Entidades discutem Globo Brasília em audiência no DF

Pela primeira vez na curta história de Brasília, organizações da sociedade civil se reuniram para fazer uma avaliação de um canal de TV durante o processo de sua renovação. O alvo foi a TV Globo Brasília, que juntamente com as outras emissoras da rede e demais televisões ligadas à Record e à Bandeirantes em outros estados teve sua outorga vencida em 2007 e agora passa por exame no Executivo e no Legislativo para aprovação da continuidade de suas atividades por mais 15 anos.

A audiência, convocada pela deputada Érika Kokay (PT), foi realizada na última sexta-feira (17) na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) e reuniu parlamentares, pesquisadores, cidadãos e organizações da sociedade civil para avaliar o serviço prestado pela TV Globo na cidade. O evento também discutiu a situação da mídia brasileira e a importância da convocação da Conferência Nacional de Comunicação como um espaço amplo e democrático de debate e elaboração participativa de diretrizes para as políticas da área.

Os participantes apontaram duas críticas fundamentais sobre a atuação do canal. A primeira está relacionada ao desequilíbrio de sua cobertura em favor dos setores conservadores do DF, criminalizando ou simplesmente omitindo a posição dos movimentos sociais e organizações populares a respeito das grandes pautas do Distrito Federal.

“A Rede Globo atua sistematicamente para criminalizar o Movimento Sem Terra e os outros movimentos sociais”, destacou Janderson Barros, da direção estadual do MST. "A TV Globo Brasília não dá espaço ao contraditório. Na paralisação dos professores que fizemos recentemente, fomos massacrados pela mídia sem espaço adequado para dar nossa versão”, acrescentou Rejane Pitanga, presidente da Central Única dos Trabalhadores do DF (CUT-DF).

Jandira Queiroz, da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), citou fatos importantes, como a Parada GLBT de Brasília e a parada Lésbica de Taguatinga, que simplesmente foram ignorados pela emissora. Mesmo acontecimentos de dimensão nacional, como o ato em repúdio à violência contra LGBTs realizado durante a conferência nacional sobre as políticas para este segmento em junho em Brasília, quando envolvem lutas de grupos minorizados são omitidos da cobertura desta TV.

Jonas Valente, do Coletivo Intervozes, destacou o cumprimento altamente insuficiente das obrigações constitucionais e legais a que estão submetidas as concessões de rádio e TV. “Mesmo o canal de TV sendo uma emissora diretamente controlada pelas Organizações Globo, nada justifica que não dê espaço para produção independente e regional”, criticou. Hoje, o único conteúdo local veiculado são as versões distritais dos telejornais, não havendo qualquer programa dramatúrgico produzido na região.

Como a emissora acaba funcionando apenas como uma retransmissora das cabeças da rede, as TVs Globo Rio de Janeiro e São Paulo, Valente acabou estendendo sua crítica à ação delas. Questionou o excesso de entretenimento e a baixa incidência de conteúdos identificados como preferenciais na Constituição: educativos, artísticos, culturais e jornalísticos. “A Globo cumpre a cota legal de jornalismo e de educativos, mas no caso destes últimos eles estão postos em horários totalmente desprestigiados na grade. Além disso, apesar de se dizer a grande defensora do conteúdo nacional, a Globo não mantém programação sobre a cultura e as artes do país”, afirmou. Contestou a veiculação de merchandising, prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Bráulio Ribeiro, do Coletivo Intervozes, defendeu que em havendo a renovação ela deveria se dar em novas bases. E apresentou uma lista de compromissos que deveriam figurar como obrigação para a TV Globo Brasília no período de sua próxima outorga. “Criação de ouvidoria na TV com independência política; garantia de percentual mínimo de produção independente e realizada no DF; implantação de programa de debate local com participação plural em horário nobre; e exibição de curtas e longas filmados no Distrito Federal.”

Mudança no sistema de concessões

Os participantes da audiência destacaram ser impossível uma mudança de fato das emissoras se não houver uma reformar radical no sistema de concessões de Rádio e TV. “O Estado estabelece concessões mas não cobra contrapartidas nem fiscaliza o que uma emissora fez durante o tempo de sua outorga”, criticou o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Luiz Martins.

Segundo Jonas Valente, além da fiscalização das obrigações já constantes na legislação – como proibição do oligopólio, promoção da programação regional e independente e respeito aos limites mínimos de tempo de 5% de jornalismo e máximos de 25% de publicidade -, é necessário estabelecer critérios democráticos e que envolvam a sociedade no processo de outorga e renovação como forma de combater a lógica de renovação automática que existe hoje.

Para resolver o problema, foram apresentadas várias sugestões de mudanças. O professor Luiz Martins defendeu a criação de um organismo que funcione como uma espécie de ouvidoria pública que possa receber críticas, denúncias e sugestões da população. Jonas Valente apontou a necessidade de regulamentar os preceitos constitucionais que limitam a propriedade e estabelecem diretrizes quando à programação, bem como de revogar o dispositivo legal que permite um concessionário manter-se no ar mesmo que sua outorga esteja vencida.

Leovane Gregório, do Conselho Regional de Psicologia (CRP), afirmou que é fundamental regulamentar o artigo 54 da Constituição Federal com vistas à proibição de fato da presença de políticos na propriedade de meios de comunicação. Bráulio Ribeiro, do Coletivo Intervozes, colocou a importância de que audiências públicas como aquela fossem obrigatórias para que a população tivesse o direito de opinar quando houver a renovação de um canal em sua cidade.

Contribuição ao processo no Congresso

Ao final, a deputada Érika Kokay afirmou que irá remeter o relatório da audiência para as comissões de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados, que irão realizar audiências sobre a renovação das concessões de Rádio e TV vencidas em 2007. As posições apresentadas também serão enviadas ao relator da renovação da TV Globo Brasília, deputado Jorge Bittar (PT-RJ).

A parlamentar também destacou a necessidade de tornar aquele tipo de debate algo permanente na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) e avisou que irá convocar um seminário em breve para discutir a democratização da comunicação e a mídia no DF. Por último, disse que irá propor à CLDF a aprovação de uma moção em defesa da Conferência Nacional de Comunicação.

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