Anatel propõe “troca” de gastos na alimentação pelo telefone fixo

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) espera que as 12,9 milhões de famílias cadastradas no Programa Bolsa Família encampem a proposta de gastar R$ 13,31 por mês para ter acesso ao telefone social, denominado Acesso Individual Classe Especial (Aice). A sugestão está em Consulta Pública até o dia 1º de abril, e tem como regra que somente os beneficiários do Bolsa Família podem ter acesso ao AICE.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), esses usuários estão na linha de pobreza, têm renda mensal média per capita de R$ 72,42 e um padrão de quatro membros na família. Dessa forma, o valor do AICE representa 4,7% do orçamento mensal de um família beneficiária do BPF.

A diretora do Cadastro Único do MDS, Letícia Bartholo, acha positivo qualquer programa que represente uma ampliação de oportunidades e comparou o AICE a tarifa social de energia elétrica, que consumia até 40% da renda dos beneficiários. Perguntada dos impactos que o estímulo ao telefone social representa por ser um aditivo na renda – na eletricidade é redução -, Bartholo não enxergou problema, porque não é compulsório.

Conforme aponta o levantamento do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), os serviços de telecomunicações e eletroeletrônicos se quer são mencionados entre os três gastos prioritários dos cadastrados no Programa. Nessa pesquisa somente 6% costumam destacar recursos para energia elétrica, por exemplo, a maioria investe na alimentação (87%), material escolar (46%), vestuário (37%) e remédios (22%).

O presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), Brígido Ramos, acha muito "difícil" o AICE pegar: "Não dá pra trocar as condições minimas de vida pelo telefone". Ramos alega não ter conhecimento de nenhum plano de inclusão de telefonia nos moldes propostos que tenha funcionado:"Não conheço nenhum lugar do mundo que isso deu certo". A solução para esse segmento da população é o estímulo ao acesso coletivo, o popular "orelhão", nas palavras do presidente da Fittel.

Porém uma das contrapartidas para o investimento no novo AICE pelas operadoras é a redução dos Telefones de Uso Público (TUPs) de 6 para 4,5 por 1000 hab, conforme proposta da Agência no 3º Plano Geral de Metas e Universalização (PGMU III). A operadoras também reclamam que as obrigações de instalar os "orelhões" em instituições públicas desequilibram suas contas no plano.

Flávia Lefèvre, advogada da Proteste, Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, bate na tecla que o AICE não tem apelo comercial pelo fato desse status social já utilizar o telefone móvel pré-pago com uma média de recarga mensal na casa dos R$ 5,00. A Proteste reivindica o retorno da metas dos TUPs e também aponta que é o AICE é ilegal por natureza, por ser uma oferta discriminatória.

Assinatura básica

Já o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) prefere enfatizar que o ideal era o fim da assinatura básica que está na casa dos R$ 40,00. Veridiana Alimonti, advogada do instituto, alega que a assinatura é a principal responsável pela dificuldade de universalizar o telefone fixo. Para Alimonti o AICE, além das dificuldades para ser implementado, perpetua o quadro no qual parcela significativa da população não terá condições de obter o serviço.

Durante Audiência Pública em Salvador no último 22 de março, o representante da Anatel, Eduardo Jacomassi, explanou ser contrário ao fim da assinatura básica, sob alegação de que a taxa é responsável pela manutenção da infraestrutura. O Supremo Tribunal Federal (STJ) já barrou o fim da assinatura básica, inclusive as iniciativas oriundas dos Projetos de Lei das Assembleias Legislativas Estaduais que visavam o término da taxa.

ICMS

Jacomassi relatou que a pretensão é diminuir a assinatura do AICE para R$ 9,50, caso os governos estaduais topem retirar o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). A justificativa utilizada é que os governos não vão ter qualquer prejuízo, pois o usuário do AICE não tem condições de ter os planos atuais e consequentemente não geram arrecadação aos governos. O argumento é o mesmo para retirar o ICMS da banda larga, por isso a Agência pretende fazer a negociação de ambos num mesmo pacote junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), explicou Jacomassi.

O AICE também permitirá que os cadastrados tenham acesso a internet discada com velocidade 68 kbps, incompatível para funções básicas atuais como ouvir músicas ou assistir vídeos em tempo real. Caso o usuário na linha de pobreza possua um computador para acessar a internet, o AICE terá o "pulso único", ou seja, modulação horária que permite ligações com valor fixo por chamada, de segunda a sexta-feira (da 0h às 6h), aos sábados (da 0h às 6h e das 14h às 24h) e aos domingos e feriados nacionais (da 0h às 24h).

Outros pontos da proposta são a franquia de 90 minutos, funcionalidade para localidades com mais de 300 habitantes e a taxa de instalação que pode chegar a R$ 100 nas cidades mais distantes. Na Consulta Pública a Anatel relatou que o AICE, se for instalado para todos os beneficiários, exigirá aumento de 10% da infraestrutura, a parte restante já está instalada.

Revisão

Atualmente apenas 300 mil contratos em vigor no país utilizam o AICE, que custa R$ 24,00 e foi lançado em 2006. O fracasso repercute diretamente nos números de usuários do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC) que não passa de 22 acesos por cada 100 habitantes no Brasil. No PGMU III será enviado um decreto especifico para o AICE.

 

 

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