Apressado, plano pode não atender demandas sociais para banda larga

A pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a equipe do governo trabalha contra o relógio para finalizar um Plano Nacional de Banda Larga, que consiga levar para a maioria da população – ou toda ela – o acesso à internet de alta velocidade. O prazo estipulado pela Presidência para que os ministérios envolvidos apresentassem suas propostas terminou hoje (11), mas a reunião com Lula foi remarcada para a próxima semana.

A pressa na iniciativa, porém, dificulta a colaboração das entidades que lutam pelo direito à comunicação no projeto. Muitas delas já captaram a importância da pauta da universalização da banda larga. Evidência disso são os resultados de encontros que estão sendo realizados pelo país como preparação para a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).

No entanto, toda essa contribuição pode cair no vazio. Mesmo com o adiamento da reunião ministerial, a definição do plano deve acontecer a cerca de um mês da realização da etapa nacional da Confecom, que acontece entre os dias 14 e 17 de dezembro.

O trabalho está sendo feito por uma equipe interministerial, dividida em dois grupos: um para tratar de infra-estrutura e outro para avaliar mudanças no marco regulatório. Os donos das empresas de telefonia tem tido acesso direto ao governo para apresentar suas propostas. Nesta terça-feira (10), por exemplo, eles estavam reunidos com o ministro Hélio Costa.

Neste encontro, deveriam apresentar uma sugestão sobre fazer do PNBL uma parceria entre governo e setor privado, mas o que surgiu no encontro foram demandas como a desoneração do serviço e liberação de verbas do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). A legislação atual diz que o Fust deve ser usado para a universalização dos serviços de telefonia fixa – hoje o único prestado em regime público e, portanto, sujeito a metas de universalização –, mas já há um projeto sendo discutido no Congresso para liberar investimentos também para a internet.

Além das dúvidas a respeito do conteúdo do plano, a falta de abertura das discussões para a sociedade civil não-empresarial tem instigado críticas à metodologia adotada. “Se há a intenção de construir um processo de participação social que tenha impacto na politicas públicas com a Confecom, parece ilógico construir uma proposta dessa magnitude às vésperas de um processo que deveria propor as diretrizes desse plano. É só mais uma cereja no bolo que evidencia o quão desvalorizada está a conferência”, opina Diogo Moyses, consultor técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Para alguns analistas, a proposta de um plano nacional de banda larga já vinha sendo gestada dentro do governo. No entanto, ela ainda não havia sido fechada por divergências internas. “O Ministério das Comunicações vinha elaborando a proposta, só que ela atraía as empresas privadas de telecomunicações. Na Casa Civil, seria alavancada pelo setor público-estatal”, situa o coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LapCom) da Universidade de Brasília, Murilo Cesar Ramos. O acadêmico acredita ser difícil acabar com essas diferenças neste pouco tempo que foi dado para a elaboração do plano, cerca de 45 dias entre a primeira e a segunda reunião dos ministérios com Lula. Mesmo assim, ele ressalta que a iniciativa do governo merece todo o apoio.

Rede pública

Apesar da pouca informação que se tem sobre o PNBL, alguns temas já circulam pela mídia especializada. Um deles é a vontade que alguns membros do governo federal teriam em constituir uma rede pública de fibras óticas a partir da interligação de algumas redes existentes de empresas do governo, como as da Petrobras, Eletronorte, Furnas e Chesf. De acordo com declarações do secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna, essa estrutura federal somaria mais de 31 mil quilômetros de cabos, o que atenderia 4.245 municípios (76% do total) em 23 estados mais o Distrito Federal. Uma das propostas aventadas é que a gerência dessa rede seria da Telebras.

“A hipótese não pode ser desconsiderada. O exemplo maior é da proposta do governo da Austrália, que mostra claramente que pensar numa rede pública estatal não é absurdo. Mas ela implica alta responsabilidades”, afirma o professor Murilo Ramos.

Opinião semelhante tem o secretário executivo do Instituto Nupef (Núcleo de Pesquisa, Estudos e Formação), Carlos Afonso. “A melhor proposta parece ser a que combinará redes já existentes com lançamento de novas fibras para assegurar pontos de presença de espinhas dorsais de alta velocidade em todos os municípios brasileiros. A rede operada por uma estatal (no caso, a Telebras) servirá como agente regulador de preços na prática, ao oferecer mais banda por menor preço que os atualmente praticados pelo 'mercado' – na verdade, o cartel das operadoras privadas”, acredita ele. O Nupef é ligado à Rede de Informação para o Terceiro Setor (Rits).

O Nupef também avalia que a rede pública poderia ser associada a um plano de apoio à implantação de redes municipais, em parcerias com prefeituras, entidades e empresários locais. “Seria uma forma de 'furar' o cerco do cartel das operadoras e provavelmente a única maneira de efetivamente universalizar o acesso de qualidade para toda a população. Ainda não vimos isso mencionado nas discussões do plano nacional de banda larga”, diz Carlos Afonso.

Regime público

Uma iniciativa que independe da construção da rede pública é citada pelos analistas ouvidos pelo Observatório do Direito à Comunicação como uma das principais maneiras de se massificar o acesso à banda larga. Trata-se de classificar a internet em alta velocidade como um serviço a ser prestado em regime público. Hoje, apenas a telefonia fixa é assim categorizada. A implantação de tal medida levaria ao estabelecimento de metas de universalização da banda larga, além de obrigações referentes a preços e tarifas.

O coordenador do LapCom Murilo Ramos é taxativo: “Só vamos ser considerados socialmente justos se [a banda larga] for serviço em regime público com obrigações de universalização.”

Assim também pensa Carlos Afonso, do Nupef. “Estamos de acordo com a necessidade de garantir infra-estrutura de alta velocidade para todos os municípios em regime público. Creio que isso não elimina as muitas possibilidades de prestação de serviço a partir dessa rede democratizada, por parte de provedores comerciais ou não, provedores de vários tipos, especialmente no nível local.” Não há nenhum sinal, porém, que indique disposição do governo em concretizar a reivindicação dos analistas.

Isenção fiscal

Surge também nas discussões uma possibilidade de massificar o acesso por meio de isenções fiscais oferecidas às atuais empresas provedoras de internet. Para elas, poderia ser uma forma interessante de levar suas redes a locais onde hoje não o fazem por falta de retorno financeiro. É o que recentemente fez o governador de São Paulo, José Serra, por meio da isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). A proposta paulista pretende oferecer uma velocidade de 200kbps por R$ 29,80. A redução dos impostos é uma das principais bandeiras das teles.

A medida aplicada em São Paulo, porém, não pode servir de referência nacional. Pelo menos é a opinião do secretário executivo do Nupef. “A desculpa do imposto é uma mentira deslavada: o
preço da banda pseudolarga e pseudopopular oferecida pela Telefônica com desconto de imposto em São Paulo (R$30 por 200 kb/s, ou 0,2 Mb/s) é 65 vezes mais alto que o preço por Mb/s oferecido pela mesma empresa em Londres, por exemplo”, relata Carlos Afonso. “Não há imposto que justifique tal absurdo de preço com a péssima qualidade praticada pelas operadoras. Isso sem falar que só garantem 10% da banda.”

A Telefônica deveria começar a vender a alardeada banda larga popular esta semana, mas não o fez. Segundo o noticiário especializado Teletime News, quem procura informações sobre a compra do serviço recebe como resposta que a empresa ainda vai “concluir em breve as atividades adicionais necessárias para a comercialização do produto”.

Instituições ligadas aos direitos do consumidor denunciam que a Telefônica estaria promovendo a venda casada de produtos, o que é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso porque a empresa quer vender a banda larga popular apenas para quem for assinante do seu serviço de telefonia fixa. “Que família de menores recursos pode pagar R$70 para ter essa banda miserável em casa? São R$40 da assinatura básica de telefonia mais R$30 da banda pseudolarga Speedy, que deveria chamar-se Slowly”, critica Carlos Afonso, do Nupef.

Avaliação das teles

Para o representante do Idec, Diogo Moyses, a falta de participação popular na construção do plano pode fazer com que ele não leve em consideração as necessidades da sociedade. “Muitos locais ainda não têm o serviço disponível. A imensa maioria do país vive dependente do monopólio (Oi e Telefônica). Os preços são altíssimos e a qualidade do serviço é precária, com problemas de cobranças indevidas, cláusulas abusivas nos contratos, publicidade enganosa, serviço contratado e não oferecido e sinal de baixa qualidade”, resume o consultor, sobre algumas questões que, segundo ele, devem ser consideradas na elaboração do Plano Nacional de Banda Larga.

Embora tenham sido cogitadas na mídia maneiras diferentes de se universalizar a banda larga, os analistas defendem que, em todas elas, deve ser considerada a presença do Estado na regulamentação do serviço. “Do modo que está hoje, com o avanço do setor privado, vamos levar décadas para um acesso massificado da banda larga. Não há como fugir de uma intervenção estatal forte nesse momento”, enfatiza Murilo Ramos.

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