Etapa mineira encaminha 700 propostas à Confecom

Ansiada por muitos e temida por alguns, a Conferência Estadual de Comunicação de Minas Gerais (Confecom-MG), realizada entre os dias 13 e 15 de novembro, apesar de alguns problemas, foi um passo importante para a democratização da comunicação no Brasil. Movimentos sociais, empresários e poder público reuniram-se, por três dias, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para discutir políticas públicas de comunicação e falar livremente sobre a democratização da mídia no Brasil.

A Conferência Estadual, transmitida ao vivo pela TV Assembleia para todo o estado e também via internet, elegeu 64 delegados da sociedade civil, 64 do segmento empresarial e 16 do poder público. Minas Gerais será a segunda maior delegação na Conferência Nacional de Comunicação, que será realizada entre os dias 14 e 17 de dezembro, em Brasília, atrás apenas da delegação de São Paulo.

Quase 700 propostas foram encaminhadas à Comissão Organizadora Nacional. Foram aprovadas 16 das 19 moções apresentadas, todas elas pelos representantes dos movimentos sociais. Entre elas, destaca-se a moção que condena a censura à imprensa mineira pelo Governo Estadual, aprovada por contraste visual. Entre as propostas discutidas, destacam-se as que procuram garantir a universalização do acesso à internet, as que criam conselhos municipais e estaduais de comunicação e as que garantem controle público e social da comunicação.

A organização do evento foi bastante elogiada pelo presidente da Comissão Organizadora Nacional, Marcelo Bechara, mineiro, que participou dos três dias do evento em Belo Horizonte. “O espírito de participação democrática dos três segmentos aqui em Minas está servindo de exemplo para o resto do Brasil”, comentou Bechara acerca do bom entendimento entre empresários, poder público e movimentos sociais durante a realização de uma reunião extraordinária da Comissão Organizadora Estadual de Minas Gerais (COE-MG), feita no primeiro dia do evento, para solucionar problemas no credenciamento de participantes da sociedade civil.

Apesar da avaliação positiva de Bechara, o governo do estado não garantiu passagem nem hospedagem para os participantes do interior, o que prejudicou a mobilização das pessoas. Nesse sentido, foi proposta uma moção – não aprovada – sobre a falta de apoio à participação dos participantes do interior do estado.

Votação de moções foi a verdadeira conferência

Apenas na plenária final, no domingo (15), foi possível vislumbrar o embate entre movimentos sociais e o que na Confecom é definido como "sociedade civil empresarial". Impedidos de votar propostas pelo regimento elaborado pela Comissão Organizadora Nacional, que definiu que as etapas estaduais apenas reunissem as proposições que serão levadas para apreciação dos delegados em Brasília, restou aos participantes da Confecom-MG debater e votar apenas as moções.

O murmurinho, os gritos e a agitação tomaram conta do plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais enquanto as propostas de moções eram defendidas pelos representantes dos movimentos sociais. Os empresários não apresentaram moções e tiveram pouca participação na votação dessas. Pouquíssimos fizeram defesas contrárias às moções e grande parte delas foi vencida por contraste visual.

Aos brados de "abaixo a censura", aprovou-se a moção contra o cerceamento da imprensa pelo governo do estado de Minas Gerais. O governo de Aécio Neves é acusado em diversos sites da web e em vídeos do Youtube de censurar e mandar embora jornalistas de veículos mineiros. Perguntado sobre a aprovação desta moção, Hugo Teixeira, representante da Superintendência Central de Imprensa do governo do estado, apenas disse: "Você realmente acredita que nós mandamos essas pessoas embora? Não há nenhum dado concreto que prove isso."

Apresentada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a moção de repúdio à criminalização dos movimentos sociais e em favor da reforma agrária também foi aprovada em plenário. Outra moção que movimentou o plenário foi a que pedia a transparência nos gastos realizados pelo governo do estado para a realização da Confecom-MG.

Os movimentos sociais perderam na votação de apenas três moções e apenas uma foi ganha por unanimidade: a moção em favor da participação da sociedade nos Conselhos Gestores da TV Minas e Rádio Inconfidência.

Metodologia ruim, debates prejudicados

A série de exigências e resoluções propostas pela Comissão Organizadora Nacional não permitiram que, durante as reuniões dos grupos de trabalho, se estabelecesse um debate real entre os segmentos que participaram da conferência. As mais de mil propostas encaminhadas à Conferência Estadual de Minas Gerais pelas etapas municipais e intermunicipais não podiam ser alteradas, melhoradas ou suprimidas. Se qualquer alteração fosse feita, a proposta anterior e a reformulada precisavam ser encaminhadas.

Todas as propostas encaminhadas, por uma decisão da COE-MG, tiveram de ser lidas no início dos trabalhos, o que tomou bastante tempo das discussões. Dos três grupos, dois só terminaram seus trabalhos após as 19h, somando mais de cinco horas de atividade. Além disso, os três GTs tinham grande número de participantes (mais de 100 cada um), o que inviabilizou a possibilidade de fala para todos os que estiveram presentes.

Durante os debates do Grupo de Trabalho 3, que tratou do eixo “Cidadania: direitos e deveres”, houve uma tentativa dos presentes de garantir a soberania do grupo e permitir que as propostas alteradas ou suprimidas por consenso prevalecessem sobre as originais. No entanto, o representante dos empresários na mesa de condução do GT foi contrário à proposta apresentada.

Diante da insistência dos demais presentes, que queriam garantir a alteração e reformulação a despeito das propostas originais, quatro representantes da “sociedade civil empresarial” que se encontravam no GT informaram que impediriam qualquer consenso, o que inviabilizou uma sistematização adequada das propostas.

A sistematização e eliminação de propostas equivalentes ficará a cargo da Fundação Getúlio Vargas, contratada pelo governo federal para auxiliar na organização da Conferência Nacional.

Eleição de delegados

Contrastando com a presteza e facilidade com que empresários e poder público escolheram seus delegados, a “sociedade civil não empresarial” só conseguiu apresentar seus nomes nos minutos finais da Confecom-MG.

A escolha foi feita a partir de uma chapa única, baseada em critérios regionais, representatividade das entidades e participação na construção da conferência, apresentada por Kerison Lopes, do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais. Pelo menos três reuniões envolvendo os participantes dos movimentos sociais foram realizadas para se chegar a um acordo acerca dos nomes e dos critérios. Foi grande a disputa entre regiões do interior e mesmo entre os diversos segmentos, que queriam garantir a maior participação de seus representantes.

Jornalistas e comunicadores comunitários terão o maior peso na chapa mineira. Os representantes do Triângulo Mineiro, que tinham a maior representação do interior, negociaram até o final para conseguir oito representantes, o que dificultou o processo de finalização da chapa.

Ao final, com a desistência de dois delegados que já constavam na chapa, mas que preferiram deixar de participar para garantir a unidade dos movimentos sociais (havia o risco de se dividir os participantes e fazer uma disputa de chapas no momento final) chegou-se a um consenso e os movimentos sociais apresentaram os nomes dos delegados que representarão a “sociedade civil não empresarial” em Brasília.

*** SAIBA MAIS: ***

Resumo de algumas propostas dos eixos:

Eixo “Meios de Produção”:

  • regulamentação da distribuição da verba destinada à publicidade e propaganda oficial dos governos municipal, estadual e federal, garantindo a reserva de 30% para rádios e TVs comunitárias, jornais de bairro de baixa tiragem, internet e outras mídias comunitárias.

  • garantia de subsídio estatal para a aquisição de equipamentos para as rádios comunitárias através de linha de crédito ou subsídio direto.

  • regulamentação de artigo da Constituição que estabelece a regionalização da produção cultural, artística e jornalística.

  • criação do Fundo Nacional de Comunicação Comunitária, financiado com impostos a serem cobrados das empresas comerciais de comunicação.

  • acesso gratuito e universal de banda larga para todos os brasileiros.

  • elaboração de novo marco regulatório para a televisão por assinatura que contemple a eliminação das restrições contidas na Lei Geral de Telecomunicações que impedem a prestação do serviço de TV a cabo por parte das prestadoras de serviços de telecomunicações.

  • estabelecimento de uma Rede Única de Comunicação Pública para a Rede Minas e a Rádio Inconfidência, com participação efetiva da sociedade civil em conselhos de gestão e editorial e, principalmente, com autonomia para gestão dos recursos previstos em lei.

  • observação, no ato de outorga de radiodifusão, do impedimento do controle, gerência ou direção de empresa por pessoas físicas investidas em cargo público ou no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial, e seus parentes até 3º grau, em nome próprio ou de terceiros.

  • definição de critérios legais para a publicidade oficial; reserva de, no mínimo, 30% das verbas de publicidade oficial para veículos de baixa circulação comercial e não-comercial.

  • ampliação e fortalecimento das rádios comunitárias.

  • valorização e implantação dos conselhos de comunicação federal, estadual e municipal.

  • estabelecimento de uma política estadual de comunicação com foco no controle público dos meios de comunicação, por meio de um projeto de lei na Assembleia que garanta a participação popular de maneira institucionalizada.

Eixo “Meios de Distribuição”:

  • valorização e implantação dos conselhos de comunicação federal, estadual e municipal, de caráter deliberativo e abertos à participação popular.

  • rediscussão do fim da exigência de diploma para o exercício da função de jornalista.

  • regulamentação do artigo 223 da Constituição Federal, com a alocação de 40% do espectro para emissoras públicas; 40% para emissoras privadas, divididos entre comerciais e sem fins lucrativos; e 20% para as emissoras estatais.

  • estudo de novos parâmetros para a distribuição de concessões de rádios e TVs; e desburocratização das concessões das rádios comunitárias.

  • criação de política pública orientada para a universalização dos equipamentos utilizados para acesso à internet, por meio de redução de carga tributária.

  • fim da proibição de veiculação de publicidade nas rádios comunitárias e educativas.

  • inclusão de todas as emissoras de televisão do campo público no projeto de operador de rede; e garantia de que as emissoras legislativas estejam todas no mesmo transmissor, na estrutura do operador de rede, a fim de permitir a criação de uma rede legislativa.

  • garantia de acesso ao sinal aberto pelas TVs comunitárias; e criação de um fundo nacional para o desenvolvimento da comunicação comunitária.

  • uso de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funtel) para políticas públicas de democratização da comunicação social.

  • modificação da legislação da Anatel a respeito do acesso à rede mundial de computadores via rede elétrica, de maneira a garantir a universalização gratuita ou de baixo custo por esse meio.

  • universalização da internet de banda larga como política pública, usando os recursos do Fust e demais fundos públicos.

Eixo “Cidadania: direitos e deveres”:

  • criação de conselhos municipais e estaduais de comunicação deliberativos.

  • garantia, pela sociedade e seus representantes, do direito do controle social na comunicação, por meio de conselhos e outros mecanismos democráticos.

  • efetivação das políticas públicas de acesso gratuito à internet, como telecentros, garantindo também o acesso à aquisição de equipamentos por meio de financiamentos.

  • proibição do monopólio e oligopólio na área de comunicação por meio de mecanismos que identifiquem os reais concessionários e permissionários.

  • formulação de uma nova política de outorgas e de renovação de outorgas de emissoras de radiodifusão e de novas tecnologias de comunicação, na qual constarão, entre outros dispositivos, a previsão de realização de audiências públicas e de apresentação de pesquisa com avaliação dos serviços prestados à comunidade.

  • criação, em âmbito nacional, de comissão intersetorial de controle social dos conteúdos veiculados nas TVs, rádios, mídia impressa e programas de auditório e humorístico, a fim de coibir as discriminações por gênero, orientação sexual, etnia, deficiência e religião.

  • produção de nova legislação sobre direito de resposta e produção de uma nova lei de imprensa que garanta a liberdade de expressão.

  • efetivação da autonomia das instâncias de controle social das políticas públicas de comunicação (conferências, conselhos, audiências), desatrelando-as do Executivo e Legislativo.

  • várias propostas relativas à “educomunicação” (análise crítica dos meios), inclusive com a inserção de conteúdos nos currículos escolares.

  • implantação de mecanismos de acessibilidade na comunicação, a fim de garantir o direito à plena participação; e criação de publicidades oficiais inclusivas, não apenas com a existência de recursos mínimos (audiodescrição, legenda, braille e intérpretes de libras), mas com a presença de negros e pessoas com deficiência em todas elas.

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