Debates apontam alternativas ao monopólio midiático

Em busca da democratização da comunicação, teve início neste sábado, 14, no Rio de Janeiro, o primeiro Fórum de Mídia Livre. O pontapé inicial do movimento foi dado em março, quando ocorreu uma reunião com cerca de 30 pessoas que resultou num manifesto sobre o assunto. Hoje, três meses após esse primeiro passo, já eram cerca de 300 as pessoas que compareceram ao prédio da UFRJ, na Urca, para discutir as possibilidades de ampliação do acesso à comunicação e assegurar maior diversidade de opiniões na mídia brasileira.

A participação massiva de estudantes, militantes de partidos políticos e movimentos sociais, intelectuais e comunicadores valeu como um termômetro que mede a insatisfação com o atual formato monopolista da mídia brasileira.

Pela manhã, um dos pontos tratados pelos coordenadores do FML foi a importância de se respeitar a diversidade de opiniões dentro do próprio movimento, como forma de dar vazão às diversas opiniões sobre o tema e, ao mesmo tempo, unificar as ações para a mudança real do atual cenário.

Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação da UFRJ, enfatizou que a intenção do Fórum era alcançar o consenso, respeitando o dissenso. Ela propôs que, a exemplo do que já acontece hoje com os Pontos de Cultura, poderiam ser criados pontos de mídia que serviriam para dar visibilidade às diversas formas de comunicação existentes e aproximar a sociedade do assunto. “Para fazermos mudanças tão profundas como essas, precisamos de um bom arsenal teórico e tecnológico, além do desejo político”, explicou.

Segundo Ivana, essas mudanças devem ir além de se trabalhar com linguagens já existentes. “Os movimentos sociais não querem somente aparecer na televisão até porque nestes veículos eles são representados por meio de clichês”. Eles querem, conforme argumentou Ivana, produzir a tevê, o rádio e a internet. Ivana também chamou atenção para a necessidade de se acabar com o “discurso de lamentação das esquerdas”.  Por fim, disse, “não queremos uma Globo de esquerda, mas uma nova proposta de comunicação”.

Direito humano à comunicação

Gustavo Gindre, do coletivo Intervozes, tratou da comunicação como um direito humano. “É assim que trocamos conhecimento e acumulamos cultura e é essa característica que nos permite ser diferentes de qualquer outra espécie animal”.

Partindo desse princípio básico, Gindre analisou as bases que devem fazer parte dessa busca pela democratização da mídia. A primeira é a possibilidade de unir forças de matizes diferentes que lutam por essa mesma bandeira. “Devemos construir redes, criar mecanismos de troca e fazer com que os diferentes instrumentos de mídia circulem para um número cada vez maior de pessoas”, explicou.

A outra perna de apoio a esse projeto de democratização deve ser, segundo Gindre, enfrentar os grandes grupos de mídia. “Vivemos numa sociedade extremamente injusta e isso faz com que seja urgente enfrentar os oligopólios de comunicação”.

Ou seja, seria necessário que os movimentos sociais, além de levar informação à sociedade – especialmente para aqueles com pouco acesso aos instrumentos de comunicação – também se preparassem para enfrentar de esses poderosos grupos midiáticos. A concentração dos meios de comunicação no Brasil é uma das maiores do mundo, lembrou, enfatizando, por outro lado, que “fica cada vez mais forte o movimento que reivindica o direito humano à comunicação”.

Renato Rovai, editor da revista Fórum, por sua vez, salientou que um dos méritos do Fórum de Mídia Livre é a riqueza de diversidade. “A mídia hegemônica pode ser grande, mas não tem a grandeza produzida pela pluralidade de opiniões”, disse.

O fim da ingenuidade

Paulo Salvador, da revista do Brasil, cunhou uma expressão que acabou virando referência para outras falas. Ele tratou do “fim da ingenuidade” dos movimentos sociais com relação à democratização da mídia. “Estamos em uma época em que deixamos de esperar apenas ações dos governos”, disse. “Reunimos aqui um conjunto de pessoas que perderam a ingenuidade e resolveram fazer”, completou.

De acordo com Salvador, a comunicação é mais que uma rede. É um sistema que deve agregar a sociedade, abrindo as portas para a construção de um forte movimento contra-hegemônico.

Pelo Le Monde e o site Página 12, Dario Pignoti lembrou do golpe de Estado contra o presidente Hugo Chavez em 2002, episódio emblemático do crescimento do poder da mídia moderna na determinação de acontecimentos políticos. “A grande mídia demorou a tratar aquele fato como golpe”, recordou.

Pignoti comparou o golpe da Venezuela ao dado no Chile décadas antes, quando Salvador Allende foi derrubado. “A diferença é que no caso chileno, foram as forças armadas que agiram com o apoio da mídia, enquanto que, no caso da Venezuela, o agente do golpe foi a própria mídia”.

Ele também ressaltou que ao ir para a rua defender o presidente, o povo venezuelano ficou cara a cara com o que Pignoti chamou de “perda da inocência midiática”.

Encerrando a abertura feita pelos coordenadores e abrindo para colocações do plenário, Joaquim Palhares, da agência Carta Maior, foi taxativo: “qualquer proposta que mexa no caixa deles (os veículos da grande mídia) vai deixa-los raivosos”.

Para ele, é preciso enfrentar a questão das verbas do Estado destinadas à mídia hegemônica. Enquanto o uso desse dinheiro não for questionado e não tiver uma outra destinação, disse, “não vamos conseguir fazer algo grande que represente a imensa diversidade brasileira”.  Palhares lembrou ainda que “vivemos uma barbárie política diária de desinformação”, daí a importância de mudanças profundas no setor.

Segundo o professor da USP Laurindo Leal Filho, o evento foi uma “resposta da sociedade ao estrangulamento que sofre em sua comunicação e essa voz precisa ser difundida”. Além disso, destacou, “é bom falarmos de liberdade, mas é bom lembrar também que numa sociedade profundamente dividida entre ricos e pobres, a liberdade muitas vezes oprime porque é controlada pelos dominantes e é a lei que pode mudar isso, juntamente com a nossa ação”.

Publicidade

A tarde foi reservada para os grupos de desconferência, onde aconteceram os debates sobre os cinco eixos fundamentais do Fórum. Destes debates saíram propostas que resultarão num relatório a ser apresentado neste domingo e que, após aprovado em plenário, será um documento que ajudará a nortear a atuação do FML.

Entre os eixos estão, por exemplo,as políticas públicas de fortalecimento da mídia livre, grupo coordenado por Antonio Biondi, do Intervozes. Ele destacou quatro pontos principais levantadas nos debates. No que diz respeito à legislação, discutiu-se a necessidade de se realizar uma conferência nacional para estabelecer um novo marco regulatório para o setor e também as formas de concessão de outorgas, as rádios comunitárias e o PL 29.

Com relação às tevês públicas, tratou-se da necessidade de se fortalecer o caráter público na gestão, financiamento e programação, bem como garantir o acesso popular e dos movimentos sociais a essas tevês.

Sobre inclusão digital, discutiu-se o fortalecimento das políticas públicas nessa área, enfatizando o papel transformador da internet. Por fim, tratou-se da continuidade do Fórum tanto no plano nacional como local. “Foram discussões acima das expectativas porque houve propostas concretas. O desafio, agora, é colocá-las em prática”, disse Biondi.

No caso do grupo sobre fazedores de mídia, coordenado por Altamiro Borges, do portal Vermelho, houve três eixos principais: o relato das experiências que têm sido feitas Brasil afora, o mapeamento do que tem sido produzido e a criação de sinergia entre essas experiências.

Entre as propostas estão a tentativa de se construir os pontos de comunicação, nos moldes dos atuais pontos de cultura, englobando rádios comunitárias, internet, jornais etc.; a circulação de materiais publicados dentro da concepção de copyleft; a criação de uma comunidade digital para a troca permanente de idéias entre os fazedores de mídia e a reivindicação, junto ao governo federal, do uso dos Correios para a distribuição de publicações da mídia livre, quebrando assim o monopólio da distribuição, hoje concentrada em apenas uma empresa do grupo Abril.

O único ponto que gerou polêmica foi o da criação de um portal da mídia livre, tema que precisará ser mais discutido a fim de definir que formato teria tal página.

No que diz respeito à formação, discutiu-se a necessidade de melhorar a relação das universidades com os produtores de mídia livre; de se realizar um mapeamento dos fazedores de mídia livre; de se ampliar os pontos de cultura; de inserir os fazedores de mídia através de cursos de extensão e de se debater o problema do diploma profissional.

Outro tema vital debatido em um dos grupos de trabalho foi a democratização da publicidade e dos espaços na mídia pública, tema coordenado por Renato Rovai. Estiveram em debate a questão das verbas públicas de publicidade e propaganda e a garantia pelo poder público de espaços para veículos da mídia livre nas tevês e nas rádios públicas, assegurando assim maior diversidade informativa e amplo direito à comunicação.

Nesse aspecto, houve questionamentos a respeito do uso ou não de tais verbas e o comprometimento que poderia haver entre os veículos de mídia livre e o Estado.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *