Estudo sobre pirataria em países emergentes aponta equívocos no combate à prática no Brasil

[Título original: Estudo internacional sobre pirataria em países emergentes aponta equívocos no combate à prática no Brasil]

Numa conhecida propaganda de combate à pirataria no Brasil, um homem aparece pagando um camelô por um DVD pirata com dinheiro em notas. Mas, de troco, ele recebe um punhado de balas de revólver. A campanha tentaria associar violações contra os direitos autorais com crimes de outra natureza e, de acordo com o estudo "Pirataria de mídia em economias emergentes", é um exemplo da ineficácia e do atraso na forma como a indústria e o governo lidam com a pirataria. Com 426 páginas, sendo 80 delas só sobre o Brasil, o estudo, que acaba de ser divulgado num evento em Nova York, concluiu que o combate à pirataria tem se focado mais na repressão e nas campanhas de educação, mas deixa de lado o que seria o principal pilar para se obter resultados práticos na diminuição da circulação ilegal de música, filmes, games ou livros: o preço.

Nove organizações participaram da pesquisa, entre elas a americana Social Science Research Council e as brasileiras Instituto Overmundo e Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas. Financiado pelo International Development Research Center, do Canadá, e pela Ford Foundation, dos EUA, o estudo começou a ser desenvolvido no fim de 2006 e traz análises sobre África do Sul, Brasil, Rússia, México, Bolívia, Índia e também Estados Unidos.

Um dos principais problemas apontados pelo estudo se refere aos números propagados ano a ano sobre o volume da pirataria. A questão é que a maioria das pesquisas realizadas é financiada pela indústria e, por isso, traria distorções, sobretudo nas consequências da pirataria, como desemprego e perda na arrecadação de impostos.

– Fala-se que o Brasil perde dois milhões de empregos por ano com a pirataria. É um número creditado à Unicamp, então fomos à Unicamp tentar descobrir que pesquisa apontaria isso. Conversamos com as pessoas lá e descobrimos que essa pesquisa não existe – afirma Ronaldo Lemos, um dos coordenadores do estudo e professor visitante da Universidade de Princeton, nos EUA. – Outro dado bastante utilizado é que o Brasil deixa de arrecadar R$ 30 bilhões por ano em impostos por causa da pirataria, e esse também é um valor sem fundamento. O grande problema é que esses números são passados adiante há anos, sem contestação.

O estudo também questiona a metodologia das pesquisas financiadas pela indústria. Numa dessas, promovida pela Fecomércio, foram feitas perguntas como "Muitos produtos piratas causam sérios danos à saúde. Você tem consciência dessa informação?". A mesma pesquisa deu origem à campanha "Brasil sem pirataria", de 2010, cujo slogan era "Aqueles que compram produtos piratas pagam com suas vidas".

– As campanhas são apelativas. Dizer que a pirataria mata é uma maneira de associar consequências e problemas. Mas as consequências de um download na internet são diferentes das consequências da falsificação de medicamentos – afirma Oona Castro, diretora-executiva do Overmundo e uma das coordenadoras do estudo. – A gente acaba fazendo um debate com problemas distintos, de natureza diferente, mas que são tratados da mesma forma.

A definição de pirataria pelo acordo Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (Trips), um tratado internacional da Organização Mundial do Comércio (OMC), refere-se apenas à violação de direitos autorais. Isso é: pirataria não teria relação com medicamentos, peças de carro, roupas ou cigarros. Mas existe um senso comum em associar pirataria a qualquer violação de patente, seja de propriedade intelectual, seja de contrafação de remédios.

Com isso, o estudo "Pirataria de mídia em economias emergentes" aponta que a indústria procuraria induzir a sociedade tanto em pesquisas quanto em campanhas. "O termo é indefinido, e frequentemente usado intencionalmente para confundir distinções importantes entre os tipos de uso não remunerado de certos produtos", diz o documento final.

– O Projeto Escola Legal, por exemplo, que é voltado para estudantes e é promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), tem uma definição generalizada de pirataria, fala que ela financia o crime organizado e diz que é uma ameaça à segurança pública – afirma Oona.

Segundo o estudo, o Brasil tem aumentado seus esforços desde os anos 1990 tanto nesse processo de educação da sociedade (campanhas e pesquisas) quanto na repressão. Ronaldo Lemos lembra que os números de batidas, apreensões e sites fechados aumenta ano a ano. Mas lamenta que não se abaixem os preços:

– Nossa pesquisa mostra que o principal problema é econômico. A diferença de preços é brutal. Até pouco tempo atrás, uma faixa de música era vendida pela internet no Brasil por US$ 2, enquanto que nos EUA, onde o poder aquisitivo é bem maior, ela custa US$ 0,9. Com uma diferença tão grande como essa, você simplesmente exclui grande parte dos consumidores do mercado. O preço praticado é destinado apenas a uma fatia pequena de população. Os outros acabam caindo na pirataria. A situação é a mesma em todo o mundo.

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