesmente entrou em um armário onde estava guardada a rede da instituição e conectou o seu computador para ter acesso aos trabalhos.

Ele foi preso em julho de 2011 e indiciado por 13 crimes, incluindo fraude. O processo poderia lhe custar 35 anos de prisão e mais de R$ 2 milhões em multas, de acordo com Lei de Fraude e Abuso Computacional norte-americana. O JSTOR retirou as queixas em junho, logo depois que Swartz devolveu os arquivos, mas o governo norte-americano continuou com o processo. Os dois anos de brigas judiciais consumiram todo seu dinheiro, e a promotora responsável pelo caso, Carmen Ortiz, o igualava na mídia a um ladrão munido de um pé de cabra.

Em 2007, o rapaz já dava sinais de depressão em um post na internet. “Você imagina se vale a pena continuar. Tudo o que você pensa parece sem vida — as coisas que você fez, as coisas que você espera fazer, as pessoas à sua volta. Você quer deitar na cama e manter as luzes apagadas”, confessou pela web. Cofundador do Reddit, Alexis Ohanian chegou a chamar a polícia quando leu o depoimento, mas Swartz afirmou que estava sofrendo por causa de um problema de saúde. Amigos diziam que ele não demonstrou sinais negativos desde então, e acreditam que a perseguição judicial foi demais para ele. Swartz foi encontrado enforcado em seu apartamento em Nova York, dois meses antes do seu julgamento.

Quatro dias antes do suicídio, seu advogado e amigo, Lawrence Lessig, recebeu a informação de que todos os arquivos da JSTOR teriam o acesso liberado — exatamente o que Aaron tentava fazer quando foi investigado. Ele não chegou a receber a mensagem. A JSTOR também publicou um comentário sobre o caso em seu site, expressando condolências pela morte de Swartz. “O caso é um em que nós mesmos nos arrependemos de ter sido arrastados desde o início, já que a missão do JSTOR é dar acesso amplo ao conhecimento do corpo escolar do mundo”, apontou a nota.

O MIT, que não havia se posicionado à época, deu início no domingo a uma investigação com “o objetivo de entender e aprender com as ações tomadas pelo MIT”. A ação será liderada por Hal Abelson, diretor da Free Software Foundation e do Creative Commons. Horas depois do anúncio da investigação, o grupo de hackers Anonymous invadiu o site do instituto e publicou um anúncio que classificava o processo a Swartz como “um erro grotesco da Justiça”. A família do ativista responsabilizou o instituto pela tragédia e classificou a morte de Aaron como “o produto de um sistema de justiça criminal cheio de intitmidação e excessos promotoriais”. Protestos se espalharam pelas redes sociais.

Mártir

“A reação de grupos diversos, em casos como esse, é esperada”, avalia Silvio Meira, professor de engenharia de software da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para ele, “abrir todas as publicações científicas, por exemplo, é um começo. Há muita coisa nessa direção. E há uma discussão muito importante sobre se queremos que ‘conhecimento’, a maior parte dele, seja ‘conteúdo’ ou não”, aponta o especialista.

Aos 15 anos, Swartz havia deixado uma espécie de testamento virtual em seu site, caso fosse “atingido por um caminhão”. No texto, ele determinou que todos os arquivos de seus discos rígidos sejam tornados públicos na internet, além de doar o copyright de seus códigos de licença pública para a Free Software Foundation.

O trabalho tornado público é considerado essencial para a consolidação da internet como um espaço sem restrições construído pelo usuário. “O RSS foi uma quebra de paradigma para a comunicação. Pela primeira vez, foi possível num mesmo espaço agregar notícias de várias fontes distintas, e o público passou a escolher o que quer ver. E ele fez tudo da forma mais plural, isso é uma quebra de paradigma”, avalia o ativista pela liberdade do conhecimento Marcelo Branco.

Para o especialista, a morte de Swartz não somente cria um mártir, como também abre um diálogo que pode manter a sua obra viva. “A morte dele traz à tona esse debate. No Brasil, se discute o Marco Civil da Internet, e uma das polêmicas é a neutralidade da rede, uma das maiores lutas dele. A luta contra a vigilância e a quebra de privacidade na internet é constante”, afirma Branco.

O marco civil brasileiro, conhecido como o Projeto de Lei 2126/2011, trata dos direitos e deveres de prestadores de serviço e provedores e do papel do Poder Público sobre a rede. A lei teve a votação adiada seis vezes, mas outros projetos que criminalizam comportamentos na web continuam passando pela Câmara. “Em tal contexto, estamos criando as condições para que um ‘caso Swartz aconteça no Brasil. E isso só não vai rolar se houver muito mais ação para garantir direitos individuais na rede, em vez de, cada vez mais, restringir seu uso”, alerta Branco.

Talento precoce

Mesmo tão jovem, Aaron Swartz criou um impressionante legado de conquistas em nome da liberdade de informação na rede. Aos 14 anos, ele ajudou no desenvolvimento do Creative Commons, organização que cria licenças de registro para compartilhamento de obras. Ainda na adolescência, aos 15 anos, foi um dos autores do sistema RSS 1.0 (Sumário de Sites RDF, na sigla em inglês), que deu ao internauta a opção de receber conteúdo das páginas de sua preferência numa mesma fonte de informação.

Swartz ainda ajudou a construir o Open Library, um arquivo gratuito da internet. Aos 19 anos, construiu a empresa Infogami, que mais tarde se tornaria o Reddit. O site, hoje um dos mais populares da internet, funciona com uma estrutura relativamente simples: pessoas podem postar links para conteúdos de qualquer tema, criando uma seleção personalizada da internet, e as mais votadas ganham espaço da página principal.

Em 2010, ele fez parte do Centro de Ética de Harvard, quando cofundou o grupo on-line Demand Progress, que liderou a campanha contra as leis de censura à web. Quando a lei foi apresentada, em setembro de 2010, ainda sob o nome de Coica (Lei de Combate a Infrações e Falsificações On-line, em inglês), Swartz deu início a uma petição pela rede que superou 300 mil assinaturas em poucas semanas. A campanha levou a uma mobilização sem precedentes na internet e conseguiu virar a votação das leis Sopa (Lei Contra a Pirataria Online) e Pipa (Lei de Proteção ao IP), antes unânimes no Congresso norte-americano.

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