Cidade baiana é exemplo em ações pelo direito à comunicação

Nas margens baianas do rio São Francisco, Juazeiro é acostumada a receber os ventos de transformações sociais no Brasil. Foi nesta cidade, na divisa com Pernambuco, que o conterrâneo João Gilberto se inspirou no canto das lavadeiras para sintetizar na voz e no violão o som que viria a mudar hábitos culturais e conquistar o mundo sob o nome de Bossa Nova. Nos dias atuais Juazeiro sintetiza na organização social demandas avançadas na luta pelo direito à comunicação no País: reúne Comissão Regional Pró-Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), tem capítulo sobre comunicação na Lei Orgânica e acolhe intercâmbio do comunicador comunitário com o ambiente universitário, poder público e organismos internacionais.

“Desde a Conferência Estadual da Bahia, em 2008, muitas entidades se sensibilizaram a enxergar a comunicação como prioridade”, comenta Paulo Victor, assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e membro da Comissão Pró-Conferência Nacional local. Comunicadores comunitários e populares, sindicalistas, produtores independentes, radialistas, movimentos de luta pela terra, estudantes, professores universitários, jornalistas, agentes de saúde e grupos culturais são os atores elencados por Paulo Victor que enfrentam o desafio de potencializar o bom momento local com o processo mais amplo em nível nacional. Nos dias 10 e 11 de setembro, Juazeiro abre a maratona de Conferências Livres pelo interior da Bahia com um Seminário Preparatório e a preocupação é latente: “A Confecom é importante, mas a conjuntura de instabilidade nos deixa desacreditado muitas vezes”, concluí Paulo.

No âmbito local, as políticas públicas avançam a passos largos. A Prefeitura incluiu um capítulo apenas sobre comunicação na Lei Orgânica do Município e os diálogos para implementar o Conselho Municipal estão em fase de conclusão. “É um governo novo, recém instalado, que tem uma relação com os movimentos sociais respeitosa e harmônica nas questões relacionadas à democratização das comunicações. Isso tem apontado diretrizes importantes para repensar a comunicação e fugir das imposições dos meios de massa”, comenta Fernando Veloso, secretário de Comunicação do município.

Formação do comunicador comunitário

Nos dias 7 e 8 de agosto, o Campus III da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), também localizado em Juazeiro, acolheu I Encontro de Formação em Comunicação Comunitária do Sertão do São Francisco. O evento foi resultado de um mapeamento do setor na região coordenado pela professora Céres Santos e contou com o apoio do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), Sesc/Senac, Instituto de Radiodifusão da Bahia (Irdeb), Assessoria de Comunicação do Governo Estadual (Agecom), além da parceria da Ong Cipó Comunicação Interativa e do Sindicado dos Trabalhadores de Rádio, TV e Publicidade (Sinterp).

Érica Daiane, militante da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos) é uma das estudantes responsáveis pela pesquisa na Uneb e a partir do mapeamento defende: “A ausência da formação ocasiona a existência de algumas rádios comunitárias de direito, mas que não se configuram como tal na prática cotidiana. Conclui-se que a falta de sensibilização quanto ao uso deste instrumento em benefício do desenvolvimento local, através da conquista da cidadania, é um obstáculo na democratização da comunicação e da informação mesmo onde já existem meios com este propósito”.

Érica também enfatiza que o projeto tomou como base as rádios comunitárias e os sistemas de alto-falantes existentes em dez cidades, bem como as ações desenvolvidas pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) e pelo Setor de Comunicação e Audiovisual da Diocese de Juazeiro (Sedica). Para ela a tendência é a universidade ampliar os laços com as organizações sociais, já que a graduação da Uneb oferece disciplinas voltadas para educação, movimentos sociais e comunicação comunitária.

Durante as atividades do I Encontro de Formação os comunicadores das cidades de Curaça, Remanso, Juazeiro, Canudos, Campo Alegre de Lourdes, Pilão Arcado, Uauá, Sobradinho, Sento e Sé puderam debater temas como mecanismos de sustentabilidade diferenciados das rádios comerciais, municipalização dos processos de concessões desde que deliberadas por conselhos locais, criminalização por parte da Polícia Federal, além de oficinas e painéis, como o ministrado pelo “vizinho” pernambucano Ricardo Mello, sobre a experiência no desenvolvimento de políticas públicas na cidade de Camaragibe, região metropolitana de Recife. Mello alertou que as práticas não se consolidaram na estrutura administrativa e foram abandonadas após o eleição de prefeito comprometido com o conservadorismo na cidade. A experiência, entretanto, resultou no livro Comunicação de interesse público: a escuta popular na comunicação pública – Abrindo caminho para uma nova política”, produzido pela Universidade Federal de Pernambuco.

Exemplo de mobilização

Nas palavras de Andreia Neri, representante do Unicef, a região avança para se tornar referência na mobilização da comunicação ao lado da região sisaleira. “O comunicador comunitário é parceiro estratégico para construir uma imagem positiva do semi-árido e promover maior entendimento dos direitos através do controle social”, defende Andreia. Já Mário Sartorelo, coordenador do Irdeb, ressalta que a atividade em Juazeiro representa um coletivo de instituições e entidades que desenvolvem o projeto Ondas Livres, voltado para formação dos comunicadores e atende às reivindicações das Conferências Estaduais de Cultura e Comunicação.

Marcos Vinicius, jornalista e integrante da rádio comunitária Sertaneja FM exalta que a formação é fundamental para disseminar uma nova cultura de comunicação e relembra o recente episódio de uma associação comunitária no distrito de Itamatinga que foi priorizada frente à um grupo comercial no pedido de outorga no Ministério das Comunicações pelo simples fato de preencher os trâmites de forma mais correta que o concorrente. “Antes de 2005, as rádios comunitárias da região eram oriundas de sonhos pessoais. Depois, se tornaram projetos coletivos”, resume Vinicius sobre o momento local.

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