Censura prévia contra ‘O Estado de S.Paulo’ completa seis meses

A censura prévia imposta ao jornal O Estado de S.Paulo completa, nesta quarta-feira (27), exatos 180 dias. Desde o dia 31 de julho de 2009, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), o veículo está proibido de veicular informações sobre a "Operação Boi Barrica", que apura supostas irregularidades cometidas por Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP).

Os recursos do jornal para que fosse encerrada a restrição começaram logo em agosto. Em 05/08, o Estadão entrou com reclamação pedindo que o desembargador responsável pelo caso, Dácio Vieira, se declarasse suspeito em decidir o caso. Reportagens publicadas anteriormente pelo próprio veículo paulistano apontaram que o magistrado mantinha laços de amizade com a família Sarney.

Após ter um pedido negado pelo próprio desembargador, em 15/09 o TJ declara Vieira suspeito para julgar o caso, mas mantém o veto ao veiculo. Ao final do mesmo mês, o Tribunal se julgou incompetente  para dar prosseguimento ao caso, enviando o processo para a Justiça do Maranhão.

Após recorrer sem sucesso em instâncias inferiores, em dezembro o jornal impetrou recurso junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo revogação da medida restritiva. Em decisão ajuizada em 10/12, a Corte não reconheceu a ação, mantendo o jornal proibido de veicular informações sobre a "Operação Boi Barrica".

Oito dias depois, Fernando Sarney apresentou pedido de desistência da ação contra o veículo. Na ocasião, a diretora jurídica do Grupo Estado, Mariana Uemura, considerou a iniciativa uma ação de "efeito midiático". Após o recesso do poder Judiciário, encerrado em sete de janeiro deste ano, o jornal aguarda ser intimado para decidir se acata ou não o pedido do filho de José Sarney.

Revista IMPRENSA

A edição 253 da revista IMPRENSA, publicada em janeiro deste ano, traz um editorial com análise sobre a censura prévia ao jornal O Estado de S.Paulo e o papel dos veículos de comunicação na garantia da liberdade de expressão no país democrático. Leia abaixo, na íntegra, o texto redigido pelos editores da publicação.

"Calada um pouco, como se entre os dentes lhe impedira a fala piedosa"
OS EDITORES
Revista IMPRENSA
Nesta edição homenageamos à pág. 28 os 25 anos da eleição de Tancredo Neves, primeiro civil a ser nomeado presidente após duas décadas de militares no posto máximo da nação. Ainda que o político mineiro tenha morrido pouco antes de assumir, substituído pelo vice José Sarney, sua herança e a esperança do Brasil rumavam num sentido único: a volta do Estado democrático de direito, com promulgação de uma nova Constituição e eleições diretas para presidente.

Essa complexa responsabilidade cumpriu-se com o mandatário maranhense e com a Assembleia Constituinte presidida por Ulysses Guimarães. Anunciou-se uma Carta Magna que, em seu artigo 5º, determinou ser "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", assegurando no artigo 220 que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social".

O mar de boas intenções não garantiu o respeito à liberdade de imprensa, uma vez que não foram completamente revogados os dispositivos da lei n. 5.250/1967, criada na ditadura para restringir a atividade jornalística e penalizar rigorosamente eventuais deslizes. Mais conhecida como Lei de Imprensa, o texto só foi derrubado por decisão do Supremo Tribunal Federal em abril do ano passado – tema que foi amplamente debatido por esta revista em diversas edições de 2009, notadamente em abril, maio e outubro.

É irônico pensar no caminho que se seguiu desde então. A falta de um arcabouço específico e certo estranhamento na aplicabilidade dos códigos civil e penal criaram uma "indústria de liminares" que, de formas diferentes, atingiu uma dezena de veículos e blogueiros do Brasil.

O caso mais emblemático – veja só – envolve o filho do político que colaborou para o restabelecimento do processo democrático, citado no início deste texto. A ação de Fernando Sarney contra o jornal O Estado de S. Paulo marcou o noticiário em 2009 e foi alvo de debate em diversas instituições para além do jornalismo. Apesar da proibição de escrever sobre a operação policial que investigava o empresário, o próprio jornal repercutiu, dia após dia, a censura que sofria, sem precisar recorrer aos versos de "Os Lusíadas", símbolo da perseguição militar nos anos de chumbo, como no trecho que dá título a este editorial.

O assunto voltou ao STF. A reclamação do jornal questionava a liminar como instrumento que feria diretamente a justificativa usada para revogar a Lei de Imprensa meses antes. O Supremo adotou, em sua maioria, preceitos técnicos que nada acrescentaram à discussão sobre liberdade de imprensa que ele mesmo incentivou. Julgou inadequado o mecanismo usado pelo jornal, preferindo a forma ao conteúdo. Raciocínio inesperado diante do recente sopro de modernidade que pareceu passar pela praça dos Três Poderes.

Até o fechamento desta edição, o Estadão já acumulava 160 dias de censura e esperava o retorno do feriado forense para cobrar resultados das ações de suspeição contra o juiz Dácio Vieira, responsável pela liminar, e do pedido de desistência da ação encaminhado por Fernando Sarney. Independentemente das conclusões, o STF deixou uma marca indelével em sua história e uma péssima referência para outros magistrados do Brasil.

Apoiada em seus 22 anos de apoio veemente à democracia, à livre expressão, à universalidade de conhecimento e à pluralidade de informação, a revista IMPRENSA encoraja a mídia brasileira a unir-se em torno do acontecido e a exigir enfaticamente o respeito pleno e inexorável à liberdade de imprensa.

Ainda que o Estadão recuperese do caso, uma demanda desse gênero, que parecia relegada ao passado trôpego de um país encarcerado, precisa reintegrar-se nos apelos das instituições e população com força e legitimidade. Os preocupantes acontecimentos que têm tomado a pauta jurídica no Brasil justificam-na.

Em ano de eleições – quando as influências e manipulações revelam-se ainda mais intensas, ainda mais espúrias -, tal campanha deve ser defendida com gana e paixão, como fez a sociedade naqueles intensos anos de 1984 e 1985. Afinal de contas, a atual Justiça brasileira não parece muito distante da dama intrusiva que manchou, há 40 anos, a história de nosso país.

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