Compreender a diversidade e incluir pessoas com deficiência é dever da imprensa

A formação de jornalistas que trabalhem a favor de uma sociedade inclusiva, que respeite os direitos das pessoas com deficiência, deve estar voltada para nada mais do que reafirmar o princípio intrínseco ao trabalho da imprensa de respeitar e promover a diversidade. Participando do seminário “Comunicação e Exclusão”, realizando em São Paulo na última semana de outubro, o professor e jornalista boliviano Jose Luis Aguirre salientou que as informações não são compartilhadas por casualidade, mas por compromisso de serviço a um contexto humano e social. “Nossa tarefa não é acidental, é medular. É da qualidade do compartilhamento [de informações] que fazemos com a comunidade que construímos democracia, oxalá uma democracia inclusiva com justiça social.”

Aguirre é diretor do Serviço de Capacitação em Rádio e Televisão para o Desenvolvimento (Servicio de Capacitación en Radio y Televisión para El Desarrollo – Secrad) da Universidad Católica Boliviana San Pablo. Ao lado de Cláudia Werneck, da organização Escola de Gente, e Carlos Chaparro, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, participou de uma mesa-redonda sobre formação profissional e o discurso jornalístico sobre as deficiências. O seminário, organizado pelo SESC-SP e o Instituto MID para a Participação Social das Pessoas com Deficiência, tratou da relação entre mídia e inclusão de pessoas com deficiência.

"Comunicação significa em latim fazer como um. Mas em grego é fazer como um em comunidade", lembrou Aguirre, na sua defesa do espaço da comunicação humana como espaço de interculturalidade. “Eu me comunico com vocês, venho de outra cultura, mas não por isso somos inimigos, somos sujeitos em construção mútua”, disse, fazendo um paralelo com as diferenças interpessoais. A possibilidade de compreender a diversidade inclui as pessoas com deficiência.

Concordando com Chaparro que a idéia de neutralidade para jornalistas é “odiosa”, o professor boliviano acredita que não é necessário formar comunicadores ou jornalistas apenas para que se aproximem casualmente das mulheres, dos indígenas, das crianças, pessoas com deficiência e qualquer diversidade que exista. “Do contrário estaríamos impondo uma tarefa complementar ao trabalho, e não creio que estamos falando de algo complementar”, afirmou. Assim, a formação de comunicadores teria que ensinar uma vocação de permanente negociação com a diversidade cotidiana.

O professor Carlos Chaparro complementou que o jornalista deve estar sempe ao lado da sociedade e prever que, nas suas matérias, ela sempre seja um partícipe do conflito colocado, qualquer que seja o assunto.

Questionado por uma estudante de jornalismo sobre como ela e outros jornalistas em formação poderiam contornar a ausência da educação inclusiva no seu currículo escolar, Aguirre afirmou que as pessoas tem a obrigação de se formarem apesar dos professores e instituições, pois existem limites e mediocridades. “A melhor escola é a que trabalhemos em nós mesmos. Ninguém vai ensinar em uma classe a ser sensível, tolerante”, comentou.

O grupo do qual Aguirre faz parte elaborou documentos e folhetos explicativos sobre comunicação inclusiva. A distribuição desse material entre jornalistas têm o objetivo de sensibilizá-los e ajudá-los em dúvidas básicas, por exemplo, como entrevistar uma pessoa com deficiência física. Alguns exemplares foram distribuídos no seminário, mas as instituições e faculdades brasileiras poderiam tomar iniciativa semelhante.

Educação com as diferenças

Diretora da organização Escola de Gente – Comunicação e Inclusão, Cláudia Werneck aprendeu a ser jornalista depois que se especializou em pessoas com deficiências. Quando começou a trabalhar com esse segmento devido a um acontecimento pessoal, seus colegas achavam que ela havia “abandonado” o jornalismo. Para ela, era justamente o contrário. “Nesse processo de grande sofrimento, as pessoas acham natural você ser especializada em carros, comida doce ou salgada, corrida de cavalo. Mas você ser especializada em um conceito sobre o qual as pessoas evitam falar sobre, é uma atividade muito difícil”, confessou.

Cláudia compartilhou seu descontentamento com o trabalho atual da imprensa em relação às pessoas com deficiência. Para ela, as matérias são as mesmas desde o começo da década de 90 e deixa-se de comentar de forma mais aprofundada e crítica a situação desta parcela da população. “As notícias de deficiência são ridículas. São as mesmas de 92, 93. Por exemplo: qualquer criança tem que estar na escola regular pela legislação do Brasil. Mas as matérias de educação inclusiva mostram a mãe que escolheu a escola especial e a mãe que escolheu a educação inclusiva, só isso.” A jornalista acredita que as matérias não falam de políticas públicas, do descumprimento de legislação e até da economia de um ponto de vista das pessoas com deficiência.

Para melhorar a qualidade das matérias, Cláudia afirmou que é necessário que exista pluralidade de fontes. “É preciso buscar fontes inimagináveis, perturbadoras, para que se gere reflexão. Trabalhar com as fontes, com o confronto a partir do entendimento de que esse tema exige respeito. Afinal, tratamos de violações aos direitos humanos.”

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