Inclusão digital é tarefa de todos

Quando se fala em inclusão digital, fala-se em dar acesso à tecnologia de informação e comunicação. E, neste contexto, é importante todos os órgãos que lidam com a questão da cidadania estarem articulados. Por que razão o país tem hoje índices de analfabetismo muito menores que países africanos que têm a mesma idade do Brasil? Porque existe uma política pública estatal de inclusão das pessoas na educação. Se o país não tivesse decidido que 25% dos orçamentos dos estados e 30% dos orçamentos dos municípios deveriam ser colocados na inclusão das pessoas na Educação, com certeza não teríamos criado uma rede de educação como há hoje: 150 mil escolas públicas. Existe uma rede complementar particular? Sim, existe. Mas é complementar. Ou seja, há uma política pública articulada entre União, estados e municípios que permite que qualquer cidadão, de forma universal, acesse a educação no país.

A mesma coisa chegou para a Saúde, com o Sistema Único de Saúde (SUS). É uma política pública, também articulada entre municípios, estados e a União. Esta última entra com recursos, com hospitais federais; os estados entram com hospitais estaduais e também recursos; e os municípios são responsáveis pela porta de entrada do sistema, que são as unidades de atendimento básico em saúde, os postos de saúde etc.

Não sabemos exatamente qual vai ser o padrão do uso da tecnologia da informação nas diferentes atividades profissionais daqui para frente. Só sabemos que ela estará em todas. Portanto, ela será diferencial para as pessoas. Estarão incluídas nas atividades de trabalho as pessoas que estiverem incluídas digitalmente. Então passa a haver a necessidade de uma política pública efetiva para isso. E que, assim como foi feito com a educação e a saúde, tem que ser articulada entre municípios, estados e União.

A União vem disponibilizando pontos de acesso, telecentros. Alguns projetos são mais audaciosos, como o Casa Brasil — projeto interministerial cuja gestão é coordenada pela Casa Civil — e os Pontos de Cultura, desenvolvido pelo Ministério da Cultura. Mas eles precisam estar articulados com as situações que são diferenciadas localmente. E só quem lida com isso é o município: a questão local se estabelece através deles.

Se colocarmos hoje um telecentro em uma comunidade indígena, queremos que essa comunidade entenda a internet, considerando que hoje 80% do conteúdo da rede é em inglês e só 3% é escrito em português e não há praticamente nada em guarani? Ou queremos que a comunidade possa usar a facilidade de comunicação, de interligação que pode estabelecer, por exemplo, com as 280 comunidades indígenas brasileiras espalhadas por esse continente que é o Brasil, e se comunicar na sua língua, mostrar as diferenças culturais e mostrar o que elas são, colocar o seu conhecimento?

Um outro exemplo: queremos colocar telecentro em uma favela para que as pessoas de lá recebam um modelo das elites brasileiras? Ou queremos que eles entrem em um telecentro e mostrem o que fazem de cultura, de hip hop e as outras coisas fantásticas que há lá, evitando que só se ressalte o que há de ruim nessas comunidades?

Para mudar isso é preciso colocar conteúdo na rede — e isso é um trabalho local, do município. Neste contexto, o diferencial se dará na medida em que, se o município articular, vai conseguir colocar as pessoas em função das necessidades locais, da cultura local. Essa função é fundamental, pois senão teremos uma inclusão digital que nada mais será que a transmissão e a replicação de conhecimento das elites, gerando homogeneização e padronização. Outro fator importante para a inclusão digital é a capacitação — e aí sim a União tem uma importância grande, com as ações do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério da Educação, articulando universidades, etc.

Por isso insisto na importância na articulação União-estados-municípios, pois cada um tem um papel nesse processo. E, se conseguirmos desenhar bem o papel de cada um, vamos criar uma possibilidade de crescimento da sociedade. E não da sociedade ser mais uma vez abafada com a tecnologia.

Precisamos pensar em projetos da construção de um país, baseada em conceitos republicanos, em vez de continuarmos pensando em modelos que estão muito mais ligados a projetos partidários. E, segundo os conceitos republicanos, a União deve tratar de todos os municípios e estados de maneira única, preservadas, obviamente, suas diferenças ambientais, sociais, econômicas, etc.

Temos que construir uma política aderida a um conceito de Estado, e não a um conceito de governo. O município tem que ter financiamento, independentemente de tamanho e de articulações para conseguir fundos. Tem que existir uma política do país, e não uma política do governo. Precisamos de um modelo — permeado por toda a cultura do país — de fontes de financiamento, de projetos de conteúdo e de inclusão das pessoas, modelo esse não imposto pelo governo federal, mas sim negociado entre os diversos entes.

Em resumo, temos de pensar em um Plano Nacional de Inclusão Digital, que não é responsabilidade exclusiva da União, tampouco do Estado brasileiro, e sim da sociedade brasileira. Assim como a educação e a saúde, que hoje não são responsabilidade apenas do Estado brasileiro, e sim da nação.

* Marcos Mazoni é presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).

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