Justiça tardia: o caso do grupo Isaías no Equador

[Tradução: Marco Aurélio Weissheimer]

Em 1998, o Equador mergulhou em uma das piores crises econômicas de sua história. O PIB caiu, a pobreza e a desigualdade aumentaram dramaticamente. Uma migração sem precedentes levou cerca de 1,3 milhões de equatorianos para a Espanha e, em menor medida, aos Estados Unidos, em um tempo relativamente curto. Alguns fatores contribuíram para essa situação: uma queda dramática dos preços do petróleo, o fenômeno do El Niño que inundou e destruiu grandes extensões de cultivos destinados à exportação e ao mercado interno, o super-endividamento do país que fez com que os compromissos de pagamento da dívida absorvessem uma parte importante dos limitados recursos fiscais disponíveis.

A estes fatores externos somou-se a derrocada do sistema financeiro. Não é possível deixar de relacionar essa derrocada com dois tipos de decisões: por um lado, com o conjunto de reformas iniciadas em meados dos anos 1990 com uma agressiva flexibilização das normas que regulavam o funcionamento do sistema financeiro e que permitiu que os bancos e seus acionistas pudessem intervir em outros negócios para além da banca financeira; por outro, o enfraquecimento da capacidade do Estado de regular, controlar e intervir naquelas instituições financeiras que apresentaram problemas ou que descumpriram as leis do país. Um ambiente permissivo permitiu que os grupos econômicos que controlavam a banca financeira usassem os recursos dos correntistas e poupadores tanto em operações especulativas de alto risco, sem as devidas garantias, assim como em empréstimos a membros do grupo e a empresas vinculadas. A isso se somou a grande ingerência política dos grupos financeiros nos governos desde 1992.

Os problemas macroeconômicos, as dificuldades no setor externo e o manejo irresponsável e especulativo da banca privada levaram ao colapso do sistema financeiro. A defesa das reformas que flexibilizaram o sistema financeiro e que limitaram o papel do Estado foi a base das políticas neoliberais que dominaram as políticas públicas nos anos 1990.

O paradoxal é que os setores que defenderam a redução das funções estatais de regulação e controle no âmbito financeiro, não hesitaram um instante em pedir socorro ao Estado para manter a sobrevivência do sistema financeiro. Foi implementado, então, um conjunto de operações de socorro ao setor bancário que, em 1999, ano em que os efeitos da crise afetaram a maioria da população, representaram 30% do PIB equatoriano. Somente um banco, Filanbanco, propriedade do grupo econômico Isaías, recebeu mais de US$ 1,2 bilhões de dólares, o que representou “mais do dobro do que o Estado destinou para a saúde pública entre 1998 e 2001” (1).

O grupo Isaías, proprietário do Filanbanco, a partir de seus negócios no setor financeiro, expandiu suas operações a quase todos os setores da economia. Quando o banco faliu e foi passado para as mãos do Estado – e apesar de ter sido um grupo particularmente favorecido pela operação de socorro bancário – o grupo teve a oportunidade de reestruturar, em condições vantajosas, boa parte dos créditos que tinha junto às empresas vinculadas e inclusive exigiu do Estado a devolução de garantias outorgadas pelos recursos entregues para salvar o banco.

Convertido em um dos grupos econômicos mais poderosos do país, os chefes do grupo Isaías protegeram-se da ação da Justiça refugiando-se nos Estados Unidos. Seu poder paralisou qualquer tentativa do Estado equatoriano, através da Agência de Garantia de Depósitos (AGD), para ressarcir os prejuízos econômicos causados aos depositantes e ao próprio Estado.

Tem razão o governo do presidente Rafael Correa ao afirmar que a decisão de bloquear os bens dos principais acionistas do Filanbanco devia ter sido tomada há dez anos. A longa espera para que se faça justiça permitiu que os irmãos Isaías continuassem e ampliassem seus negócios no Equador (incluindo aí a propriedade de dois canais de televisão aberta e um de tv a cabo) e aumentassem seu poder de influência, amparados por uma justiça lenta e ineficiente, um Estado que se recusou a enfrentá-los e a falta de vontade política dos governos que se sucederam desde 1998 até hoje para cumprir a lei.

A decisão histórica é, sem dúvida, a mais importante das já adotadas por um governo para enfrentar um grupo de poder que se transformou na maior expressão da impunidade, da prepotência e de um poder ilimitado frente à lei e as instituições jurídicas e políticas. Que a falta de memória não sirva de pretexto para esquecer os amargos dias do latrocínio que significou o “socorro” bancário e lançar terra sobre o custo que teve para o Equador e as famílias equatorianas.

Os críticos da decisão da AGD, tomada no estrito respeito às leis vigentes, esgrimem dois argumentos: por um lado, que se trata de uma decisão política e eleitoral: por outro, que é uma ação que tem como objetivo atacar a liberdade de expressão. Os dois são argumentos débeis. É evidente que a decisão, por sua natureza e os interesses em jogo, independentemente do momento em que tivesse sido tomada, tem natureza política. Tanto é assim que nenhum governo teve a coragem de tomá-la até então. Deveria se esperar mais dez anos? Por outro lado, está dentro das atribuições de um governo fixar a agenda para tomar as medidas que considere oportunas de acordo com o contexto político. Em um ambiente de inevitável desgaste devido ao complexo debate constitucional que vive o Equador, a decisão é uma reafirmação da vontade de mudança que o governo Correa assumiu. É uma jogada no tabuleiro político que dá ao governo novamente a iniciativa para defender sua agenda política e comunicacional.

Por outro lado, o caso do grupo Isaías demonstra o acerto da proposta, atualmente em debate constitucional, que aponta para a necessidade da independência dos meios de comunicação frente ao controle por parte de impérios econômicos como o deste grupo. Outro tema que deve ser amplamente debatido é o futuro desses meios e a forma de convertê-los em verdadeiros espaços plurais de opinião.

* Carlos Arcos Cabrera é sociólogo (Equador)


(1) Acosta Alberto, Recordando los entretelones del salvataje bancario, 8 de julho de 2008.

 

 

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