Para organizações, plano representa avanço, mas é insuficiente

Especialistas e organizações sociais da área da comunicação avaliam que o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) ainda é insuficiente, apesar de apresentar avanços. Em reunião realizada na sexta-feira (7) com a equipe do governo, os representantes da sociedade civil puderam conhecer e opinar sobre o plano, que está em vias de ser oficializado por meio de decreto presidencial. A manutenção do serviço de internet em regime privado e os preços dos pacotes que o governo pretende oferecer foram os principais alvos das críticas.

A proposta do governo é que, com a entrada da Telebrás no mercado, seja possível oferecer ao consumidor final acesso à internet com preços variando de R$ 15 a R$ 35. O primeiro seria um serviço incentivado para uma velocidade de 512 Kbps, mas com limitação para baixar arquivos (downloads). No valor mais alto, seria oferecida uma velocidade de 512 kpbs a 784 kbps. Em caso de desoneração do ICMS nos Estados, esse segundo preço poderia cair a R$ 29.

Esses pacotes foram considerados muito tímidos pela sociedade civil, que avalia ser importante pensar no futuro. Para Estela Guerrini, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), ainda que seja um primeiro passo, essas são velocidades muito pequenas. “Tem que partir para uma velocidade maior, de 2 Mbps por pessoa”, diz. Além disso, para ela os preços continuam colocando uma barreira ao acesso. “Pacote a R$ 35 não universaliza. Muitos não conseguem pagar, ainda mais um valor desses para uma velocidade baixa.” O diretor da Casa de Cultura Digital e professor da Faculdade Cásper Líbero, Sérgio Amadeu, também criticou a proposta do governo.

Além dos pacotes no varejo, o governo também fez uma estimativa de preço que pretende oferecer aos provedores de internet nas cidades. Um link de 1 Mbps seria vendido pela Telebrás por R$ 230 ao mês. Para o presidente da Associação Nacional para Inclusão Digital, Percival Henriques de Souza, esse ainda é um valor alto. Segundo ele, a partir da associação de mais de 500 provedores do país, eles conseguem comprar o mesmo link a cerca de R$ 150 das concessionárias privadas.

Apesar disso, o representante da associação acredita que o plano seja positivo e que o preço para os provedores ainda assim será menor do que é cobrado em algumas localidades. O governo pretende isentar os pequenos e médios provedores do pagamento do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), cuja alíquota é de 1% da receita operacional bruta.

O professor de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcos Dantas vai além. Ele coloca em dúvida os preços dos pacotes do governo, já que neles não estariam embutidos os impostos. Só o ICMS, que é cobrado pelos governos estaduais, é responsável por cerca de 35% do valor do serviço. Para ele, o governo só conseguirá cumprir sua meta se “negociar com os estados uma forte redução do ICMS, o que é difícil”.

Por sua vez, o governo tem argumentado que esses pacotes previstos já seriam um avanço em comparação com o cenário atual do país e que eles seriam os possíveis de serem praticados nesse primeiro momento.

Regime público

Outra crítica feita por vários membros da sociedade civil que estiveram na reunião com o governo foi o abandono da ideia de mudar a forma com que é feita a prestação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), em que está inserida a internet. “O governo ainda não fala da prestação de serviço de banda larga em regime público. Reconhece que é preciso ampliar, que é um fator da cidadania, mas falta afirmar que é um direito fundamental e que deve haver garantias de cumprimento. Nossa proposta é que seja firmado em regime público”, defende a advogada do Idec Estela Guerrini.

As organizações que defendem a mudança acreditam que só assim seria possível conseguir oferecer preços mais baixos pela oferta do serviço de banda larga. A prestação em regime público significa que os prestadores do serviço, seja eles públicos ou privados, estão sujeitos a regras que garantam a modicidade tarifária, a qualidade e a continuidade do serviço, além de serem obrigados a cumprir metas para alcançar a universalização.

Isso significa, por exemplo, que os preços dos pacotes oferecidos ao usuário final, bem como toda a política de tarifas no atacado, poderiam ser controlados, isto é, seguir regras estabelecidas pelos órgãos reguladores, no caso a Anatel. Também permitiria que o preço final fosse um dos critérios para as licitações, algo parecido com que vem sendo realizado nos leilões de rodovias, onde leva a concessão quem propõe a menor tarifa de pedágio.

Também poderia haver uma intervenção mais efetiva para regular a competição e os efeitos desta para o usuário final. O governo poderia utilizar as verbas do Fust, pagos pelos consumidores brasileiros, para subsidiar o serviço oferecido àqueles mais pobres. “Poderia ser feita uma política de transferência de renda universal e honesta: quem tem renda paga e quem não tem, recebe”, opina Marcos Dantas, que avalia que o governo abandonou a ideia do regime público. Hoje, pela lei, o Fust só pode ser usado para a ampliação e melhoria da telefonia fixa, que é o único serviço de telecomunicações prestado em regime público.

Outro ponto que seria alterado com a mudança do regime é a obrigação da continuidade do serviço pelo prestador. “Quem esta prestando não pode desistir por razão qualquer. Como exigir continuidade de uma lan-house? E se o dono resolve que não é algo mais viável pra ele?”, questiona o professor da UFRJ.

O professor faz uma avaliação geral de que o PNBL é coerente com as outras políticas sociais do atual governo. “A política é deixar o mercado funcionar onde existe demanda, consumidor, renda e desenvolver políticas compensatórias onde não tem renda”, diz Dantas. Para ele, o risco desse tipo de lógica é manter as divisões sociais daqueles que usam plenamente os serviços e os que se beneficiam parcialmente.“Assim como você tem a pobreza usando o celular pela metade, você vai ter um pessoal que vai poder usar 512 Kbps – que permite fazer alguma coisa, mas não muita -, enquanto a classe média vai continuar usando os serviços [relacionados à internet]”, critica.

Fórum Brasil Digital

Depois de divulgado o decreto, o que deve ocorrer até o fim deste mês, será instalado o Fórum Brasil Digital, no mês de junho, que terá a participação de operadoras, fornecedoras de equipamentos, do governo federal, dos estaduais e municipais.

O representante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social na reunião com o governo, Jonas Valente, acredita que um próximo passo importante para as entidades sociais é reivindicar uma representação equilibrada no Fórum. “É necessário garantir uma presença majoritária da sociedade civil no Fórum Brasil Digital, impedindo a captura dele pelos empresários, e ampliar as atribuições do espaço”, defende.

A transformação da atividade de internet em um serviço com prestação em regime público também é uma das principais reivindicações do Intervozes. Além disso, Valente cobra que o governo incorpore ao plano “o provimento direto pelo Estado, definido no caso-a-caso a partir de uma avaliação sobre as deficiências da oferta pelos operadores privados e sempre buscando a gratuidade quando for possível”. A proposta do PNBL é que a rede governamental que será gerenciada pela Telebrás atue quase que fundamentalmente no atacado, deixando a oferta ao consumidor final nas mãos do mercado.

* Com colaboração de Mariana Tokárnia

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