Na audiência do Conselho Curador, cobranças por transparência

Após 17 meses de existência, o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizou sua primeira audiência pública. Anunciada como espaço para a manifestação da sociedade civil sobre a TV Brasil, a reunião foi bastante além da divulgada discussão sobre “o papel da TV pública no Brasil” e da expectativa dos conselheiros e diretores da empresa de conversar sobre a programação do canal. Os participantes da audiência ampliaram o temário à estrutura, financiamento e gestão da EBC, inclusive questionando o funcionamento do próprio Conselho Curador.

A realização da audiência foi um dos primeiros compromissos assumidos por esta gestão inaugural do conselho. Foi a forma encontrada pelos conselheiros e a direção da EBC para minimizar as críticas ao fato de a composição do órgão deixar a desejar no que diz respeito à participação da sociedade na gestão da empresa. O Conselho Curador é composto por indicações diretas do presidente da República, com exceção de um representante dos funcionários que, por sua vez, apenas acompanha as reuniões.

A primeira experiência de abertura do conselho, entretanto, apresentou problemas em relação à divulgação e ao formato de participação. Apesar de aberta ao público, apenas pessoas que se inscrevessem previamente e fossem sorteadas no início da audiência poderiam falar durante o evento. Apenas 33 pessoas se inscreveram e, destas, só 12 compareceram à reunião – justamente o número de participações previstas pelo conselho.

Alguns dos designados para falar durante a audiência passaram a palavra a outras pessoas que participavam da reunião, criando certo incômodo entre os conselheiros. Quando o jornalista e membro da Comissão de Funcionários da EBC, Flávio Gonçalves, alegando que outro colega representaria a comissão dos funcionários, passou a fala para o presidente do Sindicato dos Jornalistas – que não estava inscrito no sorteio -, o presidente do Conselho, Belluzzo, chamou de “estranha a participação de funcionários da TV”.

A mesma situação se repetiu quando da fala de Jerônimo Calório, da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação, a Enecos. Questionado sobre a manifestação dos funcionários, Belluzzo aproveitou para dizer: “Não pretendo cassar a palavra de ninguém, mas gostaria de ampliar o espaço para a manifestação da chamada sociedade civil”. A presidente da EBC, Tereza Cruvinel, em dado momento ressaltou que as regras da audiência foram estabelecidas pelo Conselho para organização da reunião.

Outro momento de constrangimento entre os participantes foi provocado pela saída prematura do presidente do conselho da reunião. Belluzzo ouviu apenas metade das participações da sociedade, foi o primeiro a falar pela conselho e deixou a audiência por volta das 16h50. O fato não passou despercebido sendo lamentado por ter “demonstrado o compromisso dele com o evento”, segundo afirmou o jornalista da TV, Marcus Vinícius Fraga, um dos seis inscritos sorteados no dia do evento e que falaram após a saída de Belluzzo.

Entre outras demandas sobre a gestão da EBC, mudanças no funcionamento do próprio Conselho Curador foram cobradas. Os participantes lembraram a necessidade de se publicar as pautas e atas das reuniões do conselho, que acontecem mensalmente. “A transparência é um pilar fundamental que protege a TV pública que a gente quer”, defendeu Carolina Ribeiro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Os demais conselheiros, que se manifestaram após as perguntas dos participantes, preocuparam-se em reafirmar a importância da audiência, como forma de abrir o Conselho Curador e a própria EBC à participação da sociedade.

Caráter público deve ser definido na prática

O tema central previsto pelo conselho para a audiência, a programação da TV Brasil, suscitou questionamentos acerca do caráter público de comunicação, transparência e diálogo com o cidadão. O jornalista da EBC, Eduardo Mamcasz, logo incitou a reflexão sobre o modelo de televisão desenvolvido pelo sistema público de comunicação. Ele ressaltou “a necessidade de se definir claramente o que é público”, a fim de que isto esteja presente nas atividades dos funcionários da TV.

Falando especificamente das questões jornalísticas, Mamcasz reclamou de que há “um manual de redação sendo feito sem discussão pública”. A diretora de jornalismo da TV, Helena Chagas, respondeu mais tarde que este manual “está sendo construído todos os dias”.

Defendendo a importância de haver uma tradução prática do caráter público do jornalismo da EBC, Guilherme Strozi, também jornalista da empresa, falou sobre a relevância de se “deixar claro o que é o jornalismo participativo (modelo que tem sido implementado pela TV Brasil) a fim de conseguirmos fazer a sociedade de fato participar”. “Se eu não posso ser fonte na Globo, que eu possa ser no 'Ver TV' [programa da TV Brasil e TV Câmara sobre comunicação]”, disse Francisco Pereira, jornalista da Câmara, ao se referir aos diferenciais de uma TV pública.

Como ponto positivo do jornalismo da EBC, apontou-se a existência de um correspondente no continente africano e a presença de apresentadores negros – uma questão ainda mal resolvida na televisão brasileira. Sobre o telejornalismo Tereza Cruvinel disse que “tem novas programações com licitação internacional, como a Revista África, e novidades na grade que ainda vão acontecer”.

A regionalização e pluralidade na programação também foram lembradas como aspectos que permitem a veiculação de manifestações culturais não encontradas em outras emissoras. Já a parceria entre TV Brasil e cinema nacional foi defendida como processo estratégico na atuação da TV pública considerando, inclusive, a grande produção interna nacionalmente mal usada.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *