Conselho Nacional de Saúde apoia ação contra cervejarias

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou, no último mês, uma moção de apoio à ação civil pública (ACP) movida pelo Ministério Público Federal de São José dos Campos, em 2008, contra três grandes empresas de cerveja que atuam no Brasil: Ambev, Schincariol e Femsa (controladora da marca Kaiser). A ação pede indenização em razão dos danos causados pelo aumento do consumo de álcool provocado pelo investimento em publicidade de cerveja. Além da questão da saúde, a ação foca a exposição de crianças e adolescentes a esse tipo de publicidade.

A moção, assinada pelo CNS no dia 06 de outubro, fez parte do debate sobre a política nacional de combate ao álcool e outras drogas. De acordo com a conselheira nacional de saúde Lurdinha Rodrigues, representante da Liga Brasileira de Lésbicas, o Conselho pauta questões que impactam na saúde da população de forma gradativa, contando inclusive com uma comissão permanente sobre comunicação e informação em saúde como direito humano e pressuposto do direito à saúde.

Foram aceitos pela Justiça Federal como assistentes da ação o Instituto Alana, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a organização não governamental Comunicação e Cultura e o Coletivo Intervozes. O Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também é responsável pela ACP, em convênio com o Ministério Público Federal.
 
A advogada Rachel Taveira, do Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns, explica que atualmente está sendo aguardada manifestação da Justiça sobre as provas a produzir com relação à ação. Caso a ACP seja julgada procedente, as cervejarias podem ser punidas com cobrança de indenização à União, para ressarcir danos provocados à saúde pública; ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por prejuízos decorrentes de pagamentos de benefícios previdenciários; e ao Fundo Nacional Antidrogas, para ressarcir danos difusos. Os valores da indenização solicitada foram de mais de dois bilhões de reais para a Ambev; quase 450 milhões para a Schincariol e mais de 200 milhões para a Kaiser.

Segundo Rachel, até agora o único retorno das empresas de cerveja foi a manifestação delas no processo. “Não houve qualquer contato para propor algum acordo”, afirmou. Ela lembra que ainda pode haver diálogo em eventual audiência de conciliação. Embora seu objetivo não seja regular a publicidade, a advogada acredita que a ACP pode abrir caminho para isso. “Como pede indenização, por entender que as empresas causaram os danos, a ação pode levá-las a adotar outras posturas”, disse.  

A assessoria de imprensa da Ambev foi procurada por telefone e por e-mail, mas não deu retorno até o fechamento da matéria. A assessoria da Femsa foi procurada por e-mail e também não enviou resposta. Já a Schincariol, através de sua assessoria, informou que, como o processo ainda está em trâmite, a política interna da empresa é não comentar o assunto.

As páginas na internet das empresas citadas fazem referência à responsabilidade social. A Ambev diz ter firmado, com outras 23 empresas, Compromisso Público de Publicidade Responsável, em 2010. Uma das normas é não inserir “anúncios publicitários de seus produtos em programas de televisão, de rádio, mídia impressa ou sites de internet que tenham 50% ou mais da audiência constituída de crianças”. A Schincariol mantém uma seção intitulada “Responsabilidade socioambiental”, na qual afirma que “a empresa considera como premissas a honestidade, lealdade, respeito ao próximo, ao meio ambiente e à sociedade, promovendo, sempre, o comportamento ético e responsável”. Já a mexicana “Femsa” apresenta um espaço reservado para sua política de “responsabilidad social”, o que inclui programas de saúde voltados para os funcionários, seus familiares e comunidades, além de cuidados com o meio ambiente.

Ação


A ação civil pública parte do pressuposto de que a publicidade de cerveja aumenta o consumo de álcool, causando danos à saúde e estimulando o uso por crianças e adolescentes. Para isso, cerca-se de uma série de pesquisas. Uma delas mostra que 80% dos 106 milhões de dólares em publicidade de álcool no Brasil, em 2001, foram referentes à cerveja. Em 2006, esse valor teria ultrapassado as cifras dos R$ 700 milhões.

Segundo informações do I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira, organizado pela Secretaria Nacional Antidrogas, a cerveja é a bebida mais consumida pelos brasileiros que bebem em grande quantidade, ou seja, aqueles que bebem excessivamente em um curto espaço de tempo.

Quanto à relação entre publicidade e aumento do consumo, a pesquisa Vigitel 2009, do Ministério da Saúde, constatou a queda do consumo de tabaco entre os jovens: em 1989, o percentual era de 29% de jovens entre 18 e 24 anos contra 14,8% em 2009, quando a publicidade de tabaco não era mais permitida.

As crianças e adolescentes são alvo de publicidades que mostram situações prazerosas e utilizam o humor, mesmo que o produto não seja adequado para seu consumo. Explicações para isso seriam a formação de um público consumidor cada vez mais cedo e a influência das crianças nas compras familiares. De acordo com pesquisa do TNS (Custom Market Research Company), de 2003, as crianças brasileiras influenciam 80% das decisões de compra de uma família.

O que dizem as leis e o Conar

A Constituição Federal, de 1988, prevê a restrição de publicidade de álcool e cigarro em seu artigo 220. A regulamentação dessa restrição foi feita em 1996, a partir da sanção da Lei nº 9.294, porém essa lei considera como bebida alcoólica apenas aquelas com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac, o que exclui as cervejas.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), em seu Código de Ética, estabelece algumas regras para esse tipo de bebida. O Conar é uma entidade privada que zela pelo cumprimento de um Código de Ética pactuado entre associações de agências de publicidade e de veículos de divulgação, como jornais, emissoras de rádio e de TV. Suas decisões não têm valor de lei, mas podem guiar a produção publicitária brasileira.

De acordo com o Código de Ética do Conar, a publicidade de cerveja deve seguir os princípios de proteção à criança e ao adolescente e também ao consumo com responsabilidade social. Isso inclui não produzir peças que induzam ao consumo excessivo, que tenha modelos com aparência de menos de 25 anos de idade nem que adotem linguagem que possa despertar interesse em crianças, como uso de animações e animais humanizados.

Essas regras foram adicionadas ao Código em 2008, depois de campanha da Brahma (marca que faz parte da Ambev), em 2002, que usava como mascote uma tartaruga que fazia dribles, dava carona a moças sensuais e bebia cerveja. Ainda de acordo com o Conar, a publicidade de bebida alcoólica deveria ser limitada ao período de 21h30 às 6h, com exceção para os patrocínios, como os de eventos esportivos, quando deveria apenas ser mencionada a marca e o slogan.

Para Juliana Ferreira, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), “infelizmente, a autorregulação e a atuação do Conar não são suficientes no caso de publicidade de cerveja”. Ela menciona um estudo realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em 2008, demonstrando que as propagandas de cerveja veiculadas na TV não respeitam várias determinações do código de autorregulamentação da publicidade. “Elas têm apelo imperativo ao consumo, despertam a atenção de crianças e adolescentes, mostram pessoas que aparentam ter menos de 25 anos, exploram o erotismo, não são veiculadas apenas em programas de TV destinados ao público adulto e mostram a cerveja relacionada ao sucesso profissional, social ou sexual”, explica Juliana, citando os resultados da pesquisa.  

O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, de 1990, legisla também sobre publicidade, uma vez que considera que o anúncio de um produto ou serviço pressupõe uma espécie de pré-contrato entre empresa anunciante e público que tenha acesso às “promessas” divulgadas, independente de efetivação da compra. De acordo com essa lei, são abusivas publicidades que promovam comportamentos danosos à saúde ou se aproveitem da deficiência de julgamento de crianças e adolescentes, entre outros critérios. Com base no capítulo IV do Código de Defesa do Consumidor, a advogada Juliana Ferreira aponta que “a reparação pelos danos decorrentes do consumo de bebida alcoólica é responsabilidade de empresas que comercializam e incentivam o uso destes produtos nocivos”.

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