Muito se tem falado sobre os benefícios advindos da compra da Brasil Telecom pela Oi. Mas, a verdade é que até agora não foi apresentado nenhum estudo sério que comprove tais benefícios. Estamos ainda no campo da pura opinião. Em parte, esta falta de dados concretos se explica pelo comportamento do próprio órgão regulador, que até hoje mantém o país numa escassez quase absoluta de informações. Por exemplo, não existe um modelo que consiga identificar exatamente qual o custo real das operadoras. Como é possível regular um mercado se não se conhece seus custos?
Qualquer defesa séria da compra da BrT pela Oi teria que necessariamente partir de uma crítica ao processo de privatização do Sistema Telebrás e à consequente aprovação da Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Naquele momento, circulou no país uma proposta que aceitava a privatização da Telebrás, mas pedia que não houvesse seu desmembramento e que o capital nacional fosse mantido no controle da operadora. O governo FHC, porém, preferiu fatiar a Telebrás e escancarou o mercado brasileiro para a chegada de gigantes estrangeiros.
Portanto, quando hoje se fala na criação de uma supertele nacional, ela deveria vir precedida da revisão do marco regulatório pós-privatização porque foi justamente este processo que impediu, ainda em 1997, o surgimento desta supertele. E aqui começam os problemas. O Ministério das Comunicações (Minicom) solicitou à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) apenas a mudança do Plano Geral de Outorgas (PGO) para permitir a compra da BrT pela Oi. Tratava-se claramente de uma mudança de ocasião. Constrangida, a Anatel resolveu adendar uma série de propostas que visam aperfeiçoar o atual modelo regulatório. Mas, ao invés de vir antes do PGO, tais mudanças virão depois, quando a concentração já será fato consumado.
Com essa supertele, seus defensores dizem que o poderemos ter impactos positivos no desenvolvimento industrial. Ora, no mês de maio de 2008, depois do Minicom já ter solicitado à Anatel a mudança do PGO, o governo federal divulgou a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP – www.mdic.gov.br/pdp ) que define os objetivos, as metas e as estratégias da política industrial brasileira e em nenhum momento se discute o impacto que esse supertele poderia representar. Não há uma única palavra sobre como seu poder de compra poderia alavancar a indústria brasileira, especialmente nos setores de software e micro-eletrônica, que são setores transversais a quase toda a economia contemporânea. Também não se prevê a articulação que existia nos tempos do Sistema Telebrás entre universidades, centros de pesquisa e empresas brasileiras. Tampouco o governo mencionou que a compra da BrT pela Oi terá algum tipo de exigência de compras nacionais. Sem estas garantias, a tendência é que a supertele continue comprando tecnologia dos grandes fornecedores internacionais, como Nokia, Siemens, Motorola, Nortel, NEC, etc.
A privatização do Sistema Telebrás representou uma drástica mudança na composição da mão-de-obra das operadoras de telecomunicações. Antes detentoras de um corpo funcional altamente especializado, hoje são formadas, em sua maioria, por atentedentes de telemarketing e profissionais tercerizados. A compra da BrT pela Oi não prevê a mudança desse cenário e, pelo contrário, as prováveis sinergias tendem a indicar um cenário de demissões, como se verifica facilmente em outras fusões deste porte.
Um dos argumentos a favor da compra é a possibilidade desta supertele expandir suas operações para outros países, especialmente na América Latina e África. Mas, o mercado latino-americano vive hoje o final de um processo de consolidação que praticamente o colocou sob um duopólio privado, formado por Telefonica de España e Telmex. Há pouco espaço para crescer por aquisições e começar do zero é uma opção muito mais lenta e custosa. E quais estudos existem sobre a possibilidade desta tele no mercado africano? Até agora não se viu nenhum…
A compra não prevê que os novos sócios majoritários terão qualquer impedimento para, no futuro, vender a empresa para estrangeiros. A construtora Andrade Gutierrez e o dono de shopping centers Carlos Jereissati podem, em alguns anos, decidir que seu investimento já sofreu a valorização esperada e que é hora de encontrar um bom comprador estrangeiro. No modelo atual da compra da Br pela Oi, não haveria nada que o governo pudesse fazer para evitar a venda e o discurso da empresa nacional escorreria pelo ralo.
No Brasil de hoje, apenas 17% dos domicílios, segundo dados do Comitê Gestor da Internet (CGIbr), possuem acesso à Internet. O telefone fixo convive com taxas decrescentes de uso. E o aparente sucesso da telefonica celular esconde o fato de que 81% da base de assinantes é composta por planos pré-pagos e que o consumo mensal per capita só tem caído. Em um país com os níveis de desigualdade do Brasil, fica claro que o mercado jamais conseguirá dar conta de universalizar qualquer tipo de serviço, inclusive as telecomunicações. Entretanto, a compra da BrT pela Oi não virá acompanhada de nenhuma política que coloque a empresa a serviço da inclusão digital. O resultado esperado deve ser justamente o contrário.
Primeiro, porque a redução da participação acionária do Estado (através do Banco do Brasil, dos fundos de pensão de estatais e do BNDES) tende a diminuir a capacidade do governo de influenciar a condução desta supertele. Segundo, porque não se fala em nenhum tipo de contrapartida contratual perante a fusão.
Terceiro, porque a empresa resultante da compra da BrT pela Oi terá o monopólio da infra-estrutura de backhaul em 26 estados, bem como controlará a última milha da telefonia fixa (e do acesso DSL à Internet) em 4.852 dos 5.561 municípios brasileiros. Sem um modelo de custos por parte do órgão regulador e sem nenhuma salvaguarda legal e/ou contratual, este monopólio privado terá o poder de ditar os preços da telefonia fixa e do acesso à Internet em quase todo o território brasileiro.
Em princípio, como já se afirmava em 1997, a criação de uma supertele nacional poderia ser interessante para o país. Da forma como vem sendo conduzida, entretanto, beneficia apenas seus poucos sócios privados.
* Gustavo Gindre é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, coordenador acadêmico do Nupef/RITS e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr).
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